quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Uruguay





Fotos: Calles 21 de Abril com José Ellaui (Punta Carretas), loja de antiguidades na José Ellaui e uma boa parrilla: La Pulperia (boa carne, ótimo custo/benefício)

Montevideo deixou de ser aquela cidade meiga e melancólica que alguns brasileiros, como eu, costumavam invadir pelas sombras das árvores, ignorando os sinais da derrota cisplatínica, que sempre estiveram bem à nossa vista. No entanto, os monumentos do General Artigas de agora trocaram a imponência pela impotência, inclusive diante da insalubridade dos nóias que lá, como cá, tomaram conta de amplos espaços públicos.

Mesmo esmagado pelo sono depois de uma daquelas sessões de aeroporto que começou com ruas inundadas em São Paulo, Capital, e um passaporte esquecido na gaveta, corri ao mercado, assim que cheguei. Em vez das duas grelhas onde turistas da república vizinha costumam saciar-se com a segunda melhor carne do mundo, encontrei um Mercado Municipal de São Paulo em miniatura. Inclusive nos preços, derivados da inflação causada por nós mesmos, nos últimos anos: restaurantes anódinos, garçons cansados demais, comensais igualmente pachorrentos. Do lado de fora, em vez de hippies e revolucionários, artesãos e farejadores de quinquilharias sem nenhuma poesia.

O país de Mujica conheceu a decadência: há lixo nas ruas e o lago do Parque Rondó virou um lodaçal. Na Praça da Independência, havia roupa secando no último andar do Palácio Salvo (abandonado). No térreo do velho edifício art decô, em lugar do ancestral Café Sorocabana, funciona agora uma loja de telefonia celular.

A Peatonal Sarandi tornou-se uma estranha combinação de shopping center com a Rua 15 de março. A 18 de julho, do meu aniversário e da Constituição deles, de 1830, um arremedo da Avenida Corrientes, sem a mesma milonga. Tudo entupido de turistas burgueses, como os Champs Elysees, o Covent Garden e a Quinta Avenida. Os antigos sobrados de granito cinza, com recuo de alguns metros, que lembravam Sussex Gardens, em Londres, estão desmoronando. Há gente dormingo sob as marquises e folhas de compensado, por toda a parte.

As lojas exibem letreiros confusos e desconexos, mesmo em Punta Carretas, o bairro rico. Pelo menos, escaparam do marketing que atropelou a sua antiga cultura. Não conheço a fé do uruguaio comum, mas, no fim da Avenida Brasil, existe um edifício austero encimado por um cartaz da Igreja de Jesus Cristo Científico.  A premissa é curiosa, mas nada comparável ao monstrengo erguido pelo Edir Macedo na Avenida Suburbana, no Rio, hoje conhecida como Dom Helder Câmara. Que Deus os tenha. . 

Para comer um assado com vista para o mar, existe  La Casa Violeta: carne perfeita, mas preço e pretensões de amante argentina. A melhor parrilla que encontrei nessa Montevideo ferida pelo tempo estava numa casa de polvos, La Pulperia (em Punta Carretas). Não tem frutos do mar no cardápio, mas o dono opera a grelha como se tivesse oito braços: talvez venha daí o nome do restaurante. 

A linguagem e seus juguetes: mientras parece generoso, porém manejar é mais abrangente do que dirigir; broma tem uma cara austera, mas não passa de uma piada rasteira. Cola, em vez de fila, não pega, colgar parece desligar, mas pode ser enforcar. No entanto, nada como um café da manhã exquisito.

A parte boa da cidade é que as senhoras continuam entrando nos transportes coletivos com a tranquilidade de sempre. Algumas tradições do país, afinal, sobrevivem: você vai encontrar milenials agarrados em suas garrafas térmicas e cuias de chimarrão por toda a cidade. Podem chamar de nostalgia, mas isso me faz um bem danado. Ah, e as meninas estão usando shorts cavadinhos, como as brasileiras. Nisso, continuamos parecidos.  

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