terça-feira, 17 de novembro de 2009

Consequências do blecaute



Entenda a relação dos Medici com o blecaute da última terça-feira

O apagão do dia 10/11 teve pelo menos uma boa consequência: interrompeu minha fala na banca que examinava uma Tese de Conclusão de Curso de Jornalismo da PUC-SP (parabéns, Victor Esteves, aprovado com louvor), uma universidade que não tem gerador, mas que ensina os jovens profissionais que, num país miserável como o nosso, o jornalismo só tem sentido se for usado como ferramenta de transformação social. Você pode discordar.

Já no editorial do Estadão de ontem (16), o Antonio Carlos Pereira não puxou, quase arrancou as orelhas da oposição por não ter conseguido transformar o blecaute acima referido numa crise institucional que se preze, digna de um Lacerda x Getúlio. O editorial de hoje (17), por sua vez, “O Derretimento de Copenhage”, morreu às sete horas da manhã, quando Obama, ao lado de Hu Jintao, apareceu nos telejornais anunciando que não vai mais defender o adiamento das metas de redução das emissões em seu país, responsáveis, em boa parte, pelo aquecimento global.

A TTC na PUC-SP, para o cuja banca tive a honra de ser convidado, trata do futuro dos jornais impressos. Segundo o livro-reportagem de Victor Esteves, os grandes jornais – hoje usados pelas empresas como as lojas âncoras dos shoppings inaugurados há vinte anos – terminarão como delicatessen. A palavra escrita passará por outras superfícies e a sua produção, por outros meios, mas permanecerá, ele sustenta. O problema – penso eu – está nas perdas acarretadas por essas mudanças, que vão da apuração à qualidade do texto, da edição à hierarquização das notícias, da crítica à análise, do equilíbrio à credibilidade.

Um jornal de Santa Maria-RS publicou, no último dia 9, que a romaria medianeira de NS das Graças (uma espécie de círio de Nazaré gaúcho) foi prejudicada pela falta de energia para os barraqueiros que trabalham o ano inteiro para vender seus produtos na festa (7 e 8/11). A notícia dizia que pelo menos dois desses comerciantes tinham registrado a ocorrência na polícia, para processar a prefeitura e a concessionária de energia local. Um amigo interessado descobriu que apenas os disjuntores dos dois litigantes não funcionaram. As marcas da empresa e da prefeitura ficaram arranhadas, mas o jornal não se retratou.

O que eu dizia, antes de ser interrompido pelo blecaute na PUC, vinha em defesa do autor da Tese, talvez excessivamente apoiada numa pesquisa sobre a imprensa norte-americana: na imprensa em que eu nasci, na segunda metade do século passado, a influência da norte-americana – por sua vez fundada numa sólida base democrática – era muito maior do que a da imprensa européia, que, quando eu cheguei a Portugal, em 1971, a convite do Médici (Emílio, não o Lorenzo), ainda publicava polêmicas de página inteira, como no tempo de Pessoa e Sá Carneiro, enquanto nós, na rua Irineu Marinho, 30, suávamos bicas para compor um lead que o Agnaldo Silva ia acabar dilapidando (com o mesmo talento das novelas, diga-se).

O Gay Telese não tinha escrito O Reino e o Poder, o Michael Bloomberg vendia fundos de investimento, o Faulkner e o Hemminguay nem tinham passado a bola para Mailler, Wolf e Capote, e acima de tudo, o Murdock não chamava o Larry Page e o Sergy Brin, do Google, de piratas do conteúdo. O problema não está na escola (latu sensu), professora, nem na tecnologia, mas na filosofia (como dizia Noel). Na minha visão, o que pode esvaziar o bom jornalismo é a editorialização da notícia, o parti pris, a perda de credibilidade, que pode vazar de um lado ou do outro. Seja um ponto-de-vista conservador como o do Estado ou progressista como o da faculdade onde fui cobrir a pancadaria daquele coronel, em 1978. O importante é que a perspectiva seja honesta, clara, correta (coisa do meu tempo).

Felizmente, o jornalismo contemporâneo tem seus momentos, como a matéria da Globo mostrando o taxista que acudiu um amante cujo carro ficou preso pelo portão automático da casa da outra e o rapaz que consertava uma tomada e entrou em crise ao pensar que tinha causado uma pane geral no quarteirão. Quanto ao TCC, acabamos todos no bar da esquina, comemorando a esperança da informação que transforma, ainda que à luz de velas.