quarta-feira, 14 de abril de 2010

A cobertura da tragédia


Foto: protesto dos ex-moradores no dia 14/4 contra prefeito de Niterói-RJ (G1)

Se você, telespectador amigo, também sentiu-se incomodado(a) com a imagem do Tonico Ferreira, naquele terno virtual que ele não consegue tirar, nem falando da floresta amazônica, ou com a perplexidade do Ernesto Paglia, diante da sanguinolenta pesca de filés precoces de atum, uma realidade que ele – pilotando sua própria série – precisa mostrar para a sua amada Ribeirão Preto, deve, como eu, pagar um tributo à competência do coringa da emissora, Marcos Uchoa, que consegue entregar uma crônica irretocável de 30 segundos (na melhor tradição de Carlinhos de Oliveira ou Drummond) para descrever como estão vivendo os sobreviventes do morro do Bumba (dia 12/4, link abaixo).

Do ponto de vista de imprensa, essa foi uma tragédia da TV, ou da TV Globo, que andou pelo Bumba um pouco antes do deslizamento. Por isso mesmo, um bom texto, nesse meio e nessas circunstâncias, faz diferença. Não foi o que mais me sensibilizou, mas precisa ser reconhecido.

A tragédia do Bumba foi um raro exemplo da TV pautando a mídia impressa, além do rádio e da internet. Mesmo assim – ou talvez por isso – a cobertura obrigou os agentes da administração pública a se mexerem, o que é fundamental, em tempos de rorizes, arrudas e de campanha eleitoral para a presidência da República (por mais evoluída que essa disputa venha a ser).

Com toda a violência que nos cerca, ninguém conseguiu ficar indiferente à calamidade fluminense, com a qual estabeleci dois pontos opostos de contato, além, é claro, da constatação da enorme fratura exposta em nossa sociedade:

1) a frase do rapaz que se salvou porque tinha saído para entregar um pedido da pizzaria da família, enquanto pai, mãe e irmã eram soterrados pela avalanche: “Eles fizeram tanto por mim, não posso fazer nada por eles”;
2) a comparação do multiprefeito de Niterói, José Roberto Silveira, entre a tragédia de sua administração e as tsunami na Indonésia (Eduardo Paes, que é de outra época, foi mais digno).

A capa da Veja – o Cristo chorando – mostrou que o photoshop não serve só para corrigir imperfeições das coelhinhas da Playboy, mas pode ir para a mesma prateleira na qual eu arquivaria o especial do Fantástico com as sobras de gravações e o link de Fátima Bernardes na suíte (dia seguinte) da catástrofe. Mas a História deve provar que todas aquelas vidas não foram perdidas em vão.

Vínhamos de uma escalada de boas notícias, a começar pela aprovação do plano de Obama para a saúde (a prova de que os bons ventos poderiam chegar até aqui está no artigo publicado hoje, 14, na página 2 do Estadão, mistificando a reforma), seguida pelo acordo para a redução do arsenal nuclear, pela notícia da recuperação do nível de emprego no Brasil, pela inauguração do rodoanel do Serra (moro ao lado da av dos Bandeirantes) e pela a queda do preço do álcool, lembrando algumas.

Nesse ponto, o desastre fluminense nos atinge com um soco no estômago: revela a fragilidade patética da infra-estrutura em nossas cidades – futuras sedes da Copa do Mundo e da Olimpíada – dissolvem o otimismo inconseqüente, a hipocrisia, as falsas promessas, a conversa fiada e a iniqüidade social que nos esmaga e obriga irmãos ou vizinhos a construir moradias nas encostas do sofrimento, da ignorância e da ilusão. Alguma coisa tem que mudar.