terça-feira, 2 de junho de 2015

New poor: roteiro


Há algum tempo, se o dono de uma daquelas redes concessionárias de veículos chineses dissesse que foi obrigado a vender um de seus aviões por causa da crise, a gente o definiria como um noveau riche. Um Jay Gatsby do 3o Milênio. O mesmo adjetivo serviria para enquadrar a Xuxa, pela casa em Trancoso-BA, ou a Fernanda Torres, pelo condomínio em Itacaré-BA. Mas, principalmente, o Ricardo Teixeira, cuja mansão, em Sunset Island-FL,é de fazer inveja à nova atração do SBT, o cirurgião plástico, Doctor Ray.

Depois das administrações petistas, o  bom gosto virou coisa de elite, você sabe. Como parte dessa revolução cultural, passamos a identificar o mau gosto de quem tem dinheiro sobrando como coisa de novo rico, não mais de noveau riche: a festa de casamento com desperdício de caviar e lagosta dos Sarney; o palácio do cantor sertanejo, Zé Rico e o castelo do deputado mineiro, Edmar Moreira

Sultões seguidos pelos respectivos haréns e sacolas de grife pelos corredores da Harrod’s, em Londres, peruas desfilando na  Vittorio Emanuelle II, em Milão, e uma vasta lista de objetos que vai da pulseira de ouro do Raul Gil até a Mesquita Sheik Zayed, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, que custou para lá de US$ 1,5 bi - é tudo coisa de novo rico.

Entre os que subiram na vida, como a galera aí acima, notamos um ligeiro incremento de maus hábitos, como jogar lixo no chão; dirigir falando ao celular (se possível, com os pés sobre o painel do veículo); música em alto volume; falar alto (inclusive no cinema) usando palavrões; furar fila; usar adesivo  alardeando a própria fé (mesmo quando o possante veículo estaciona em vaga para deficientes físicos). O "novo normal". Ah, e criticar esse tipo de atitude, agora, é preconceito.

Na era do funk-ostentação, os tênis, carrões e farras dos jogadores de futebol em Ibiza-Espanha vêm se juntar aos raybans estilo janelão, bolsas Luis Vuitton compradas à vista, como a da MC Pocahontas (“Mulher de Poder”). Isso, e aqueles fins de semana em Nova York para renovar o guarda-roupa (a pretexto de atualização cultural); óculos de armação colorida, camarote de balada e longnecks de loja de conveniência. O brega, enfim, caiu em desuso.

No meu caso, depois das administrações petistas, a minha categoria social se inverteu: de classe média ascendente, virei novo pobre. Novos hábitos, aqui vou eu:

Adeus, Booking.com: visitas a amigos e parentes que moram de outras cidades têm que incluir hospedagem. Posso lavar a louça, passear com o cachorro e varrer o quintal;
Benvindo, Home Office!: o aluguel de um espaço para a pequena ou média empresa tornou-se inacessível. 
Pão de Açúcar, nunca mais: compras, agora, só nas redes de varejo controladas por empresários russos ou chineses; em sacolões, ou no varejão do Ceagesp.
Olá, OLX:  móveis e utensílios, a partir de agora, somente em sites de trocas e objetos usados. Para roupas, melhor  'garimpar' nos brechós. 
Tudo é Marrakesh: um real economizado na compra do brócolis, outro nas bananas e cinquenta centavos na cebola, podem render duas abobrinhas.
Leitura do Momento“Caminhando”, de Henry Thoreau.
Whisky e Bourbon, adeus! - a cachaça cumpre muito bem esse papel. Saúde em primeirio lugar. Aliás...
Remédio bom é remédio barato. Viva a Farmácia Popular.

Minha nova condição social trouxe alguns confortos: não sou mais um shopper, nem um  foodie. Virei hipster (foto): a minha moda, sou eu quem faço. Fiquei longe de bares e livrarias, esses antros de vício e depravação; igrejas, também não frequento: o dízimo está pela hora da morte e o céu, continua em local incerto e não-sabido. Mas não deixei de sair de casa, como medo que o síndico achasse que morri, como aquele personagem do Will Eysner, Pincus Pleatnik, que, depois de ter o nome publicado, por engano, no obituário do jornal, nunca mais conseguiu provar que continuava vivo. 

