quinta-feira, 8 de julho de 2010

Zico, multiplique-se!


Quem sou eu para julgar um profissional que ganha R$ 200 mil por mês, que faz tanto sucesso com as mulheres e que tornou-se ídolo de homens, jovens e crianças? – Não farei isso. No entanto, gostaria de recomendar ao goleiro Bruno, em vez de prece, arrependimento ou contrição - sentimentos que possivelmente o assaltarão - a leitura dos versos que se seguem, quando ele tiver esquecido a esperança de ser convocado para a Copa de quatorze, como deixou escapar, na ante-sala da delegacia à qual entregou-se, na última terça-feira (7).

São versos de uma peça cuja leitura completa eu recomendo, fragmentos emprestados a um respeitável senhor medieval e a uma respeitabilíssima senhora do século passado que, talvez, se tivessem chegado a conhecimento do jogador no tempo certo, teriam, quem sabe, evitado a sua própria tragédia. Imagens de anúncios descoloridos pela derrota do nosso time na Copa desfilam pela tevê enquanto escrevo, garotos pobres batendo bola tristemente, por um tênis ou por uma cola, tão frágeis quanto a fera abatida que ilustra a cena principal, igualmente alheios à própria arte.

Você, Bruno, não matou apenas aquela garota, tão desamparada quanto você, inclusive pela ambição que os aproximou: você deixou uma nação perplexa, manchou uma reputação que não ajudou a construir, ao contrário dos homens que tentou humilhar, como o ex-técnico Andrade, e o atual, Zico (a quem peço multiplicar-se, no título acima) – meninos pobres como você, mas que cresceram e iluminaram os seus iguais; que abriram, com passes de mágica, brechas incríveis entre o sórdido e o sublime, entre variadas dimensões da vida. Vida que você, Bruno, tocado pelo ódio, ou pelo desespero, desprezou. Veja que triste, para um artista da bola: nem isso você inventou.

Apaga, estrela, para a luz não ver meus desígnios negros,
Fique o olho cego à mão, porém insisto
Que o que ele teme, feito, seja visto.

Vinde, espíritos das idéias mortais, tirai-me o sexo,
Inundai-me, dos pés até a coroa,
De vil crueldade. Dai-me o sangue grosso
Que impede e corta o acesso do remorso,
Não me visitem culpas naturais
Para abalar meu sórdido propósito;

Espreita e serve o mal. Vem, negra noite!
Apaga-te na bruma dos infernos,
Para não ver minha faca o próprio golpe;
Nem o céu poder varar o escuro para gritar-me: Pára! Pára!

Ficasse feito o feito, então seria
Melhor fazê-lo logo: se o matar
Trancasse as conseqüências e alcançasse
Com seu cessar, sucesso; se este golpe
Pudesse ter um fim de tudo aqui,
E só aqui, nesta margem do tempo,
Riscava-se o futuro.

Que fera, então
Levou-te a sugerir-me tal empresa?
Quando o ousaste é que foste um homem.
E para vir a ser mais do que foste
Devias ser mais homem. Eu já amamentei
E sei quanto é doce o sugar do neném;
Mas poderia, enquanto me sorria,
Roubar-lhe o seio da gengiva mole
E arrebentar-lhe o cérebro, se houvesse
Jurado que o faria.

Quando o rei dormir
Ao que a dura viagem deste dia
Há de chamá-lo – seus dois camareiros
Hei de embalar com tanta e tal bebida
Que a guardiã do cérebro, a memória,
Fará, com seus vapores, da razão,
Mero alambique.

Não hão de julgar todos,
Se cobrirmos com sangue os camareiros,
Dormindo junto às armas que usaremos,
Que foram eles?

Fiz o feito. Não ouviste os barulhos?
(Olhando as mãos) É uma visão triste
Que tolice dizer que é visão triste.

Dá-me os punhais. Os que dormem e os mortos
São só quadros. Só quem é criança
Vê o que temer em diabo pintado.

Quem bateu?
Por que todo ruído me apavora?
Quem mãos são essas que me arrancam os olhos?
Será que o vasto oceano de Netuno
Pode lavar o sangue destas mãos?
(trechos escolhidos de Macbeth, Sheakespeare, 1606, traduzidos por Bárbara Heliodora)

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