terça-feira, 16 de setembro de 2014

Vamos erguer novos barracos e arranha-céus


A situação do povo das favelas, especialmente o da comunidade Sonia Ribeiro, no Campo Belo, SP/SP, que pegou fogo no dia da Independência (7/9), não permite piada. Portanto, a decisão do prefeito Fernando Haddad, de São Paulo, de autorizar a reconstrução dos barracos destruídos pelo fogo, “desde que respeitadas as normas”, não pode ser brincadeira.  Tenho poucos amigos engenheiros (talvez o Gustavo Campos, meu sobrinho), mas vou buscar ajuda para tentar identificar os meios disponíveis para tentar viabilizar a decisão do prefeito.  

Normas – eu tive uma tia com esse nome, já falecida – caso ele esteja se referindo a pessoas, já não se encontram assim, facilmente: conheço Suelens, Tatianas, Verolanges, Edivânias e Suelis, mas Norma, nenhuma. Não deve ser isso. O prefeito deve ter se referido a regras, condições específicas, sem as quais, ele não vai permitir a reocupação da favela.

Devem estar previstos, portanto: projeto e execução de saneamento básico; eliminação de “gatos” de energia elétrica; medidores de água monitorados pela Sabesp por meio de “smart grid”; materiais de construção leves e inflamáveis, como kevlar e nomex; isolamento termoacústico (para evitar potenciais desentendimentos entre vizinhos) e Brigada de Incêndio, com reuniões semanais entre técnicos da prefeitura e bombeiros voluntários.

“Vista como uma exceção pela gestão”, diz a Folha de S.Paulo de 12/9, “a reconstrução dos barracos passou a ser cogitada diante da resistência de muitos desabrigados a aderir ao programa social da Prefeitura” (auxílio aluguel de R$ 1,2 mil, a cada três meses). "Nosso acordo é que, se houver reassentamento no local, em função de que o bolsa-aluguel não resolve o problema, será feito mediante orientação dos engenheiros da Secretaria de Habitação”, declarou o prefeito. "Para impedir riscos".

Os moradores da favela estão divididos entre aceitar o bolsa-aluguel ou reconstruir os barracos. "Eles só querem que a gente saia para cercar o terreno. Aí vai chegar o engenheiro e dizer que não é apropriado para a gente morar", afirma o auxiliar de servente Robson Dalmo, 37. "Por isso, o pessoal quer construir de novo os barracos", afirma.

"O prefeito veio aqui, tomou café e foi embora. Se fosse bom mesmo, dava bloco para todo mundo reconstruir", diz a diarista Neusa Joaquina de Santana, 40. Entre os moradores que pretendem optar pelo auxílio-aluguel, há o medo de perder mais um barraco. "Depois, eu gasto três mil em material e eles mandam derrubar", afirma o vigilante José Alcides da Gama, 55, que está na casa de parentes.

Ao reconstruir os barracos da comunidade Sonia Ribeiro, talvez o prefeito possa aconselhar-se com a presidente do país vizinho, Cristina Kirchner que, há poucos dias, anunciou a construção do prédio mais alto da América Latina, na confluência dos rios da Prata e o Riachuelo (considerada a via fluvial mais poluída do país). O prédio terá 67 andares e “a magnitude do Central Park, de Nova York”. Segundo Cristina, será "um símbolo de Buenos Aires". A decisão, de acordo com a presidente, foi tomada com base numa experiência esotérica durante a qual ela descobriu ter sido, em outra encarnação, um arquiteto egípcio (talvez o construtor da pirâmide de Keóps).

Eu também gostaria de ouvir o nosso colega, Washington Novaes, a respeito da ideia do Fernando Haddad. Além da competência profissional e das reconhecidas consciência e militância ambientais, o Washington navega, há anos, nos problemas da ocupação desordenada das cidades.  Em artigo publicado no Estadão da última sexta-feira (12/9), ele mostrou-se perplexo diante da completa ignorância, pelos candidatos à presidência, governos estaduais e parlamento, de questões verdadeiramente importantes para os habitantes das grandes cidades.

