segunda-feira, 4 de junho de 2012

Toca Legião Urbana


É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã: nunca fui tiete do Legião Urbana (sou do tempo da Dolores Duran), mas achei o bárbaro o tributo que os remanescentes do grupo, Marcelo Bonfá e Dado Vila Lobos, acompanhados pelo Wagner Moura e pela imensa plateia de adoradores da banda prestaram a Renato Russo, nos dois shows promovidos no Espaço das Américas, em São Paulo, nos dias 29 e 30/5. Vi a gravação pela MTV, ontem, 3/5, no aquecimento ao MTV Awards, que é a praia do Charlie Sheen e do ex da Katy Parry (Russel Brand). Além de tudo, o tributo ao Legião trouxe a emissora de volta à vitrine da mídia, sob a batuta do mestre Zico Góes.  
Um tititi mal humorado circulou na rede com piadinhas do gênero “Wagner, como Renato Russo é um ótimo Capitão Nascimento”, mas ninguém de bom senso esperava um cantor afinado. O cara foi às alturas, como qualquer fã, e não comprometeu a usinagem do ator. Talvez tenha se emocionado um pouco além da conta, ao cantar a sua preferida Andrea Doria, mas no conjunto da obra, esteve impecável. Muito bom que as pessoas se lembrem de canções como Índios, Que país é este, Monte Castelo, Faroeste Caboclo, Eu sei.

Na manhã de ontem, depois de uma corridinha de domingo no parque, tive que virar a cabeça para ter certeza do que via e ouvia: um pai de classe média alta, presumo, acompanhado por um amigo, ensinava o filho, que aparentava uns sete anos, a ter atitude:

- É fácil fazer a bicicleta durar. Basta aprender a dizer não. Se você der alguma coisa, eles sempre vão pedir mais. São uns arrombados, uns fdap, têm que se f..., manda eles à pqp. O único jeito de as suas coisas durarem – repetiu - é nunca emprestar nem dar nada a ninguém.

Fiquei assistindo àquela cena, perplexo – eu, que não sou nenhum gentleman – e, enquanto os três se afastavam, notei uma grande estrela de David tatuada nas costas do suposto pai (ele estava sem camisa), o que me fez refletir sobre a ignorância e o ódio.
Pouco depois do parque, na domingueira lá de casa, minha filha e o namorado me contaram a seguinte história: na fila da reinauguração do Teatro São Pedro, com Eudóxia de Barros e Julio Medaglia, um desvalido lhes pediu um ingresso, depois de um breve relato de como a bebida lhe estragara a carreira na Música. Nesta, ele buscaria algum alento. Chorava, mas parecia sóbrio. Recebeu o ingresso. No meio da peça, levantou-se da poltrona e começou a gesticular e a esbravejar com algum inimigo imaginário, em altos brados. Foi retirado à força. A beleza tragada pelo vício.

Na mesma noite desse episódio, do outro lado da cidade, eu e Jack Daniels seguíamos a guitarra incandescente de Joe Bonamassa, que não conseguiu lotar nem a metade da casa em que encerrava uma turnê, iniciada há quatro meses, em Lisboa, Portugal. Bonamassa não fabrica fetuccine, como o nome sugere, mas já foi considerado, pela Classic Rock Magazine, “a melhor definição do Blues-Rock contemporâneo”. Circulam, sobre ele, baboseiras como “melhor guitarrista do mundo” ou “o novo Eric Clapton”. A caminho do meu show, que, aliás, estava repleto de pais quarentões e seus filhos adolescentes amantes de boa música, passei por um congestionamento-monstro, formado na porta de outro show, este do Fábio Júnior.

Tinha coisas piores acontecendo na cidade: fiquei com medo de ser confundido com material reciclável por algum voluntário da Virada Sustentável; pavor de encontrar alguém que quisesse comentar comigo a estreia de A Fazenda, de encontrar o Paulo Maluf no meio de um filme na TV, ou de dormir depois do almoço e sonhar com o Faustão, de cuecas, brigando com a Giselle Bundchen num Tribunal de Justiça. Na semana passada, tinha sonhado com um roda-viva formado pela Hebe, o Amaury Jr, o , a Marília Gabriela e o Da Tena, todos entrevistando o Zé Sarney.

Mas o mundo continuou girando como uma bola de espelhos, e refletindo: o garoto branco da costa leste cantando voz rouca do Mississipi; o bêbado que atravessou a Cerro Corá na frente do Júlio Medaglia; os bispos evangélicos marchando contra o fim do aluguel na TV aberta; a dúvida da Carol Portaluppi entre posar nua ou receber uma verba equivalente do papai Renato Gaúcho; os cascudos do MMA chorando feito criança; o Brasil perdendo mais uma para o México; o pibinho do Mantega; o naufrágio de mais uma CPI e a seca do Nordeste (138 municípios), chegando às manchetes, mas sem conversar com a Rio + 20, que começa na semana que vem.

Sunday, bloody sunday. Pelo menos, o autor da canção, embora ajude muita gente, está cada vez mais milionário, e na condição de irlandês, não precisa participar das homenagens à Rainha. Quanto a mim, resta o consolo de saber que os meus filhos me entendem (um pouco), talvez por terem ouvido, na marra, Crosby, Stills Nash & Young, (Ensine bem as crianças, o inferno dos pais vai logo desaparecer), muito antes da MPB da segunda geração. Mesmo assim, precisei do tributo ao Legião Urbana para resolver o meu domingo. Ave Renato Russo.