segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Ano Passado

Finalmente, paro de ouvir aquela cantoria de “feliz ano novo!” ao entrar nos lugares, um negócio quase tão enjoado quanto aquele bonjour madame, bonjour monsieur dos franceses, espécie de salvo conduto de boas maneiras herdado da Revolução de 1789.

Ano novo? - A bagunça nos aeroportos continua a mesma. Faltou água no litoral (SP), energia na Capital (chuva no lugar errado) e vergonha na classe política, comme d’habitude. O Renan Calheiros, agora, quer que a gente pague o transplante capilar dele, além das contas da amante. Os seus mentores, do clã Sarney, continuam se alimentando de lagosta harmonizada com tonéis de Sancèrre, enquanto no próprio quintal, jacobinos de chinelo havaiana decepam cabeças de seus desafetos: “Cuidado com o foco”, alerta o carrasco de Pedrinhas ao câmera que filma a cena com o smartphone.

As contas públicas continuam se deteriorando (a inflação, subindo), a matriz energética do país permanece intocada – diferentemente na norte-americana, agora movida a xisto, e a alemã, que, em seis anos, trocou as usinas nucleares por moinhos de vento – e o Fernando Haddad continua ouvindo do Lula que o dinheiro não traz a felicidade, e sim medidas populares, como um exército de viciados fumando crack com uniforme de gari.  

Os estádios da Copa ainda estão atrasados, os hospitais, precários e as chuvas, matando gente; as tertúlias do Jèrome Valcker, que deve frequentar os bistrôs de Saint German des Près, contra Aldo Rebelo, que dava expediente na Major Diogo (saudoso Bixiga), foram substituídas por tapas e beijos do presidente da Fifa, Joseph Blatter (cria do João Havelange) com a presidente Dilma Rousseff, discípula de Lula (filho do Brasil), mas isso não trouxe uma grande mudança. Tudo bem: o Domenico De Masi, o intelectual (italiano) do lazer criativo, acha que chegou a nossa vez.

No mapa mundi, Obama segue tentando avisar os indígenas indômitos (tipo BRICs) que o avanço da civilização pode render alguns cassinos na Califórnia (vide rede Hard rock); os presidentes franceses se mantêm lépidos como coelhos (quanto mais socialista, mais coelho) e o Woody Allen continua a fazer filmes universais e a colecionar escândalos domésticos. No outro lado da esfera, o Papa Francisco vai mostrando alguma habilidade em colar cacos deixados por seus antecessores: a gente católica já se cansou daquela turma que só varria onde passa o padre.
Alguma novidade? – Bem, no lugar dos antigos blackblocs, os sociólogos e os suplementos de domingo já podem analisar os rolezinhos, outro movimento emanado das redes sociais que não vai a lugar algum.

Um ciclista morreu esmagado e um garoto gay jogou-se ou foi jogado de um viaduto. Lembro-me dos caras pintadas, das diretas já, dos direitos civis e da primeira parada gay, em Nova York (1969) em protesto à porradaria no bar Stonewall. Gays ilustres só da minha cidade, Bauru (onde passei a adolescência), fizeram mais pela sociedade, individualmente, com sua coragem, do que todas essas mobilizações atuais: Mauro Rasi, o rei do besteirol, Eloy Chaves, o Dzycroquete, Jurandyr Bueno, o Niemeyer bauruense e Paulo Keller, o Joãosinho Trinta da Cidade Sem Limites.

Não sou nenhum Einstein (capa da revista Mundo Estranho desta semana), mas acho que já entendi a relatividade do tempo na proporção do espaço das coisas todas que giram com gente, neste carrossel. Não sei namorar (continuo tentando), mas já sei distinguir o que é novo do que é antigo. Homofobia, por exemplo, não dá mais: as novelas da Globo vão acabar sendo feitas só para as manicures (nenhum problema com elas). Moto barulhenta, que eu mesmo curti, na juventude: não tem nada mais antigo. – Dá vontade de dizer ao cidadão: - Trabalhe um pouco mais e faça como o Gamberini (ou é o Tramontina?), compre uma BMW.

Outro exemplo de velharia acaba sendo a revista Veja: traz boas dicas de vida saudável, de novos medicamentos e técnicas terapêuticas (bem antes do Fantástico), mas já cansou, pelo viés excessivo, assim como aquele alterego do Mino Carta, a Carta Capital, que deve dar um trabalho danado ao psicanalista dele.

A relação dos bancos com as pessoas também promete mudar (que assim seja): na semana passada, um amigo me convidou para comemorar o encerramento de sua conta num dos bancões que havia aumentado o preço de sua cesta de tarifas e os juros do cheque especial, sem aviso ou consentimento prévio. Ele mudou-se para um dos bancos estatais, que estão praticando taxas mais acessíveis. Eu sei o que você está pensando, mas o Pizzolatto fugiu para a Itália e a Caixa já decidiu rever o seu balanço de 2013. Taí uma coisa que muda, todo ano (de valor): Imposto de Renda, IPTU, IPVA, os livros das crianças.

A minha preocupação maior, nesta virada de ano, foi quanto às operadoras de telefonia: quando é que o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) vai impedí-las de dizer que pegam, quando todo mundo sabe que não pegam? E quando será que o comitê de controle da mídia, do camarada Rui Falcão, vai obrigar as emissoras de TV aberta a juntar, num único canal: o Faustão, os pastores evangélicos, o Big Brother, o Pânico, a Luciana Gimenez, o Rodrigo Faro, o Gugu e a Xuxa? – Isto sim, seria um sinal de que os tempos estão mudando.

Dentro da Literatura Brazuca (lembram-se de Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva?), no segundo pavimento do bloco do novo realismo, porém à beira do abismo, a moça continua escrevendo sobre o universo masculino, violento e rural, com pitadas de apocalipse (o nosso desleixo com os bichos e todo o resto da natureza tem sido, de fato, alarmante), mas não pode insistir naquele personagem, filho-de-uma-índia-com-fazendeiro, que usa um olho de vidro porque o de carne foi comido por um abutre. Não dá, moça, eu ví todos os filmes do Sérgio Leone quando era garoto. E um tal Quentin Tarantino fez mais ou menos esse caminho, no cinema. A gente precisa de sangue, ok, mas tem que ser novo. 

Bem, e como estamos praticamente no Carnaval, em pleno Campeonato Paulista (vale a pena conferir a foto de Evelson de Freitas, na capa do Estadão de hoje, 20/1), e às vésperas da Copa do Mundo (depois vêm eleições), acho que esse ano vai passar bem depressa. Quem sabe 2015 nos traga alguma novidade. Por enquanto, continuo no ano passado. Sobre a foto lá em cima: não recomendo, nem Alain Resnais, nem Marcel Proust. Para tentar entender essas dobras do tempo, melhor aprender tricô.