No meu velho Houaiss, brinquedo se define como objeto com
que as crianças brincam, mas, também, como jogo ou passatempo, coisa que não
deve ser levada a sério. Será que a mamãe do MC Brinquedo, de 13 anos, encara
dessa forma as letras do filho, funkeiro, que virou um fenômeno na Internet?
Numa rápida entrevista à TV, ela disse que, dentro de casa, ele não passa do
Vinícius, que lhe deve obediência e respeito. Qualquer semelhança com o autor
de Boquinha de Aparelho deve ser coincidência.
E como será que os pais da funkeira MC Melody estão
encarando a ameaça de interdição da menina, de oito anos, pelo Ministério
Público de SP, por causa do forte conteúdo erótico e de apelo sexual de suas
músicas e coreografias? Será que eles cresceram dançando a Na boquinha da Garrafa, da Carla Perez, essa
heroína da cultura nacional, parceira do divertido Cumpadre Wahington?
Segundo o G1 de 24/4, MC Melody está sendo investigada pela
Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância
e da Juventude de SP-Capital. Uma das representações do inquérito informa que
suas músicas são obscenas, com alto teor sexual, acompanhadas por poses
extremamente sensuais. “A menina trabalha como vocalista, dirigida por seu
genitor”, diz o documento. Além dela, videoclipes de outros funkeiros mirins,
como as MC Princesa e Plebéia e os MC 2K, Bin Laden, Brinquedo e Pikachu, estão
sendo investigados pelo MP.
A sociedade discute a redução da maioridade penal enquanto
crianças não-delinquentes se divertem, dançando funk, indo ao shopping –
programa predileto de pais e mães – e brincando com seus tablets. De vez em
quando, comem um salgadinho carregado de sódio, um biscoito recheado de gordura trans e um “suco” de caixinha,
temperado com os melhores conservantes e aromatizantes que a química pode
produzir. Andam de elevador. Alguns vivem dentro de carros blindados, outros, saracoteando no esgoto e no lixo. Uns poucos, cada vez menos, tiram a sorte
grande de serem educados pela avó. Os demais, cheiram cola na Praça da Sé.
Há os que estudam nas escolas bilíngues, onde tem quadra,
livros, educadores e brinquedoteca. Mas
entretenimento de verdade, como andar na chuva, subir nas árvores, caçar macaco e tomar banho de rio, só no
Xingu. Isso, por enquanto. Pela Internet, essa criançada pode saber como se
divertiam seus pais: Genius, Cubo Mágico, Pega-peixe, Senhor Batata, Varetas,
Cai-não-cai. O Atari, avô do Playstation IV, também está lá. Mas o Sacy e o
Curupira, só nos clipes do Sítio, aquele concorrente do Castelo Rá-tim-bum!, que
passava na Globo.
O carrinho de rolimã não resistiu ao skate, mas as bikes
atravessaram gerações. As bonecas-bebês viraram
Barbies e Kens. Tem até um Ken humano, Justin Jedlica, que fez 90 procedimentos estéticos para ficar parecido com o boneco famoso. O Playcenter foi expulso da cidade por mau
comportamento, mas a Six Flags Magic Mountain está logo alí: afinal, agora,
todo mundo pode viajar. Brinquedos, portanto, não faltam. Se o Vinicius prefere
brincar de outra coisa, problema dele.
Não sou retrógrado: entendo que não dá mais para jogar bola
no campinho da esquina, sem que um olheiro como Betinho Santos, que descobriu o
Robinho e o Neymar, fique rondando por perto. Verdade que, para cada jogador
que ganha 20 salários-mínimos, 450 outros vivem com apenas um. Aprendi no Bom Dia,
Brasil. O de hoje, aliás (28/4) mostrou a Arena Pantanal, aquela da Copa,
cercada de lixo (R$ 600 milhões).
Também entendo que não dá mais para brincar de salva na rua,
fazer trilha na Floresta da Tijuca e pular o muro para roubar jabuticaba.
Balão, virou coisa de bandido. Bola de gude, enfeite em vaso de arquiteto. A
gente fazia estilingue, pipa e cerol. E pintava camiseta. Sobrava tempo. Ia
espiar as meninas na zona. Nadar clandestino, na Hípica. Fabricar cartuchos
para caçar nhambu: pólvora, chumbo e jornal. Azucrinar a vida dos outros, com
todo tipo de armadilha.
Claro que o tempo se acelerou: o cara tem seu automóvel e já
não vivemos como os nossos pais, embora o Ivan Lins não consiga ver isso. Menos tempo não é mais, nem trouxe novas alternativas: rolezinho,
videogame e baile funk. Mas, concurso de chef júnior na TV, fitness infantil e
concurso de miss-Ensino Básico são um pouco demais, não sei se você concorda.
A adultização da
infância virou tema de blogueiro e deu até tese de mestrado, da professora
Cristhiane Ferreguett, da Universidade da Bahia. Segundo ela, a linguagem
publicitária, camuflada, passou a inserir-se em diversos gêneros de discurso,
especialmente nas reportagens das revistas infantis, com claros efeitos na adultização das meninas. “A inserção
precoce da criança no mundo do adulto encurta a infância”, ela diz, “até no
plano fisiológico. As meninas estão entrando mais cedo no período da puberdade.
Na contramão da queda da fertilidade entre as mulheres adultas, aumenta o índice de gravidez na adolescência”, adverte. O comércio, adora: roupa de grife, sandália de salto e baton,
dos oito aos oitenta.
Além de cantar no Raul Gil, garotos e garotas estão virando chefs
mirins, jogadores sub-qualquer coisa, modelos esqueléticas, atores de filmes
publicitários, funkeiros e chefes de quadrilha (estes, desde o meu tempo). A
maioria tem celular, frequenta baladas e usa cartão de débito. Começam a beber
mais cedo e sabem muito bem quanto vale um AirMax novinho, como o exibido pelo
MC Brinquedo em entrevista à repórter Isabela Talamini, do portal Noisey:
“Fui entrevistar Vinícius na KL Produtora, na Zona Sul de
São Paulo. A KL, assim como outras produtoras, é uma espécie de coletivo ou
selo que descobre novos MCs nas ruas, e leva eles para o estúdio. Ela também é
responsável por fazer os vídeos, aqueles ostentando joias, carros zero,
acessórios da Oakley e mulheres gostosas. Disso tudo Vinícius entende, mas, aos
13 anos de idade, seu tema preferido é mesmo sexo”. Vinícius de
Moraes, o poeta, também era louco por mulher e ninguém reclamava.
Ao mesmo tempo, tenho um sobrinho, também de 13 anos (fala,
Pedrão!), estudando Confissões, de Rousseau e comparando os pontos de vista do
cara com os de seu contemporâneo, Voltaire, com quem tinha uma treta. Caso
o Pedro venha a se informar, por alto, sobre Marx, de um lado, e Adam Smith, de
outro, e der uma olhada em Thoreau, do meu amigo Enéas Macedo Filho, vai saber
mais de cultura ocidental do que eu.