sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Vexame astronômico


Com a guerra religiosa invadindo o espaço das ideologias, seja nas eleições municipais de SP-capital, seja nas presidenciais norte-americanas (ver análise do ex-ministro da Cultura, Sérgio Rouanet), temo pelo pior, inclusive na condição de ex-leitor do Charlie Hebdo, que escolheu justo este momento para ironizar a fé, tanto mulçumana quanto judaica. Em São Paulo, executivos de grandes empresas estariam planejando, à revelia do João Doria Jr, um movimento para a construção de templo de vidro e aço, sobre a Marginal do Pinheiros, em honra e adoração à Sexta-Feira. Não deve ser por acaso que o âncora do Bom Dia Brasil, Chico Pinheiro, despediu-se de seu público, hoje (21/09) com a saudação: “Graças a Deus, é Sexta-Feira!”.

É bem verdade que um amigo, conhecedor das minhas esquisitices, me ligou na quinta-feira à noite (19/9), para comentar as mudanças organizacionais do Jornal Nacional, anunciadas pelo mesmo Jornal Nacional, enquanto eu viajava de São Paulo ao Rio: algo que nem eu nem ele poderíamos supor, quando éramos obrigados produzir jornais internos de empresas, chamados house organs ou órgãos da casa: “A informação renderia, no máximo, um e-mail corporativo”, observou ele gravemente. "Não vi, não posso criticar", reclamei.

Mas admito que a exaltação (nada mineira) do Chico Pinheiro pode ter sido apenas mais um reflexo da perda de qualidade do nosso telejornalismo, em busca do próprio rabo, nesses tempos de grandes audiências pentecostais e pressões da internet, o que não assustaria tanto quanto o surgimento de uma nova doutrina capaz de transformar a Sexta-Feira numa espécie de entidade, a exemplo da matéria escura, que a ciência conhece pouco. Basta de fanatismo e conspirações das elites golpistas, vocês não acham?

Uma explicação mais simples para a empolgação do Chico Pinheiro poderia estar nessa mudança de ambiente a que ele foi submetido, ao se transferir para a Cidade Maravilhosa, depois de uma longa adaptação à Paulicéia, algo que lhe rendeu uma sisudez incompatível com o seu estágio no Clube da Esquina, embora apropriada à musculatura exigida de um jornalista de Cidade,obrigado a enfrentar destemperos de autoridades do porte da ex-prefeita e atual ministra da Cultura, Marta Suplicy.

A gravata rosa choque usada pelo âncora, nesta manhã, denunciava um estado de alma de quem seria capaz de beijar a Ana Maria Braga, se isso garantisse  um fim de expediente antecipado no Jardim Botânico.

Ok, Chico, é difícil resistir à pressão de um fim de semana carioca. O Rio tem seus problemas: a comida em alguns restaurantes, a poluição da baía de Guanabara, a diretoria de Flamengo, o trânsito e a falta d'água na “Região dos Lagos”, as ultrapassagens de ciclistas na contramão de quem corre a pé pela pista de Cooper da Lagoa e o cheiro de ralo na curva do túnel Rebouças, nessa mesma Lagoa que o Eike Baptista prontificou-se a despoluir, se lhe descontassem o valor correspondente no Imposto de Renda.

Tem, ainda, o mausoléu do César Maia (que é a cara dele), e a presença do ex-governador na campanha eleitoral gratuita, obrigando as pessoas a retirar rapidamente as crianças da sala; os engarrafamentos da avenida Sernambetiba, as UPP competindo com a falta de oportunidades nas favelas, o calor, o Carnaval, xixi nas ruas e carros sobre as calçadas ((vão dizer que em São Paulo, não se pode nem praticar uma chacina sem sofrer uma chacina).

Mas a Cidade Maravilhosa tem muitos apelos, como os fins de semana esperados ardentemente pelo apresentador-amante-da-MPB, a graciosa paisagem humana observada até nas janelas de um ônibus que cruza a praia de Botafogo enquanto atravesso a rua, as montanhas, a confeitaria Colombo, os royalties do petróleo que oxigenam a cidade, as vitrines de Ipanema, o Baixo Leblon, o chopinho bem tirado em qualquer esquina, o mate gelado, o biscoito Globo, a empada praiana e as atrizes  flagradas na praia com suas dobrinhas pelos paparazzi que alimentam os portais na internet, nos intervalos do Big Brother de Pedro Bial.