Prometo colher outras dicas, ao longo de meus próximos aprendizados: reparos domésticos, permutas, escambos. O importante é não se deixar abater. Nossa colonização jesuítica nos afastou daquela ética que justifica a acumulação de capital como um agrado ao Senhor, mas, em compensação, nos legou um Deus genuinamente brasileiro, que deve nos ajudar a virar esse jogo. Se até o José Maria Marin, um dia, caiu nas garras da Justiça, por que a nossa sorte não pode mudar?

terça-feira, 28 de abril de 2015

Brinquedo educativo


No meu velho Houaiss, brinquedo se define como objeto com que as crianças brincam, mas, também, como jogo ou passatempo, coisa que não deve ser levada a sério. Será que a mamãe do MC Brinquedo, de 13 anos, encara dessa forma as letras do filho, funkeiro, que virou um fenômeno na Internet? Numa rápida entrevista à TV, ela disse que, dentro de casa, ele não passa do Vinícius, que lhe deve obediência e respeito. Qualquer semelhança com o autor de Boquinha de Aparelho deve ser coincidência.

E como será que os pais da funkeira MC Melody estão encarando a ameaça de interdição da menina, de oito anos, pelo Ministério Público de SP, por causa do forte conteúdo erótico e de apelo sexual de suas músicas e coreografias? Será que eles cresceram dançando a Na boquinha da Garrafa, da Carla Perez, essa heroína da cultura nacional, parceira do divertido Cumpadre Wahington?

Segundo o G1 de 24/4, MC Melody está sendo investigada pela Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude de SP-Capital. Uma das representações do inquérito informa que suas músicas são obscenas, com alto teor sexual, acompanhadas por poses extremamente sensuais. “A menina trabalha como vocalista, dirigida por seu genitor”, diz o documento. Além dela, videoclipes de outros funkeiros mirins, como as MC Princesa e Plebéia e os MC 2K, Bin Laden, Brinquedo e Pikachu, estão sendo investigados pelo MP.

A sociedade discute a redução da maioridade penal enquanto crianças não-delinquentes se divertem, dançando funk, indo ao shopping – programa predileto de pais e mães – e brincando com seus tablets. De vez em quando, comem um salgadinho carregado de sódio, um biscoito recheado de gordura trans e um “suco” de caixinha, temperado com os melhores conservantes e aromatizantes que a química pode produzir. Andam de elevador. Alguns vivem dentro de carros blindados, outros, saracoteando no esgoto e no lixo. Uns poucos, cada vez menos, tiram a sorte grande de serem educados pela avó. Os demais, cheiram cola na Praça da Sé.

Há os que estudam nas escolas bilíngues, onde tem quadra, livros, educadores e brinquedoteca.  Mas entretenimento de verdade, como andar na chuva, subir nas árvores,  caçar macaco e tomar banho de rio, só no Xingu. Isso, por enquanto. Pela Internet, essa criançada pode saber como se divertiam seus pais: Genius, Cubo Mágico, Pega-peixe, Senhor Batata, Varetas, Cai-não-cai. O Atari, avô do Playstation IV, também está lá. Mas o Sacy e o Curupira, só nos clipes do Sítio, aquele concorrente do Castelo Rá-tim-bum!, que passava na Globo.

O carrinho de rolimã não resistiu ao skate, mas as bikes atravessaram gerações.  As bonecas-bebês viraram Barbies e Kens. Tem até um Ken humano, Justin Jedlica, que fez 90 procedimentos estéticos para ficar parecido com o boneco famoso. O Playcenter foi expulso da cidade por mau comportamento, mas a Six Flags Magic Mountain está logo alí: afinal, agora, todo mundo pode viajar. Brinquedos, portanto, não faltam. Se o Vinicius prefere brincar de outra coisa, problema dele. 

