quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Sangue do Diabo



26% do eleitorado paulistano (composto por 7,1 milhões de eleitores) prefere uma igreja em cada esquina (em vez de escolas), como prega o candidato que lidera as pesquisas na Capital, Celso Russomano Bom-para-as-partes, escorado no apoio do bispo Edir Macedo e sua igreja universal. Por analogia, três outros candidatos defendem o contrário: o escritor e ex-secretário da Educação, Gabriel Chalita, o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, e o professor de Economia e Administração da USP, José Serra. Mas a democracia, como já se disse, é o regime menos ruim da era pós-moderna, com todos os seus problemas e distorções.

Talvez o eleitorado tenha razão: o ensino público pré-ditadura, com seus pedros segundos e caetanos de campos, deixou apenas saudades. A herança maldita do governo militar veio a corroer, também, a qualidade do ensino privado, cujos núcleos de excelência se mantiveram, por alguns anos, escorados nas doutrinas missionárias católica e/ou protestante, mas sucumbiram aos apelos do mercado, conforme se observa atualmente: uma praça de alimentação, um laboratório de TI ou uma feira de trainées podem ser mais atrativos do que uma linha pedagógica alternativa, como a montessoriana ou um professor de Matemática maluco (de tão inteligente), ambos do meu tempo.

Poucas exceções restaram desses antigos centros de excelência, mas a estrutura vitoriana dos ensinos público e privado se manteve. Em parte por culpa nossa, a geração dos sessenta e setenta, que optou por não se meter mais em confusão, por comodismo ou por falta de tempo. Quando meus filhos concluíram o ensino médio, as raríssimas reivindicações de pais eram tratadas como caprichos de crianças insubordinadas; matrículas e mensalidades eram pagas antes dos períodos de prestação de serviços. Nenhum professor debatia o seu programa ou critérios com as famílias das crianças.

Em falta de boas escolas e faculdades, talvez o melhor mesmo seja garantir um terreninho no céu, para depois deste vale de lágrimas, onde o sofrimento é certo: por que melhorar o transporte público ou reconstruir ferrovias se a cada tropeço do PIB (Produto Interno Bruto), vamos despejar mais dois milhões de automóveis nas ruas? - Do jeito que está, a saúde pública serve melhor aos projetos megalômanos de poder de agremiações políticas, fundados na corrupção que paralisa a administração pública ou no pragmatismo de líderes embriagados por sua visão deformada de mundo e de política.

A habitação e o trabalho passam pelos mesmos caminhos tortuosos. A energia e a produção agrícola, que funcionam, dão-se o direto de ignorar os princípios elementares da sustentabilidade. Melhor não pensar.

Quem, portanto, vai tirar a razão dos eleitores de Russomano Bom-para-as-partes? – Nada como o consolo divino. Fora isso, a campanha política, na TV, é uma farsa tão insípida que não consegue despertar o menor interesse por parte do público, sobretudo quando comparada à colcha de retalhos de clássicos da Literatura que compõe a novela das nove, que vem logo a seguir, encenada por profissionais.

Lembram-se do Sangue do Diabo? Tanto a igreja em cada esquina como a campanha política em sí são variações da mesma substância, para não se falar do próprio diabo, que, finalmente, deu as caras, na BR 324, na Bahia, no último sábado (8/9) tendo sido devidamente autuado pela Polícia Rodoviária Federal que lá, para nosso alívio, não está em greve.

Em artigo publicado ontem (11/9) no Estadão, o PhD Alexandre Barros, da Universidade de Chicago, que deve ter aproveitado a greve deles para falar com a gente, sugeriu um ensino customizado, lembrando que sua própria dificuldade em Matemática (Discalculia) não o impediu de curtir os princípios de Malba Tahan (O Homem que Calculava, Editora Record), de aprender Física com seu Poliopticon e Química com o seu Laboratório Químico Juvenil (foto), que me dá saudades do professor José Atílio Vanin. Com esse laboratório, Alexandre afirma ter produzido um líquido fluorescente e tinta invisível (nenhuma analogia com o seu texto).

No outro dia, uma sobrinha minha, formada em Oceanografia, explicou da seguinte forma as propriedades dos lenços removedores de esmalte que ela usava durante uma viagem que fazíamos juntos: “Deve ter um pouco de acetona para quebrar as moléculas do esmalte, um álcool para ajudar a diluir e alguma glicerina para que elas escorreguem para o papel, onde vão ficar presas nas fibras, enquanto o solvente evapora”. Perfeita aula de Química, do jeito antigo: - Boa, Mariana.

É preciso reconhecer que, antigamente, pais e brinquedos educavam em casa, a escola era apenas um complemento. Hoje, quem educa é a TV e a web. Mas com a orientação adequada, você consegue extrarir algum conhecimento dessas duas ferramentas, substitutas dos Tesouros da Juventude. Quer ver? – Para a tinta invisível, basta misturar suco de limão e leite; depositada sobre uma folha de papel, a mistura vai revelar o que foi escrito quando se aquece o papel.

Já o Sangue do Diabo se fabrica com dois dedos de álcool, dois dedos de água, uma colherinha de fenolftaleína e uma tampinha de frasco com amoníaco. O resultado mancha (como essa campanha política na TV), mas evapora logo, para que a gente esqueça o estrago e vá brincar de outra coisa, ou fazer a nossa lição de casa, esta sim, que não pode mais esperar.

Sugestão: antes de votar num vereador, em São Paulo Capital, onde uma cadeira na Câmara custa, em média R$ 8 milhões, consulte o ranking da Ong Voto Consciente.

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