terça-feira, 28 de setembro de 2010

Correio do Povo


Ignatz & Krazy Kat, do impagável George Herriman

Ouvindo comentários de um servente de pedreiro, o seu ajudante e um zelador de condomínio, hoje (27), entendi porque algumas pessoas pretendem votar no Tiririca como uma forma de protesto. Se não votarem no comediante, eles dizem, vai sobrar espaço para os “outros”, vistos por essas pessoas como poderosos a serem punidos, independentemente de partido ou ideologia. Confesso que demorei a perceber essa nuance.

Muito do que acontece na base da sociedade passa despercebido por quem vive no andar de cima. Na última quarta-feira (22), fui assistir ao jogo Coríthians e Santos, na Vila Belmiro. O técnico do Santos, Dorival Jr, tinha sido demitido. Deu Corinthians, três a dois, conforme eu sonhei. Mas percebi que, para os torcedores do Peixe, não existe o garoto Neymar – que se mostrara mimado, revoltado, mal-educado – apenas o craque. Que é tudo o que eles têm, neste momento.

Um dos diretores do Santos me disse, no dia do jogo, ter a certeza de que o Dorival Jr “aproveitou-se da situação para assinar com o São Paulo”. O boato, de fato, circulou no início daquela noite. Segundo esse diretor, isso mostrava o acerto da decisão tomada pelo clube. O cidadão não falou oficialmente (aviso ao Maradei, assessor de Imprensa do Santos). Eu não me identifiquei como blogueiro ou como jornalista. Mas a certeza do dirigente revelou que os seus companheiros realmente acreditavam que a falha de caráter tinha ocorrido no terreno do vizinho. Mais adiante, um outro diretor do clube, mais consciente, admitiu o critério: - O Dorival não é do Santos, como o Neymar. Assunto encerrado. O Santos perdeu, mas acreditem: todas as vezes em que o Neymar pegou na bola, a torcida veio abaixo, feliz. Assim é o povo? – Assim é a paixão.

Na política, tenho parentes dos dois lados desse campo definido pela coluna do Arnaldo Jabor de hoje (27) como direita retrógrada e a esquerda retrógrada. Meus parentes de esquerda – com formação acadêmica e pós-graduação – se definem como “povão”. Orgulham-se de votar no PT no mather what, ou seja, a despeito de todos os escândalos, compadrio, tacanhice (vejam a dupla Lula/Netinho de Paula). Não se trata de sonhar a justiça, como vê o Jabor, nem do velho paradigma de que o operário pode tudo. Trata-se apenas e tão somente de preguiça de pensar. E, claro, falta de coragem para mudar.

Quanto à morte do socialismo, meu caro Jabor, seria bom você explicasse a que socialismo você se refere: àquele do Antonio’s, na era da Bossa Nova? – O de Lênin, depois Stalin, ou o que governa a Espanha e a Noruega, atualmente? – Lembre-se que a Onda Verde, nas últimas semanas, só faz crescer. Voltamos já a este assunto.

Meus parentes de direita, por sua vez, não reconhecem nenhuma conquista do governo atual. Invejam o poder do Presidente Lula e enterraram, em frustrações e preconceitos, qualquer possibilidade de compreender o que se passa na sociedade brasileira. Duas faces da mesma natureza humana, com seus respectivos prodígios. Nisto, tem razão o Jabor, os lados se aproximam. Mas ninguém pensa nos riscos que a pobre nação enfrenta, nessa tempestade de valores vergastados pelo pragmatismo tosco e de princípios submersos numa confusão de interesses invejáveis por qualquer revolução: censura à imprensa, dinheiro na bota, escárnio à Constituição. O meu medo maior, contudo, é o de nos transformarmos numa nação ainda menos responsável (dos pontos de vista fiscal, administrativo, institucional), mais imediatista, ignorante e violenta.

A prova de que nem todo socialismo está morto (o que não seria necessariamente fatal, me cabe dizer) está na súbita ascenção de Marina Silva nas pesquisas eleitorais. Apóia o seu respeito ao futuro, um neocristianismo messiânico que por vezes se assemelha ao populismo lulista, mas Marina, sem dúvida, se materializa num oásis de moralidade que o chamado “povão” consegue enxergar. Talvez falte a essas pessoas a sensibilidade para rejeitar o aparelhamento do Estado, a contaminação da republica pelo sindicalismo viciado que sedimentou o petismo. Talvez lhes falte o temor do assédio à democracia. Mas a consciência quanto ao desenvolvimentismo cego e ao respeito à ética são flagrantes nesse desempenho da candidata verde.

A escalada de Marina Silva mostra, ainda, que muitas das pessoas que compram nas Casas Bahia não estão felizes com a sucessão de escândalos dos últimos anos, meses e dias. Uma diferença em relação à torcida do Santos. Sinal de que nem tudo está perdido, como comemoram os esperançosos, apoiados pelos oportunistas da politiquinha e pelo pessoal que compra no Empório Santa Maria. Vamos ver no que isso dá.

O que chateia mesmo, nesse tal de "povão", é insensibilidade ou o embrutecimento imerso no alto índice de intenção de voto no cantor Netinho de Paula para o Senado. Difícil de ser tragado: infelizmente, a violência doméstica faz parte do dia a dia do brasileiro que não vê, nisso, pelo menos por enquanto, nenhum divisor de águas. Teríamos que remar muito, como nação, para surfar numa onda realmente nova.