Não sou retrógrado: entendo que não dá mais para jogar bola no campinho da esquina, sem que um olheiro como Betinho Santos, que descobriu o Robinho e o Neymar, fique rondando por perto. Verdade que, para cada jogador que ganha 20 salários-mínimos, 450 outros vivem com apenas um. Aprendi no Bom Dia, Brasil. O de hoje, aliás (28/4) mostrou a Arena Pantanal, aquela da Copa, cercada de lixo (R$ 600 milhões).

Também entendo que não dá mais para brincar de salva na rua, fazer trilha na Floresta da Tijuca e pular o muro para roubar jabuticaba. Balão, virou coisa de bandido. Bola de gude, enfeite em vaso de arquiteto. A gente fazia estilingue, pipa e cerol. E pintava camiseta. Sobrava tempo. Ia espiar as meninas na zona. Nadar clandestino, na Hípica. Fabricar cartuchos para caçar nhambu: pólvora, chumbo e jornal. Azucrinar a vida dos outros, com todo tipo de armadilha.

Claro que o tempo se acelerou: o cara tem seu automóvel e já não vivemos como os nossos pais, embora o Ivan Lins não consiga ver isso. Menos tempo não é mais, nem trouxe novas alternativas: rolezinho, videogame e baile funk. Mas, concurso de chef júnior na TV, fitness infantil e concurso de miss-Ensino Básico são um pouco demais, não sei se você concorda.

A adultização da infância virou tema de blogueiro e deu até tese de mestrado, da professora Cristhiane Ferreguett, da Universidade da Bahia. Segundo ela, a linguagem publicitária, camuflada, passou a inserir-se em diversos gêneros de discurso, especialmente nas reportagens das revistas infantis, com claros efeitos na adultização das meninas. “A inserção precoce da criança no mundo do adulto encurta a infância”, ela diz, “até no plano fisiológico. As meninas estão entrando mais cedo no período da puberdade. Na contramão da queda da fertilidade entre as mulheres adultas, aumenta o índice de gravidez na adolescência”, adverte. O comércio, adora:  roupa de grife, sandália de salto e baton, dos oito aos oitenta.

Além de cantar no Raul Gil, garotos e garotas estão virando chefs mirins, jogadores sub-qualquer coisa, modelos esqueléticas, atores de filmes publicitários, funkeiros e chefes de quadrilha (estes, desde o meu tempo). A maioria tem celular, frequenta baladas e usa cartão de débito. Começam a beber mais cedo e sabem muito bem quanto vale um AirMax novinho, como o exibido pelo MC Brinquedo em entrevista à repórter Isabela Talamini, do portal Noisey:

“Fui entrevistar Vinícius na KL Produtora, na Zona Sul de São Paulo. A KL, assim como outras produtoras, é uma espécie de coletivo ou selo que descobre novos MCs nas ruas, e leva eles para o estúdio. Ela também é responsável por fazer os vídeos, aqueles ostentando joias, carros zero, acessórios da Oakley e mulheres gostosas. Disso tudo Vinícius entende, mas, aos 13 anos de idade, seu tema preferido é mesmo sexo”. Vinícius de Moraes, o poeta, também era louco por mulher e ninguém reclamava.

Ao mesmo tempo, tenho um sobrinho, também de 13 anos (fala, Pedrão!), estudando Confissões, de Rousseau e comparando os pontos de vista do cara com os de seu contemporâneo, Voltaire, com quem tinha uma treta. Caso o Pedro venha a se informar, por alto, sobre Marx, de um lado, e Adam Smith, de outro, e der uma olhada em Thoreau, do meu amigo Enéas Macedo Filho, vai saber mais de cultura ocidental do que eu.

