terça-feira, 30 de outubro de 2012

Amor, vou até o salão

Ouvi essa despedida muitas vezes, em Bauru-SP, onde passei parte da minha infância e juventude. No interior, qualquer sala com mais de cinco metros quadrados tende a virar salão de beleza, inclusive na casa da pessoa que for capaz de duvidar disso. Não é incomum o cliente ajudar na mise en place ou a varrer o chão enquanto aguarda a vez, como aconteceu comigo, durante um surto de boa vizinhança que me levou a acompanhar uma sogra a um desses estabelecimentos: eu tinha pressa.

Faz tempo que isso aconteceu, mas como, a esta altura da vida, toda a minha memória se resume ao disco rígido deste computador, achei que era disso que se tratava, quando a mulher de um amigo o saudou dessa forma, no último fim de semana, enquanto nos debruçávamos sobre nossas cervejinhas, a falar de futebol e política, já que o nosso principal assunto (filosofia), nos dias de hoje, exige cautela. O pessoal do Edir Macedo não armou um boicote contra a novela da Globo, só porque um ator é cavalo de Ogum?

Bem, se a mulher da pessoa está dizendo que vai ao salão, por que duvidar? - Melhor que receber um massagista no jardim de inverno, ou avisar que vai ao shopping com a mãe, o que, por sua vez, é bem melhor ouvir: “Vou visitar uma amiga”. Este último comunicado costuma disparar um alerta vermelho em qualquer marido. Geralmente, vem precedido por avisos de indisposição e dor de cabeça na véspera.

Mulheres fazem reuniões de Recrutamento e Seleção em mesinhas do Starbucks, onde me encontro agora. A mulher chegou à Presidência da República (óbvio). E às funções adjacentes da Presidência da República (não tão óbvio). Primeiro e segundo escalões. Chegou ao topo das grandes corporações, às Olimpíadas e à Magistratura (as ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia aí estão, em companhia de Joaquim Barbosa); à Ciência (Mayana Zatz), às Artes e à Literatura (Clarisse, Lígia, Nélida, Cecília, Rachel). As mulheres têm até um programa de debates na TV a Cabo, o Saia Justa, para fazer contraponto com o antigo Mulheres, da TV Gazeta, que só falava de perfumaria, como o Jornal Nacional.

Para melhorar os índices de audiência da novela das sete, a Globo deu-se ao luxo de reunir, numa única cena: Maitê Proença, Letícia Sabatella, Giulia Gam, Cláudia Ohana e Regiane Alves, que não aparece em negrito no Google, mas já deu muito trabalho a pais e maridos.

Mulheres, com toda a justiça, não são mais figuras acessórias, como deixou claro, num anúncio de TV, a poderosa secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton. Hillary, aliás, poderia ter imposto um tom mais incisivo à administração democrata, se naquela casa não houvesse uma outra figura excepcional, Michelle Obama, que inverteu a frase de David (o sujeito que matou Golias, mas apanhava da parceira): “Por trás de uma grande mulher, há sempre um grande homem”.

Segundo Paul McCartney, de quem o novo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, é fã (será que o Serra gosta dos Stones?), a humanidade jamais teria conhecido a canção “Imagine”, se Lennon não tivesse abandonado os Beatles para se casar com Yoko Ono. E olhe que Mrs. Ono não pode ser considerada, assim, um colírio para os olhos. Já o goleiro italiano Buffon, que agarrou tudo, na última Copa, tem tudo para justificar uma obediência irrestrita dentro de casa. Por causa deste comentário, serei crucificado como sexista, dentro de algumas horas. Não ouso criticar as escorregadelas filosóficas da professora Marilena Chauy, para não ser chamado de tucano, o que já seria demais. Mas que as mulheres tomaram conta do mundo, não tenho dúvidas.

