quarta-feira, 13 de julho de 2011

O inferno não faz mal








Duas modalidades da minha própria ignorância sempre me incomodaram: a astrológica e a noveleira. Sobre esta última, aprendi com Patrícia Belfort, nossa Danusa Leão da Granja Viana (SP), que é deselegante não saber absolutamente nada desse ramo do conhecimento. Não se pode ignorar, por exemplo, que a primeira versão de O Astro, de Janete Clair, foi estrelada pelo bonitão Francisco Cuoco e pela maravilhosa Dina Sfat (foto), que vale uma busca na rede (aos nascidos depois de 1980).

A falta de intimidade com a Astronomia também me incomodava, mas, de tanto levar as crianças aos planetários, acabei aprendendo a localizar algumas constelações, o que, na praia, revelou-se uma ótima cantada. Mas o meu maior problema era a Astrologia. Virou lugar comum, mas desde a minha primeira infância (profissional) fui levado a duvidar da influência das estrelas na vida do andar de baixo: Zarcilio Barbosa, ex-Última Hora, redator-chefe do Diário de Bauru, nos anos 60, um belo dia, ordenou-me que escrevesse um horóscopo de domingo.

Foi um castigo. Eu tinha 15 anos e vivia infernizando a vida dos outros, depois de terminar minhas tarefas do dia. Principalmente o Souza Freitas e o Nicoliélo, que já eram seniors naquela época. Aquilo me trouxe um prazer inenarrável, como diria Nelson Rodrigues. Comparável, talvez, ao primeiro êxtase sexual: se escrever para uma cidade inteira, naquela idade, era bom, imaginem ludibriar a crendice alheia, consentidamente. Em seguida, fui beber umas caipirinhas no Frutiflores, lanchonete drive-in que freqüentávamos à época, inspirada nos filmes de Elvis Presley da sessão das seis.

Parêntesis: na missa das onze, mirávamos o(s) alvo(s) e íamos fumar lá fora. Na sessão das seis, soavam as trombetas e disparávamos nossas flexas, envenenadas pelos hormônios da idade.

Aquele desvio educacional me fez perder, logo de cara, um pouco da fé na profissão. Outra parte se foi quando eu e o Carlos Marchi nos encontramos na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio: ele, com uma pauta de pau nas mazelas do bairro, eu, com outra, falando de natureza, boa vizinhança e diversão. A minha foi editada e, dias depois, o jornal começou a veicular uma grande campanha da incorporadora Sérgio Dourado, no local.

Fui um bom repórter, mas inventava um pouco, quando tinha que substituir um par de entrevistas idiotas por uma boa sessão de cinema. Lembro-me quando a família de um tio distante comemorou a entrevista dele sobre os fantasmas do Joelma, matéria que fui obrigado a fazer, anos depois do incêndio de 1974. Na Economia, recém-chegado de uma temporada na Europa, aprendi com meu chefe da época, Moura Reis, que as informações auspiciosas do então ministro das Minas e Energia sobre as nossas reservas de petróleo exigiam uma vírgula e uma explicação: “diz Ueki”. (Shigeaki Ueki foi ministro, e genro, do general Ernesto Geisel, de 1974 a 1979).

Nunca me ocorreu, no entanto, grampear os telefones do ministro, como a turma do News of the World, na austera Grã Bretanha.

Quanto aos astros, tema que deve estar de volta às rodas sociais, ao lado do atraso nas obras da Copa, da expansão do mercado nordestino, do carro chinês, do fitness, da experiência de quase-morte e do Afeganistão, tentei assistir ao Globo Repórter da última sexta-feira, teaser da nova novela das onze. Não funcionou, apesar da participação de Edney Silvestre, que parecia tão deslocado na matéria quanto eu, na cobertura dos fantasmas do Joelma, há 30 anos.

Mas o meu maior interesse neste campo era entender como funciona essa coisa de inferno astral, o que, no momento, atravesso. Diz a enciclopédia astrológica que, pela técnica da revolução solar, cada mês do ano, a partir da data do aniversário, corresponde a uma casa astrológica ou setor da vida de uma pessoa. No primeiro mês a partir do aniversário, vive-se de forma enfática a casa 1: a pessoa fica mais centrada em si mesma. O último mês do ano corresponde à casa 12, trecho do mapa que analisa (sic) os sacrifícios e doações que uma pessoa deve fazer aos outros, sem esperar recompensas.

Segundo o astrólogo Eduardo Maia, "é um período de ser instrumento para o bem dos outros e não estar tão preocupado com causas próprias". Boa definição, mas como eu me preocupo sempre, comigo e com os outros (nesta ordem), a explicação não me serve.

No portal Astrológica, encontrei esta outra descrição:

É um período de transformações e de conscientização dos próprios limites, que pode ser confundido com um agravamento de condições difíceis. Um dos vários exemplos é o trânsito de Saturno pelo Sol de nascimento. Por outro lado, ciclos considerados favoráveis podem estar ocorrendo e contrariando o que se diz sobre o inferno astral. Durante o mês anterior ao aniversário, Júpiter em trânsito pode estar em conjunção com Vênus do mapa natal, o que corresponde, em tese, a uma fase afortunada nos afetos e nas finanças.

Era o que estava buscando. Porque, no meu inferno astral, a minha pressão sanguínea chegou a 20 x 10, mas só descobri isso porque fui fazer um check up; terminei um quadro, depois de passar anos longe dos pincéis; a parceira passou por uma cirurgia na mão direita, mas curou-se de uma Rizartrose dolorida; voltei a cozinhar, o que me diverte sempre; o meu próprio braço direito tirou férias, mas gerenciei sem problemas a mudança (física) da empresa. Trabalhei como um mouro, mas fui bem remunerado.

Portanto, como indicam os fatos da (minha) vida nesse período, o inferno astral tem seu lado negativo, mas também tem seu lado positivo. Exatamente como explicou o astrólogo. Isso me permitiu saciar esta minha sede de saber. Tudo muito razoável, até que, por uma informação equivocada, no último sábado, depois de fazer compras no Ceagesp, fui parar num outro mundo paralelo, chamado Cobasi, que, mais tarde, vim a saber tratar-se de um pet-shop/atacadão.

Um galpão com mais de 20 metros de altura abriga sacos de 60 e 100 quilos de ração para poodles, schnauzers e malteses que, nos braços de seus donos, parecem não pesar mais de 100 gramas. Homens conversavam numa espécie de praça central, enquanto as mulheres se perdem em corredores escuros, formadas por gaiolas e aquários exóticos, cercados por pilhas de estofados caninos. Passei por uma seção com mais de cinqüenta tipos de ossos sintéticos, enquanto uma senhora portando um enorme arranjo de ferro e flores de plástico me fisgou pelo casaco e me arrastou por alguns metros, sem perceber. Só consegui sair do lugar escoltado por um vendedor que parecia conhecer aqueles labirintos e portas.

Para um petless como eu, a experiência pode ser atribuída ao lado negro do inferno astral. Mas aprendi que a minha ignorância não é assim tão estreita: ao narrar a minha aventura a alguns amigos, descobri que a cachorrinha de um deles só faz as suas necessidades, quando chove, na garagem da Cobasi.