sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Apocalipse bonsai


Agonizar não é morrer; a Mangueira fez o meu sonho acontecer; o povo não perde o prazer de cantar; respeite quem pôde chegar onde a gente chegou. A imagem vem de Chico Buarque, mas na boca do povo, vai além das vaidades e dos cansaços, traz uma emoção genuína. O problema é a cobertura do show, difícil de se engolir, este ano. No desfile das ilhas, por exemplo (a daqui e a de lá), o narrador informou que a tatuagem dos celtas de uma determinada alegoria tinha sido criada pelo carnavalesco da escola(!).Em seguida,explicou que os sujeitos verdes que passavam eram druidas. Nenhuma palavra sobre a relação entre o antigo povo guerreiro e seus sacerdotes. Pergunto: - Na cabine da TV, eles não recebem um papelzinho?
Mais adiante, a âncora esportiva que gosta de carnaval teve dificuldades em reconhecer as personagens de O Mágico de Oz: chamou o Leão Covarde de leão (simplesmente) e ficou em dúvida se a bruxa era do Norte ou do Centro-Oeste. Melhor chamá-la de bruxa. Ok, a gente entende que a analogia mais fácil do Carnaval, para os diretores da Globo, leva ao Esporte (pessoas se mexendo), o que requer narradores capazes de “levantar a audiência”. Fiquei com saudade do Caio Blinder, que costuma estudar todas as suas pautas, como um asiático em Harvard. Nada contra Harvard, muito menos contra os asiáticos, embora a China esteja esmagando a nossa indústria.
Para mim, ficou a impressão de que os veteranos, tanto os ex, como os atuais da velha senhora, que eram capazes de segurar 10 horas de cobertura, não agüentam mais essas pedreiras. Azar o nosso. Não é pecado pretender que o desfile do ano que vem seja transmitido pela dupla Maria Beltrão e Flávia Oliveira, que também são da Casa. Mesmo que as duas estejam de ressaca, como se apresentaram, na última terça-feira (21/2), falando e dando conselhos sobre a própria rebordosa.
Uma das poucas coisas que me fazem falta, dos meus tempos de Rio de Janeiro, aliás, são as discussões de rua sobre a disputa entre as escolas, no dia seguinte ao desfile, como a que foi protagonizada pelas duas moças acima citadas, no Estúdio i de 21/2. Principalmente quando a conversa persegue detalhes como o casal de mestre-sala e porta-bandeira realmente casado ou a cadência de cada bateria, a Vila Isabel mais andante,a Mocidade, vivace.Também se comenta o coreógrafo romeno fantasiado de alma de sanfona,o carnaval espetáculo de Paulo Barros e a fantasia de medos infantis da Grande Rio, expressões intraduzíveis para os gringos que se aventuram na Sapucaí.
Os estrangeiros também não entenderiam o assalto de traficantes do morro de São Carlos a componentes da Beija Flor durante o desfile da Vila Isabel, mas eu, mesmo sendo brasileiro, também não consegui absorver o atropelamento de uma criança de 3 anos por outra, de 14, numa praia de Bertioga-SP. E nem as cenas da apuração do carnaval paulista, no Anhembi. São Paulo não pode não ser o cúmulo do samba, como disse o Tuty Vasques, mas precisa cuidar de sua imagem. Há um contraste evidente entre a natureza do show, no compasso da mulata, e o espírito de guerra das torcidas.
Por se falar em guerra, lamento a morte dos jornalistas Marie Kolvin e Remi Ochlik, na Síria, que vem se tornando uma Sarajevo, principalmente pelo que essas mortes representam: vitória da selvageria sobre a tosca, parca vigilância da civilização sobre a barbárie. Você pode torcer pelo Vasco, aceitar a dominação colonialista como um pedaço da História ocidental, acender uma alma pelas velas, pagar o dízimo aos bispos Estavam Fernandes ou Edir Macedo e até votar no PT acreditando estar contribuindo para reduzir a distância entre a classe trabalhadora e a elite dominante.
Mas não pode dormir tranqüilo sobre o sangue da truculência, dominação e intolerância. Se fizer isso, com certeza, vai ser chamado de covarde ou otário, coisas que o Deividi, do Flamengo, abomina, como declarou, após perder aquele gol na quarta-feira (22), responsável pela classificação do Vasco para a Taça Guanabara. No próximo gol que ele fizer, deve colocar a mãozinha em concha no ouvido, como fez o Jadson, depois de converter um pênalti para o São Paulo, contra o Bragantino, na mesma quarta-feira (22), tendo perdido um outro pênalti contra o Corínthians, no último domingo (19).
Imitando Eugenio Bucci, no Estadão de ontem, aproveito este espaço para cumprimentar Alberto Dines, um de meus mentores, por seus 80 anos, e por conservar , em seu espírito, as flores frescas da ética, da dignidade e do respeito, tão raras, atualmente, talvez porque a minha geração não as tenha protegido devidamente, ao lutar contra o fanatismo, o preconceito e as falsas morais, em nome da liberdade. Talvez isso explique tantos bêbados no trânsito, o descuidado com a infância, a corrupção dos costumes e a decadência da justiça, arautos do nosso apocalipse bonsai. (imagem: adobonsai.com)

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