segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Feiras


Na correria que dois jobs inadiáveis e irrecusáveis me impuseram, não tenho conseguido alimentar o blog com os nutrientes aqui servidos de praxe. Pensei em republicar o texto abaixo desafiando os amigos que me seguem a descobrir quem seria o autor: Rabelais ou dona Maria Stella Libânio Christo, a mãe do Frei Beto? - O primeiro que adivinhasse ganharia uma coleção de inéditos do Julio Cortazar, fresquinhos, segundo a banca mais próxima, que não me cabe indicar. Depois, lembrei-me que nesta janela, não cabem segredos.

Deixo o presente, portanto, para o amigo secreto, inevitável como a morte, e brindo os frequentadores de feiras, como eu, com esta receita do Eduardo Galeano (As veias abertas da América Latina), da qual morri de inveja até morder a primeira jabuticaba, no último domingo (21/11). O texto cabe num livrinho de bolso, Mulheres, desses que as livrarias de aeroportos deveriam vender, em vez de best sellers de baciada. Pela qualidade, não pelo fato de as mulheres estarem tão em voga e nós, homens, neste fim de feira que inspira o desânimo.
A Feira
A ameixa gorda, de puro caldo que te inunda de doçura, deve ser comida, como você me ensinou, com olhos fechados. A vermelhona, de polpa apertada e vermelha, deve ser comida sendo olhada.
Você gosta de acariciar pêssegos e despi-los a faca, e prefere que as maçãs venham opacas para que cada um possa fazê-las brilhar com as mãos.

O limão inspira em você respeito, e as laranjas, riso. Não há nada mais simpático que as montanhas de rabanete e nada mais ridículo que o abacaxi, com sua couraça de guerreiro medieval.

Os tomates e os pimentões parecem nascidos para se exibirem de pança para o sol nas cestas, sensuais de brilhos e preguiças, mas na realidade os tomates começam a viver a sua vida quando se misturam com orégano, ao sal e ao azeite, e os pimentões não encontram seu destino até que o calor do forno os deixa em carne viva e nossas bocas os mordem com desejo.

As especiarias formam, na feira, um mundo à parte. São minúsculas e poderosas. Não há carne que não se excite e jorre caldos, carne de vaca ou de peixe, de porco ou de cordeiro, quando penetrada pelas especiarias. Nós temos sempre presente que se não fosse pelos temperos não teríamos nascido na América, e nos teria faltado magia na mesa e nos sonhos. Ao fim e ao cabo, foram os temperos que empurraram Cristóvão Colombo e Simbad, o Marujo.

As folhinhas de louro têm uma linda maneira de se quebrarem em sua mão antes de cair suavemente sobre a carne assada ou os ravioles. Você gosta muito do romeiro e da verbena, da noz-moscada, da alfavaca e da canela, mas nunca saberá se é por causa dos sabores ou dos nomes. A salsinha, tempero dos pobres, leva uma vantagem sobre todos os outros: é o único que chega aos pratos verde e vivo e úmido de gotinhas frescas.