E, claro, as novidades cariocas. Ontem, por exemplo, descobri que o Meia Hora (R$ 0,50) tem uma circulação de 260 mil exemplares, a uma curta distância da tiragem do Extra, muito além das vendas dos jornais populares de São Paulo, que não chegam perto de 100 mil de exemplares. Os 7,5 milhões de publicações impressas que circulam no país estão abaixo dos Asahi Shimbun vendidos diariamente no Japão (segundo jornal mais importante daquele país). Em compensação, não temos os chineses querendo nos pegar para Cristo (desculpem) para aliviar a nossa incapacidade de espernear contra o nosso próprio governo. Aqui, tem julgamento do Mensalão!

O Rio tem outras qualidades: ontem, ao me deslocar do aeroporto Santos Dumont até o local de um compromisso e me desculpar com o taxista pela curta corrida, ouvi, como resposta, que em prato raso se come várias vezes, ao passo que num prato fundo, só se come uma vez. Na volta, fui informado, por outro taxista, que a escassez desse tipo de condução, quando chove, no Rio (portanto, raramente) é causada não pelo aumento da procura, mas, sim, pela redução da oferta, provocada pela súbita elevação do risco de acidentes: “Ninguém quer levar prejuízo, meu parceiro”, informou o cidadão, “todo mundo encosta e espera a chuva passar”.

Em outro encontro de trabalho, fui informado por uma conhecida que, ao negar um aumento a um funcionário pouco produtivo, este acabou pedindo transferência, depois de ver frustrada a sua reclamação ao chefe dela, uma vez contrariada a sua expectativa por um tradicional aumento anual, por tempo de serviço. Achei melhor não comentar nada sobre a greve dos Correios, que têm o monopólio da remessa de contas de luz, por exemplo, algo que poderia ter sido eliminado desde que as concessionárias de energia passaram a utilizar dispositivos móveis na leitura de seus medidores de consumo. 

Os tablets, aliás, já substituíram os laptops nos vôos da Ponte Aérea, embora não tenham resolvido o problema da infra-estrutura dos aeroportos, nem os atrasos das companhias. Muito menos a deseducação de passageiros que costumam se sentar em poltronas de outras pessoas, tossir sobre os seus vizinhos e falar em altos brados, com expressões com longo tempo de serviço, como as do carioca que viajou comigo anteontem: sinergia, off-shore, banner, promo, petshop, startup e “setar” (no sentido de lançar, ajeitar ou arrumar - não tenho o contexto).

Na volta, foi a vez de uma paulista explicar à sua vizinha de bordo uma espécie de happening que ela foi encarregada de promover, num espaço situado no coração dos Jardins, com música chill out, espaço performático, decoração vintage no lounge, welcome drink e araras com roupas de marca para umas comprinhas. É por isso que os jornais, dentro ou fora dos tablets, continuam sendo importantes, apesar de seus vieses, pregas e bordados.

Desta vez, estou preparado: mergulho numa explicação da natureza da matéria escura citada acima, assim chamada (atenção, fundamentalistas)  por não absorver nem emitir luz, e cujo efeito gravitacional impede a matéria das galáxias que se movem no espaço de se desmantelar e se dispersar, considerando a velocidade em que elas se deslocam:

“A única força capaz de segurar as coisas nos seus devidos lugares”, leio, “é a gravidade, e a gravidade depende da massa de um objeto. O problema é que a quantidade de matéria visível nas galáxias e aglomerados não é suficiente para gerar a atração gravitacional necessária para evitar que elas saiam voando por aí. Algum cabo invisível está segurando o carro na pista, e esse cabo é a matéria escura. Todas as pesquisas indicam que há cinco vezes mais matéria escura do que matéria visível, ou seja: todo o que a gente enxerga corresponde a 20% do que existe no universo, como se não soubéssemos da existência do ar. Este, no entanto, é feito de matéria comum. No caso da matéria escura, os cientistas não têm a menor idéia do que ela é feita”, algo que eles consideram  "um vexame astronômico".
Vexame astronômico, então, é isso?

Ilustração: Hakujaden, primeiro filme de animação colorido produzido no Japão (1958) sobre uma lenda da mitologia chinesa, A Serpente Branca, que fala de amor x intolerância.

Um comentário:

  1. Essa do táxi é antológica !

    Valeu, amigo, mais um belo texto para fechar a semana...

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