sexta-feira, 3 de julho de 2009

O blog da Petrobras e seus desdobramentos



O blog Fatos e Dados, que a Petrobras inaugurou há um mês (03/06), com o objetivo de esclarecer os seus diferentes públicos sobre notícias em princípio infundadas, publicadas a seu respeito nos meios de comunicação, provocou uma forte reação da imprensa, nos dias subseqüentes: as perguntas começaram a ser publicadas antes das reportagens. Mas a iniciativa trouxe à luz um novo debate sobre o papel e as características da imprensa numa sociedade em que convivem produtores de conteúdo de diferentes matizes, veículos focados em públicos específicos e redes sociais.

Embora a democracia não possa prescindir de uma imprensa livre e forte, é fato que as novas tecnologias abalaram a estrutura dos meios convencionais a ponto de comprometer, ocasionalmente, alguns de seus princípios como a objetividade, a crítica e a isenção. Isso vem ocorrendo desde que as técnicas de marketing (pesquisa de mercado etc) começaram a interagir com a linha editorial de alguns veículos. No Brasil, a editorialização dos meios foi agravada por outras questões, como a crise de gestão de algumas empresas de comunicação (vide Gazeta Mercantil), algo que se conhece, mas raramente se discute.

Ao acompanhar o noticiário sobre a CPI da Petrobras desde a publicação de uma reportagem sobre a manobra contábil da companhia (10/05) – que deu origem requerimento do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) pedindo a instalação da CPI (FSP, 14/05) – pudemos observar dois fenômenos:

a) embora o principal meio formador de opinião no Brasil continue sendo a mídia impressa, a produção do noticiário já sofre uma grande influência – para se dizer o mínimo – dos blogs jornalísticos produzidos à margem da pauta dos grandes veículos, ao longo do dia;

b) a pressão sobre a Petrobras começou a aumentar a partir do dia 15/05, momento em que, apoiados pelos senadores da oposição, os veículos que já faziam uma cobertura crítica à Petrobras e ao governo – até por dever de ofício – começaram a investigar e a noticiar, como irregularidades, atos nem sempre ilícitos ou ilegítimos da companhia que, após a sua publicação, geravam uma nova rodada de críticas da oposição (suítes), realimentando a caldeira na qual se cozinhava a reputação da empresa.

Exemplos: as compras “sem licitação” protegidas pelo Decreto-Lei 2745 contra a Lei 8.666 defendida pelo TCU; a “inviabilidade técnica” da mamona na produção do biodiesel (inverídica); o sobrepreço na terraplenagem da refinaria Abreu Lima (investigado pela PF e TCU, com o apoio da Petrobras), e o estouro no orçamento do gasoduto Urucu-Manaus (justificado pelas condições adversas encontradas na região), entre outras.

Desde o início, o senador Álvaro Dias, autor do requerimento da CPI e o jornal que denunciou a manobra contábil da Petrobras, alimentaram interesses recíprocos no processo que deu origem ao blog Fatos e Dados. O senador tentava instalar a CPI da Petrobras desde agosto do ano passado, quando começou a questionar o aparelhamento político da companhia por conta de patrocínios sociais e culturais concedidos pela a ONGs e prefeituras ligadas ao PT. A manobra contábil e as investigações da PF nas operações Castelo de Areia (construtora Camargo Correia) e Águas Profundas (empreiteira Iesa) foram apenas coadjuvantes nessa investida.

Independentemente da CPI e da cena política, na qual figuraram, como pano de fundo, a crise do Senado e os desencontros na base aliada do governo, o blog criado pela Petrobras para manter seus stakeholders informados sobre o outro lado considerado indispensável no processo de apuração jornalística, trouxe de volta a discussão sobre responsabilidade e poder dos meios de comunicação. Afinal, os eventuais desvios de uma cobertura podem causar sérios danos na imagem e reputação de pessoas e instituições, bem como das próprias empresas jornalísticas, que também dependem de ativos intangíveis como a credibilidade.

Mas os meios alternativos de contato com a sociedade por parte de indivíduos, empresas e instituições afetadas pela informação que circula na sociedade não são privilégio da Petrobras. Recentemente (há dois meses) e guardadas as devidas proporções (público acadêmico, imprensa estadual), o jornal Estado de Minas e a Universidade Federal de Minas Gerais trocaram farpas numa situação semelhante, quando a instituição, sentindo-se injustiçada pelas denúncias de irregularidades publicadas sistematicamente pelo veículo – criou um blog para defender-se, no qual o próprio jornalista que vinha denunciando aqueles atos pediu direito de resposta.

O destaque que a própria mídia concedeu ao blog da Petrobras deveu-se, em grande parte, ao porte e à importância política e estratégica da companhia, mas, também, aos seguintes outros fatores:

1) Não é mais possível esconder fatos de grande repercussão política, social ou institucional na sociedade da informação;

2) Na própria blogosfera, empresas e instituições em situação de crise sempre terão, além de críticos, simpatizantes. No caso da Petrobras, os blogs dos simpatizantes Luís Nassif (04/06) e Paulo Henrique Amorim (05/06) começaram a divulgar o Fatos e Dados imediatamente após a sua criação;

3) A Petrobras cometeu um erro que nem o arrojo dessa experiência justifica: começou a publicar as perguntas dos jornalistas que a procuravam (domínio da pauta) antes das respostas (domínio da fonte). A publicação desse conteúdo muito antes da publicação das reportagens desrespeitava o acordo tácito entre fonte e veículo quanto à autoria (exclusividade) da matéria jornalística. Agindo assim, a empresa feriu um princípio ético de sua relação com a imprensa, cuja existência, repito, é fundamental numa democracia.

O erro de avaliação da companhia quanto ao timing da publicação de sua versão dos fatos legitimou a reação da imprensa, no período de 05/06 a 09/06. No dia 10/06, a Petrobras recuou de sua decisão, passando a divulgar o conteúdo das reportagens somente depois da zero hora da data prevista para a sua publicação pelos meios de comunicação.

Não obstante o equívoco assinalado, a Petrobras pode ter transformado para sempre as relações entre os veículos de comunicação e suas fontes, bem como as relações das fontes de informação com seus diferentes públicos, independentemente do papel social da informação e dos meios de comunicação, digamos, convencionais e seus novos recursos. Aí estão o blog do Planalto (a ser lançado em breve) e as inúmeras perguntas que tenho ouvido de empresários sobre a oportunidade ou a viabilidade de iniciativas semelhantes.

O blog Fatos e Dados levou, portanto, especialistas, formadores de opinião e dirigentes de empresas e instituições – que já vinham pensando no assunto – a refletir mais profundamente sobre ele.

Para a Petrobras, resta o benefício de um veículo com o qual a empresa poderá contar – quando e se a CPI for instalada – para manter o seu público de parceiros, funcionários, investidores e consumidores informados sobre a sua conduta, quando o processo de denúncias, investigações e eventuais acusações capazes de atingir a sua reputação se intensificar. Quem procurar esse veículo, no entanto, terá que usar uma lente ainda mais acurada do que a que costumamos usar em nossa leitura diária da grande imprensa para nos mantermos razoavelmente informados sobre o que vai pelo mundo.

2 comentários:

  1. Xará, parabéns pelo blog. E também pela análise do caso do Blog da Petrobras. Como você bem notou, o episódio pode ser um divisor de águas, transformando para sempre as relações entre veículos de imprensa e fontes. Todos nós, que atuamos nesse campo, seja de qual lado for, devemos refletir mais sobre o caso. Um abraço,
    Beto Caetano

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