terça-feira, 2 de junho de 2015

New poor: roteiro


Há algum tempo, se o dono de uma daquelas redes concessionárias de veículos chineses dissesse que foi obrigado a vender um de seus aviões por causa da crise, a gente o definiria como um noveau riche. Um Jay Gatsby do 3o Milênio. O mesmo adjetivo serviria para enquadrar a Xuxa, pela casa em Trancoso-BA, ou a Fernanda Torres, pelo condomínio em Itacaré-BA. Mas, principalmente, o Ricardo Teixeira, cuja mansão, em Sunset Island-FL,é de fazer inveja à nova atração do SBT, o cirurgião plástico, Doctor Ray.

Depois das administrações petistas, o  bom gosto virou coisa de elite, você sabe. Como parte dessa revolução cultural, passamos a identificar o mau gosto de quem tem dinheiro sobrando como coisa de novo rico, não mais de noveau riche: a festa de casamento com desperdício de caviar e lagosta dos Sarney; o palácio do cantor sertanejo, Zé Rico e o castelo do deputado mineiro, Edmar Moreira

Sultões seguidos pelos respectivos haréns e sacolas de grife pelos corredores da Harrod’s, em Londres, peruas desfilando na  Vittorio Emanuelle II, em Milão, e uma vasta lista de objetos que vai da pulseira de ouro do Raul Gil até a Mesquita Sheik Zayed, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, que custou para lá de US$ 1,5 bi - é tudo coisa de novo rico.

Entre os que subiram na vida, como a galera aí acima, notamos um ligeiro incremento de maus hábitos, como jogar lixo no chão; dirigir falando ao celular (se possível, com os pés sobre o painel do veículo); música em alto volume; falar alto (inclusive no cinema) usando palavrões; furar fila; usar adesivo  alardeando a própria fé (mesmo quando o possante veículo estaciona em vaga para deficientes físicos). O "novo normal". Ah, e criticar esse tipo de atitude, agora, é preconceito.

Na era do funk-ostentação, os tênis, carrões e farras dos jogadores de futebol em Ibiza-Espanha vêm se juntar aos raybans estilo janelão, bolsas Luis Vuitton compradas à vista, como a da MC Pocahontas (“Mulher de Poder”). Isso, e aqueles fins de semana em Nova York para renovar o guarda-roupa (a pretexto de atualização cultural); óculos de armação colorida, camarote de balada e longnecks de loja de conveniência. O brega, enfim, caiu em desuso.

No meu caso, depois das administrações petistas, a minha categoria social se inverteu: de classe média ascendente, virei novo pobre. Novos hábitos, aqui vou eu:

Adeus, Booking.com: visitas a amigos e parentes que moram de outras cidades têm que incluir hospedagem. Posso lavar a louça, passear com o cachorro e varrer o quintal;
Benvindo, Home Office!: o aluguel de um espaço para a pequena ou média empresa tornou-se inacessível. 
Pão de Açúcar, nunca mais: compras, agora, só nas redes de varejo controladas por empresários russos ou chineses; em sacolões, ou no varejão do Ceagesp.
Olá, OLX:  móveis e utensílios, a partir de agora, somente em sites de trocas e objetos usados. Para roupas, melhor  'garimpar' nos brechós. 
Tudo é Marrakesh: um real economizado na compra do brócolis, outro nas bananas e cinquenta centavos na cebola, podem render duas abobrinhas.
Leitura do Momento“Caminhando”, de Henry Thoreau.
Whisky e Bourbon, adeus! - a cachaça cumpre muito bem esse papel. Saúde em primeirio lugar. Aliás...
Remédio bom é remédio barato. Viva a Farmácia Popular.

Minha nova condição social trouxe alguns confortos: não sou mais um shopper, nem um  foodie. Virei hipster (foto): a minha moda, sou eu quem faço. Fiquei longe de bares e livrarias, esses antros de vício e depravação; igrejas, também não frequento: o dízimo está pela hora da morte e o céu, continua em local incerto e não-sabido. Mas não deixei de sair de casa, como medo que o síndico achasse que morri, como aquele personagem do Will Eysner, Pincus Pleatnik, que, depois de ter o nome publicado, por engano, no obituário do jornal, nunca mais conseguiu provar que continuava vivo. 

Prometo colher outras dicas, ao longo de meus próximos aprendizados: reparos domésticos, permutas, escambos. O importante é não se deixar abater. Nossa colonização jesuítica nos afastou daquela ética que justifica a acumulação de capital como um agrado ao Senhor, mas, em compensação, nos legou um Deus genuinamente brasileiro, que deve nos ajudar a virar esse jogo. Se até o José Maria Marin, um dia, caiu nas garras da Justiça, por que a nossa sorte não pode mudar?

Um comentário:

  1. Oi Roberto, tentei deixar um comentário, mas não lembro as senhas de inscrição naquelas contas, coisa de nova pobre até a memória perdi, embora seria mais exato dizer, no caso da memória, coisa de nova velha!!!
    Adorei sua crônica e as dicas são sensacionais...
    Bj
    Nova pobre confessa,
    Luciana Saddi

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