Washington lembrou que o déficit habitacional de 6 milhões de moradias no país foi mencionado nos programas dos candidatos à presidência enviados ao TSE, mas os problemas urbanos – como a mobilidade, que gerou os protestos de junho – foram apenas contornados. Não há, por exemplo, nas plataformas de campanha, nenhuma referência à expansão desordenada de megalópoles como Rio e São Paulo, que já tem, hoje, 85% de suas respectivas áreas totalmente ocupadas.

“Em 1960, tínhamos apenas 45% de urbanoides e 55% das pessoas no campo. Sem políticas adequadas”, alerta o jornalista, “chegamos onde estamos e caminhamos para uma concentração ainda maior - embora possa haver políticas adequadas, como a adotada em Portland, nos Estados Unidos, que conteve o seu crescimento horizontal, ou Guelph, no Canadá, que refreou a sua expansão vertical. Somos a quarta maior população urbana do mundo e não levamos em conta prioridades capazes de estimular ou inibir esse crescimento”.

“O que se deve pensar”, pergunta Novaes, “quando o próprio Conselho Municipal do Patrimônio Histórico está deixando de lado regras que dificultavam a construção de prédios e reformas vizinhas a bens tombados em São Paulo? Segundo as notícias, oito regiões da capital paulista que estavam congeladas por uma lei de 1992 já podem receber empreendimentos sem autorização prévia, inclusive a Praça da República e os corredores do Colégio Sion, em Higienópolis”.

"Não bastasse a explosão populacional, a preferência, em nossas cidades, é por apartamentos: 210 mil pessoas saíram de casas em São Paulo para edifícios residenciais, em cinco anos, e já são 37% do total de habitantes, que alegam como razão principal para isso a "segurança". Mas onde está a discussão entre segurança e formatos de viver? E onde foi parar o debate sobre a qualidade de vida, em cidades como São Paulo, onde são despejadas, a cada ano, 71,6 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono - dez vezes mais que há uma década?"

Novaes também fala do emaranhado de cabos que enfeia as cidades, dos bilhões gastos para conter as enchentes, do desperdício de água encanada, em plena “crise da água” (65%, em cidades como Cuiabá e Recife, 30% em São Paulo), problemas aos quais se poderia acrescentar o barulho, o alto custo de vida e o trânsito. Nenhum dos candidatos à presidência da República (2014) discute isso.

O tema da corrupção, por sua vez, levantado pelo William Waak no Globonews Painel do último sábado (13/9), parece não sensibilizar mais ninguém. Segundo o cientista político e filósofo Fernando Schuller, da UFRGS, mais de 70% dos brasileiros consideraria normal obter vantagens em pequenos ilícitos, como aceitar propina ou empregar um parente num cargo público, caso tivesse essa chance.

Os candidatos à presidência - que incluem um ex-governador e uma presidente “gerentona” - preferem duelar sobre falsos dilemas morais e indicadores macroeconômicos, deixando de lado a qualidade de vida dos cidadãos. Nesses momentos, aliás, todos prometem cuidar da Educação e da Saúde – as duas chagas mais sensíveis da sociedade brasileira – mas não  explicam com que recursos farão isso, e nem porque não o fizeram até hoje.

A grande discussão da campanha política – além do mal estar entre as duas principais candidatas em torno dos propinodutos de uma e das idiossincrasias de outra – está em quem é mais parecido com o Levy Fidelix, do Aerotrem: o Mr. Spacely Jetson, do desenho futurista, ou professor Dingle Dong, do malévolo Picapau, de Walter Lantz. Nessa linha, sempre achei o Paulo Skaf muito parecido com o Golias, o comediante – com a ressalva de que o Golias acreditava no que estava fazendo – e não me surpreenderia se o Paulo Roberto Costa saísse de Darth Vader no próximo desfile da Mangueira: “Together, we can rull the galaxy”.

Na verdade, consegui escapar da propaganda política até agora, mas  tenho me divertido com os boletins informativos sobre as promessas dos candidatos à esquerda do PT (ontem, 15/9, o partido fez manifestação em defesa do Pré-Sal, em frente à Petrobras), como: Luciana Genro, que vai aposentar todo mundo com o salário integral e o Zé Maria, que ficou de estatizar os bancos. Como diria o Zé Simão, a gente sofre, mas gosta.

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