Talvez isso não mude nada, em relação ao tema desta crônica. Mas eu prefiro acreditar que o Pedro, assim como Leung Pak Yue, que acabo de ver e ouvir tocando Rapsody in Blue, de Gershwin, numa gaita, e o Luca, de sete anos, que sabe onde fica Katmandu desde antes do terremoto, vão fazer mais diferença, no mundo, do que os nossos MC, Brinquedo e Melody. Desejo boa sorte a todos.

terça-feira, 3 de março de 2015

Tigres não são precavidos


Apesar do narcisismo do gesto que, neste caso, peço emprestado ao poeta Manuel de Barros, o ato de se colocar na pele de um juiz ou de um simples avaliador de um objeto, trabalho ou concurso tem um alto grau de sedução. Este ano, passei ao largo das especulações, expectativas e programação do Oscar, que eles chamam de maior prêmio da indústria do cinema, mas não consigo deixar de dar pitacos sobre algumas fitas premiadas. Desta vez, o evento me pareceu um tanto esvaziado, mas a qualidade de algumas produções garantiu mais uma safra de boa diversão.

Antes do tapete vermelho, vi e gostei de The Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson (Melhor Figurino, Melhor Roteiro Original) – inspirado nos textos do suíço/brasileiro Stephan Zweig – e de Leviatã, de Andrey Zvyagintsev, que era minha aposta para a estatueta de melhor forasteiro, como comentei neste blog, há três meses; talvez por fazer piada de meus heróis antigos, leia-se Lênin, e de tiranos atuais, como o Putin e a corrupção na administração pública de vários países, digamos assim. Filme profético, em vista do genocídio dos ucranianos e o assassinato de Boris Nemtosov, no último sábado (28/2). Mas a estatueta de Filme Estrangeiro foi para o belo, cruel e delicado Ida, do polonês Pavel Pavlikowski, um oposto de Birdman, de Alejandro Iñarritu (Melhor Filme e Melhor Diretor), que estudou direção teatral com outro polonês, Ludwig Margules.

O mestre de Alejandro Iñarritu odiava as firulas hollywoodianas e se concentrava na verdade que o ator pode ser capaz de achar e transmitir. Os críticos disseram que o realizador seguiu um caminho oposto, mas, na minha opinião, a essência do filme está mantida no trabalho de ator, que vem do estômago, tanto de Michael Keaton, como de seu parceiro de set, Edward Norton. Teatro, sem deixar de ser cinema.

Keaton foi preterido como o Melhor Ator – os americanos adoram filmes de superação e Ed Redmayn, de Theory of Everything era o Jared Leto da vez (de Dallas Buyers Club) – mas o velho ator conseguiu extrair o máximo de seu personagem, uma quase paródia de si próprio, pensando no primeiro Batman da vida real, dirigido por Tim Burton, se me permitem o jogo de luz e sombras.

Iñarritu é o segundo mexican boy contemplado com o Oscar de Melhor Diretor. Sucede o compatriota Afonso Cuarón, de Gravity (Gravidade), vencedor do ano passado. Iñarritu conseguiu a proeza de rir de um arquétipo cuidadosamente renovado pelos sobrinhos do Tio Sam, desde a Guerra Fria: o super-herói de Birdman não passa de um alterego invertido do velho ator que não consegue se desvincular de seu antigo papel, o que não chega a ser uma novidade no cinema americano (Goodbye, Dr. Spock). Mas as situações ridículas de Birdman lembram mais a pantomima da luta livre mexicana do que os malabarismos dos X-men ou dos Guardiões da Galaxia.

Ironicamente, as estéticas de Ida e Birdman opõem, de um lado, uma câmera nervosa de planos profundos – inaugurada na telona por Fernando Meirelles em Cidade de Deus – e, de outro, um velho álbum da Rolleiflex de Pavlikowski, no branco e preto quadrado das telas antigas. Os dois filmes disputaram o Oscar de Melhor Fotografia. Deu Emmanuel Lubezki (de Gravity) outra vez. Mas os ângulos geniais de Luckas Zals e Riszard Lenckzewski, de Ida, ficaram na minha retina.
  
No fim, tanto o frenesi de Iñarritu – capaz de provocar náuseas nos desavisados – quanto a narrativa (modorrenta, para muitos) de Pavlikowski, levam o espectador ao mesmo velho e bom nihilismo que vai completando quase um século de vida tranquila e saudável.

