quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Violência e Democracia


Se você visita este blog de vez em quando, tem razão de reclamar da escassez de posts neste mês de outubro. Mas em vez de comentar táticas de guerra como o corte da água dos palestinos ou a morte de inocentes no Paquistão, prefiro me indignar e chamar atenção para a importância política da morte violenta de Evandro João da Silva, do Afroreggae, ONG que tem feito diferença em Vigário Geral, RJ, desde 1993. Os matadores chegaram a comprar dois PM com um par de tênis e um blusão, num escambo de embrulhar o estômago de quem viu as imagens captadas por uma câmera de vigilância.
Essa é a nossa guerra: - Quem tem a coragem de encarar a realidade para tentar mudá-la, leva esse tipo de troco. Vamos continuar gramisciando.
E para amenizar a batalha, recomendo a leitura da Folha de S.Paulo de hoje, embora a de ontem tenha apanhado tanto da Record e seus bispos, na última sexta-feira, 23. Como o Edir Macedo não foi nenhum guerrilheiro, na ditadura, recomendo a leitura de artigo do mestre Gaspari, na Folha de hoje (28), sobre Dilma, que o foi. É a democracia, moçada. Também da edição de hoje, a charge de Jean, lenitivo para a violência. É por isso que ainda vale a pena ler jornal.

Élio Gaspari
De Frances.Perkins@org para D.Rousseff@gov
Não vacile, ministra, comecei minha militância com os larápios e eles nunca me decepcionaram
PREZADA MINISTRA Dilma Rousseff,
Quase certamente a senhora nunca ouviu falar de mim. Chamei-me Frances Perkins e fui a primeira mulher a ocupar um ministério no governo americano. Fui secretária do Trabalho de 1933 a 1945, entrei com Franklin Roosevelt e saí quando ele morreu.
Escrevo-lhe porque meu chefe pediu. Ele tem muito interesse pelo trabalho do seu presidente e soube que vocês trabalham numa Consolidação das Leis Sociais. Também acredito que posso lhe dar algumas sugestões.
Vá fundo ministra. Faça logo tudo o que se quer fazer. Quando eu cheguei à Casa Branca, as vendedoras do Bloomingdale's cumpriam jornadas de 14 a 16 horas. Os Estados Unidos não tinham salário mínimo, Previdência pública, seguro-desemprego nem plano de saúde universal. Quando saí, a jornada era de oito horas, os trabalhadores tinham aposentadoria e proteção no desemprego. Deixamos o plano de saúde para depois e deu no que deu.
Essas coisas não saíram a preço de custo. A Corte Suprema se tornara um estábulo do patronato. A Previdência era coisa de socialista e o vice-presidente quis mandar o Exército acabar com uma greve a bala. Diziam que não era Frances Perkins, mas Mathilda Watsky, nem seria americana e protestante, mas judia e russa.
Dona Dilma, minha militância social começou na tarde de 25 de março de 1911. Eu estava tomando chá no palacete de uma amiga e ouvimos a sirene dos bombeiros. Fomos ver incêndio e presenciamos a tragédia da Fábrica Triângulo. Morreram 146 operárias, quase todas italianas ou judias. As moças se atiravam do nono andar. Eu vi.
Passei a vida negociando com empresários e líderes sindicais. Sempre tive um fraco por gente rica. Minhas amigas progressistas eram chamadas de "Brigada do Vison". Nesse sentido, acho que a senhora circula pouco na área atapetada. Erro. Eu consegui que o empresariado aceitasse a sindicalização dos trabalhadores e quem me ajudou foi o presidente da US Steel. Depois ele foi nomeado embaixador no Vaticano. Quero lhe confessar que nunca gostei de sindicalistas, mas negociei umas 200 greves, algumas das quais com mortos, e uma delas com dinamite.
Sei que acusam a senhora de mal-humorada. É coisa de homem. Pegue mais pesado. Quando fui assumir a secretaria, o meu antecessor disse que eu deveria esperar, pois ele tinha um compromisso para o almoço. Respondi que estava muito bem, pois assim teríamos tempo para tirar as coisas dele da sala. Tenho horror a jornalistas e acho que vivi melhor assim. Eu adorava mentir para eles. (Aliás, meu nome não era Frances, mas Fannie.)
Faça a Consolidação das Leis Sociais ampliando os programas que já existem e crie outros. O Getúlio Vargas, que é amigo do meu chefe e detesta o seu, diz que o Bolsa Família é demagogia, mas gosta do ProUni. Eu gosto de todos.
Sei que a senhora é candidata a presidente da República e que está sendo acusada de buscar alianças com larápios. Faz muito bem. Quando o corrupto vem para o nosso lado, podemos confiar na sua lealdade. Eles nunca me decepcionaram.
Finalmente, um conselho: procure economizar. Eu conheço o seu patrimônio. É menor que o meu quando fui para o governo. Pois até vir para cá, em 1965, aos 85 anos, eu morava de favor na Universidade de Cornell. Muito cordialmente, Frances Perkins.