Nem reclamo. Nós, seres masculinos, transportamos, hoje, um peso bem menor do que a escoliose moral carregada ao longo de séculos. Em lugar de cafajestes incorrigíveis, viramos “seres racionais”, bons de orçamento doméstico, consumidores contidos; somos mais decididos no restaurante e "mais cooperativos" nas tarefas domésticas; aprendemos a dividir a conta de luz e a discutir a relação, o que nos deixou “mais sensíveis”, e alguns de nós aprenderam a tocar instrumentos, a cozinhar e trocar fraldas, não exatamente nesta ordem.

Mas não perdemos nossas antigas habilidades de abrir coisas (portas, latas, garrafas), de construir balanços de corda e edifícios, além de trocar pneus. Por tudo isso, já somos considerados toleráveis e até admitidos em rodas feministas, como o sacana do Xico Sá, que sempre tem uma tirada maldosa para alfinetar o próprio gênero (ele precisa mais do que a maioria de nós, vamos entender assim).

O tiro de misericórdia no meu orgulho masculino foi desferido pela jornalista amiga, Lúcia Guimarães, que só por ter abandonado o Manhattan Conection já mereceria o nosso respeito. Em sua coluna no Estadão da última segunda-feira (8/10), “Mística Masculina”, ela decreta, de cara: “O homem está ameaçado de extinção”. E diz, reproduzindo o zeigest norte-americano atual: “Somos mais educadas, competentes, adaptáveis e podemos ser engravidadas num laboratório”.

Um sentimento de independência ambígua, como ela admite, interpretando “The end of the man”, de Hanna Rosin, a crônica da obsolescência masculina. Lucia bate duro, ao endossar a premissa de que o homem norte-americano perdeu a sua importância social. No fim do artigo,  tenta apaziguar os ânimos, dando a entender que a guerra social, nos EUA, não é de gênero, e sim de classes. Não me iludo: foi apenas um desvio da formação gauche.

O fato é que, depois de passar duas horas tentando chegar ao quarto maior evento mundial da indústria automotiva, na última sexta-feira (26/10), driblando o trânsito na ponte da Casa Verde, os marronzinhos da CET, um batalhão de cambistas que ignoram a sua credencial de jornalista e insistem para que você lhes venda o ingresso usado pela metade do preço, para que eles possam revendê-lo “ganhando alguma coisa”, além de vários quilômetros de pais de quarenta anos com seus filhos de dez e jovens desocupados com suas latas de cerveja e anedotas estúpidas, cheguei, enfim, ao interior parque de exposições do Anhembi.

As máquinas que os italianos, com a sua habilidade ancestral, sempre associaram ao sexo feminino, estavam lá: as Mercedes, as Porshe, as Chrisler, as BM, as Renault, as Audi, modelos japoneses, coreanos; fuscas, suvs, carros-conceito, carros elétricos, Fórmula 1. Porém, as outras máquinas, que, ao longo das últimas décadas, atrairam hordas masculinas interessadas em conferir formas perfeitas, design de última geração e desempenho impecável, não estavam mais lá.

Em vez disso, havia: workshop para mulheres, estúdio de maquiagem, lounge feminino, manicures e cabelereiros como atrações dos estandes das grandes marcas. Meninos, eu vi. Não ousem me perguntar as razões, os motivos, mas, certamente, não faltariam argumentos para justificar o fenômeno: ascensão social, poder e decisão de compra, segmentação do setor, redistribuição de tarefas, mudança no modelo tradicional de família, conspiração das elites (este, certamente, um exagero petista).

O vício de jornalista não me foi suficiente para motivar uma volta ao Anhembi, a fim de catalogar e classificar todos esses atrativos às novas consumidoras, com suas promoções e serviços. Mesmo considerando que o fenômeno passou desapercebido pela grande mídia. Num lugar que, até ontem, era um dos poucos redutos masculinos que restavam intocados no mundo.

No fim, talvez as mulheres tenham razão: foi preciso a mulher daquele meu amigo voltar o passeio, no último sábado, carregada de chaveirinhos e comentários sobre as últimas versões xis-ípisilon-zê do modelo XPTO do fabricante Delta, para que eu entendesse: ela tinha ido ao Salão do Automóvel que, afinal, virou coisa de mulher.

(Foto) Cockpit de um B-52: adivinhe quem está no comando: homem ou mulher?