Em outro filme de homens-pássaros, Whiplash (Chicote, na tradução literal, que também dá nome a um tema do Jazz), o ator principal, Miles Teller (bom), serve de escada ao seu “supporting actor”, J.K. Simmons – irretocável, no papel (Melhor Ator Coadjuvante). Numa conversa entre os dois, o personagem de Simmons, que é maestro e professor  do baterista Teller, tenta justificar seu rigor (violência) por empurrar as pessoas para além de seus próprios limites, em busca de outros pássaros, ou “Birds”, apelido de um monstro sagrado do gênero, o saxofonista Charlie Parker.

Charlie, que morreu aos 34 anos, de overdose (1955), só alcançou a sua melhor performance depois de praticar muito, para que ninguém risse dele, como aconteceu, numa seção do Kansas City Reno Club, em 1937, quando o baterista Jo Jones, da banda de Count Basie, atirou um prato de bateria a seus pés, por ele ter errado um acorde (Parker tinha 16 anos).

Assisti o trailler de Theory of Everything (A Teoria de Tudo), que levou o Oscar de Melhor Ator (principal), e fiquei satisfeito: por enquanto, a tocante história do herói da ciência vai para o final da minha fila, ao lado de Boyhood, que verei apenas como uma boa idéia. Lembrou-me o único concurso de fantasias de que participei, há quase meio século, no Bauru Tenis Clube, aos 15 anos, metido num robô de papelão revestido de papel prateado construído com a ajuda de uma tia, Maria de Lourdes, hábil costureira e responsável por minhas articulações de entretela sanfonada. Não riam: Star Trek (a série) estreou dois anos mais tarde e o primeiro Star Wars, em 1977. 

As luzes da cabeça eram alimentadas por uma bateria escondida na altura da nuca, e tive medo de levar um choque, ao mergulhar na piscina. A coragem veio com algumas doses de Cuba Libre. Levei o prêmio principal, mas queria mesmo era ser visto pelas meninas que estariam no baile da noite.

Também não vi American Sniper (Sniper Americano), dirigido pelo terceiro velho de direita mais invejado pelos intelectuais de esquerda, Clint Eastwood (o primeiro é Nelson Rodrigues e o segundo, Paulo Francis). Mas este, certamente, será um filme mais fácil de se ver, com um dilema moral mais tranquilo de se digerir. Virou blockbuster nos Estados Unidos, mas a Academia não daria mais um Oscar a um filme sobre a Guerra do Iraque como The Hart Locker (Guerra ao Terror), de Kathryn Bigelow – primeira mulher a vencer o prêmio de Melhor Direção e de Melhor Filme, em 2010. Naquele ano, o outro candidato era Avatar, de James Cameron. Até hoje me vejo na cozinha de Kathy e James enquanto eles discutem quem vai fazer o jantar.

Quando os fatos (execuções) que deram origem ao livro de Chris Kyle, American Sniper: The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Military History, ocorreram – de 1999 a 2006, no mesmo Iraque que, hoje, está parcialmente ocupado pelo ISIS – Jihad John era um pacato estudante da Escola Primária de Santa Maria Madalena, em Londres, a caminho da Universidade de Westminster, onde começaria a frequentar um curso de Tecnologia da Informação, em 2006. Chris Kyle lançou a sua autobiografia em 2012 e mesmo depois de seus 260 homicídios, dificilmente poderia imaginar o grau de atrocidades que uma de suas possíveis futuras vítimas  seria capaz de cometer, dez anos depois.

Essas duas faces pertencem à mesma moeda do mundo que estamos entregando aos nossos filhos e netos, e que alguns intelectuais e empresários-pensadores insistem em tentar encobrir, comparando as estatísticas atuais da violência às mortes da Primeira e da Segunda Guerra, ambas ocorridas no século passado.

“As pessoas”, eles dizem, “vivem mais”. Têm razão. Elas vão mais longe, quando não têm suas vidas interrompidas por tiros de fuzil e metralhadora, nas pacatas ruas de nossas grandes cidades, ou pelo Câncer, de cuja cura, a Ciência nem desconfia, ou pelo Alzheimer, que transforma as suas existências em pálidas sombras daquilo que elas foram um dia, desafiando as emoções de seus entes queridos. Enquanto isso, à nossa volta, vicejam o ódio, a intolerância, a miséria e a ignorância.

Talvez por isso, os nossos jovens venham prescindindo, cada vez mais, do seu próprio futuro, em troca de uns poucos momentos de glória ou de prazer. Mariposas, cantadas por Adoniran Barbosa. Rainhas de bateria afundando no lodo. Manuel de Barros queria que as borboletas governassem o mundo. Poderiam ser cavalos. Gatos são preguiçosos, elefantes, lentos e tigres, imprevidentes. Macacos pensam demais. 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Fim de carnaval


De volta ao trabalho, hoje, quarta-feira, 18/2, depois de uma pausa revigorante em Aiuruoca-Minas, ao pé Serra da Mantiqueira – onde revisitei cachoeiras da era  pré-Isis Valverde e assisti a uma animada discussão sobre as contribuições de Ramsés II e Amenotep III à espiritualidade humana – ouço, pela Rádio Estadão, uma acalorada polêmica entre os jornalistas, Cesar Sacheto e Luís Antonio Prósperi, sobre o momento no qual o técnico Felipe Scolari, também conhecido como Felipão começou a se perder: se antes ou depois da queda do Palmeiras à segunda divisão, em 2012.

“Ele já tinha sido demitido do Chelsea”, disse um. “Mas tinha recuperado o prestígio da seleção brasileira ao ganhar a Copa das Confederações, em 2013”, rebateu o outro . A conversa teve muitas nuances e passou, claro, pelo retumbante fracasso dos 7 x 1 para a seleção alemã. Finalmente, ambos concordaram: sem jogadores, nenhum técnico consegue fazer milagres. “Nem o Anderson Silva, sem os anabolizantes”, teria arrematado o comentarista do programa, Roberto Godoy, em cuja opinião, o Anderson, além de tudo, foi burro: “Todo mundo sabe que a androsterona é um agente cancerígeno”.

A conversa do Vale do Matutu sobre os faraós foi mais produtiva: descobri que, ao enfrentar um leão, você não pode quebrar a sua harmonia. Senão, babau. Não por acaso, imagino, reza a cultura egípcia que Amenotep III foi um injustiçado: passou para a história como um déspota epicurista que vivia caçando leões só para quebrar o tédio, mas, em vez disso, foi um orientador do povo que seguia à risca a sua missão divina e matava leões apenas para ensinar  que a ordem deve prevalecer sobre o caos.

No Brasil de agora, o PT, que completa 35 anos, denuncia uma conspiração das elites para enlamear a sua reputação , responsável, segundo a imprensa burguesa, pelo mais alto índice de corrupção jamais visto neste país. O objetivo da intentona, além de comprometer a moral da agremiação, seria interromper as conquistas do povo e da democracia. Como o acesso à educação que, pelo visto, só não alcançou a população da capital paulista, cujo governo (petista) está sendo obrigado a substituir as lixeiras de plástico das ruas por outras, mais econômicas, feitas de saquinhos presos em aros de arame. Tudo por causa de uma parcela de vândalos que não aprendeu a conviver em sociedade.

Quem sabe essa providência sensibilize as pessoas que têm por hábito jogar lixo nas ruas, como no meu quarteirão – personagem frequente das coberturas das inundações – por onde a equipe de limpeza do Fernando Haddad só passa uma vez, a cada dois meses.

Enquanto a presidente Dilma reflete sobre a queda de sua popularidade numa base naval de Aratu, Bahia, especialistas em energia preveem um aumento no preço do insumo superior a 60% este ano – isso para as indústrias. O ex-presidente da Confederação que representa o setor e atual ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro Neto, por sua vez, luta para desfazer os embaraços criados pela diplomacia dos dois governos petistas que o antecederam nas relações comerciais do país, tentando não desprezar o maior mercado do mundo, que, ao contrário do que assessores informaram à chefa da Nação, não é o nosso.
  
Havia outras notícias, hoje, ao redor, além das inundações e da falta d’água, dos estupros vitimando adolescentes cada vez mais jovens e dos brutais acidentes nas estradas: a expectativa quanto ao resultado da campeã do carnaval carioca que, mais uma vez, refletiu fatos marcantes da nossa sociedade, como: a frequência da classe média aos motéis, os esportes radicais (paragliders, surf, cama elástica), a crise da Petrobras, o antagonismo entre a liberdade e racismo, e aqueles temas praticamente inéditos nos desfiles de escolas de samba, como a importância do negro na nossa história e a força da mulher brasileira.

Em sua crônica do dia, na FSP, o grande Rui Castro especula por que as atuais marchinhas dos blocos não “estouram” como na época de Lamartine Babo, Haroldo Lobo, Braguinha e João Roberto Kelly: “Garota Saint-Tropez”, “Eu agora sou feliz”, “Mulata Iê-iê-iê”. Afinal, milhões de jovens saíram às ruas para comemorar o carnaval. Seria – ele indaga – falta de percepção desse potencial, por parte da “indústria do carnaval”? – Estamos velhos, Rui, deve ser isso: nada gruda na geração dos tablets e do prazer instantâneo, exceto o band-aid. Provavelmente, a vencedora do carnaval carioca será a escola que fez o desfile mais técnico.

Mas o papo esotérico, este sim, faz sucesso entre os jovens. No meu tempo, eram os deuses astronautas. Sirianos, de acordo com a leitura atual da Confederação das Galaxias sobre o trabalho do Conselho Principal de Lira na Constelação Vega, em curso, desde os anos 1980, para integrar a terra aos 36 outros planetas do sistema solar, administrados pela organização. O objetivo é livrar o nosso planeta da barreira de frequência que obstrui a nossa comunicação com os demais planetas, por causa da carga negativa que nos foi imposta, há quatro milhões de anos, pelos alfa draconianos e pelos reptilianos  (esconjuro), em guerra com os seres da luz.

A seguir, no meu tempo, vieram: A Erva do Diabo, de Carlos Castaneda (1968), cujo título original era Teachings of Don Juan – A yaki way of knowlewge e O Despertar dos Mágicos, ou Le Matin des Magiciens, de Louis Pawels e Jacques Bergier (1969). Empolgados, mergulhamos no Mistério das Catedrais, de Fulcanelli, pseudônimo adotado pelo politécnico francês Paul Dacoeur (1839-1923), segundo o seu discípulo, Eugene Canseliet, em entrevista ao Le Figaro, em junho de 1965. E assim, viramos todos alquimistas, incluindo o Jorge Benjor e aquele amigo do Raul (Seixas).

Para os esotéricos do momento, aliás, as emanações de energia do mundo superior – das quais os faraós, Jesus, Buda, Maomé e outros profetas – foram apenas transmissores ou guias, esse caminho tem mais atrativos do que a Disney, a ciência de Stephen Hawkins e do Thomas Piketty, que a tecnologia de Jobs ou a arte de Tomie Otake, que acaba de ultrapassar a nossa fronteira.

Você pode se divertir lendo a entrevista de Ramsés II sobre a batalha de Qadesh (“Eu acreditava numa vitória fácil sobre os hititas”) e o segredo para viver 90 anos, numa época em que a maioria morria aos 35 anos, mas não tem porque dar risada dos passos que, segundo os mestres esotérios, nos faltam para ascender a uma escala mínima da evolução: acabar com as guerras e com a exploração indiscriminada dos recursos naturais e das pessoas; eliminar as drogas pesadas, a intoxicação e a fome; amarmos uns aos outros; aceitar, individualmente, a responsabilidade coletiva pelo planeta; acabar com a corrupção desenfreada, com a opressão religiosa e com empobrecimento das massas em benefício de alguns controladores da riqueza.


Nada mal, para começar, certo?