terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Santander real



Um mundo melhor para os nossos filhos, filhos melhores para o nosso mundo; poetas, idosos tratados com respeito: a nova campanha do Santander que estreou neste fim de ano absorveu o posicionamento de marca do Real (incorporado pelo banco espanhol no ano passado), o que deve ter exigido um esforço extra de seu country manager, Fábio Barbosa, para convencer os acionistas a se aproximar da índole, da cultura e, por consequência, do bolso do brasileiro com razoáveis níveis de renda e/ou informação.

Entre o sujeito cordial de Sérgio Buarque de Hollanda – percebido na nova campanha – e o temperamento sanguíneo da organização – espelhado na personalidade do presidente mundial do grupo, Emílio Botín – há uma distância oceânica. Pode ser apenas um detalhe, mas logo depois de assumir a presidência local do banco, Barbosa raspou a barba de uma semana que costumava usar, como complemento de uma bem cultivada reputação de banqueiro sustentável que continuou a seu lado na presidência da Febraban.

De perto ou de longe, tudo é banco, diria o Fado. O problema é que mesmo depois de passar 10 anos digerindo o Banespa, o Santander não parece ter absorvido a parte saudável de seu metabolismo. Experiências bem próximas indicam isso (não sou cliente, mas tenho amigos e parentes que o são): inflexibilidade da média gerência nas negociações, inconsistência entre as ações e as mensagens da empresa, serviços precários e sistemas de comunicação e atendimento ao consumidor/ouvidoria indefesos, diante da voracidade dos gestores de finanças.

Tomara que o Fábio consiga virar esse jogo, torcemos eu, boa parte da imprensa de Economia e Negócios e do empresariado brasileiro, que admiram o seu estilo. Por enquanto, o Santander real está longe de ser o que o banco holandês chegou a ser, mesmo que você não acredite naquelas cestinhas de lixo e talões de cheque recicláveis,promoções para a terceira idade etc.


Além dos sintomas descritos acima , uma espetada da revista Exame desta quinzena dá o tom da expectativa da platéia, ao constatar o empobrecimento da paisagem sócio-ambiental da Paulista depois que a sede do antigo Real mudou-se para a Vila Olímpia (que a revista, aliás, situa na zona oeste da Capital), na zona sul da cidade.

A minha torcida pessoal é de época: também pertenço à geração que se viu capaz de mudar o sistema por dentro, durante algum tempo. Também espero que a frase de Santo Agostinho, neste caso, se esgote em si mesma. Ganhariamos todos nós: consumidores, mercado e os especialistas em branding.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Dilma-Meirelles x Serra-Aécio


A grita da intellighenzia tucana foi discreta, mas intensa. A possibilidade de uma chapa sucessória formada por Dilma Roussef e Henrique Meirelles assusta: a resistência do eleitorado petista de classe média a Michel Temer – antigo quercista associado ao fisiologismo, com peculiaridades comportamentais que não me cabe comentar – será grande. A diferença em relação a uma chapa Serra/Aécio – o primeiro, rejeitado por boa parte do estabishment, o segundo, pela esquerda do PSDB – não seria grande.

Meirelles passaria batido (para usar uma linguagem petista) por sua sólida contribuição à gestão de Lula, no estilo galinha ruiva: é preciso fazer o bolo para repartir o bolo. O wallessa brasileiro não teria subido tão alto no pódio da cena internacional – podendo conversar Shimon Peres e Ahmajinejad, Chavez e Obama – se o bom demônio não lhe tivesse permitido driblar a crise, com seu keynesianismo operário, escorado pela estabilidade da moeda e em reservas cambiais de US$ 200 bi.

Não foi por acaso que o Jânio de Freitas (FSP,16, Meios Insucessos) desvendou a manobra de Lula (a lista tríplice do PMDB), transformada em denúncia pelo bordado barthreano de Fernando Barros e Silva na FSP de ontem (16), Imagem Envenenada. A foto de Alan Marques (FSP,15, pg A-4), diga-se, é ótima.

Não tive tempo de ver o editorial do Estadão, de assistir ao Merval Pereira na Globonews, nem de ouvir a Lúcia Hippolito na CBN ou navegar pelo blog do Noblat e ler Dora Kramer, nos últimos dois dias, mas certamente o episódio serviu para atiçar o desespero da oposição e da mídia que, por ideologia ou por respeito à vocação crítica, insistem, mas não conseguem, abalar o prestígio e a popularidade de Lula.

O meu interesse, no caso, é a indústria da comunicação, sem parti pris. Pela mesma razão - aparentemente contraditória - não tomei conhecimento da tal Conferência Nacional da atividade, que as entidades patronais qualificaram de manobra para censurar a imprensa, num flagrante exagero. A tal CNC foi muito chapa branca para o meu caminhão. Mas, voltando à nossa democracia. Talvez seja ingenuidade, mas acho que Lula - goste-se ou não do seu governo - embora amarrado por uma aliança indispensável à governabilidade, no Brasil (como todos sabem), tem o direito sonhar, sem causar todo esse escândalo.
Lembrei-me de uma frase de Zuenir Ventura (1968, O Ano Que Não Terminou), durante uma conferência na qual um aluno levantou-se para dizer que nada mudou na sociedade brasileira depois da ditadura. Óbvia, mas bem situada: - Na ditadura, se você dissesse isso, seria preso. Uma boa diferença. Imagem: www.baixaki.com.br

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Si vis pacem para bellum


A frase não me ocorreu por causa da sublimação de Barak Obama, ao receber o Nobel da Paz, nem por conta do meu antigo professor de Latim, Aníbal Campi – que a adorava – e que se parecia muito, fisicamente com o Berlusconi antes da agressão de ontem (13). Aliás, não pretendo incitar à violência, mas não resisto a imaginar se o Brasil seria o mesmo se o Maluf, nosso maior símbolo da corrupção, tivesse sido, um dia, alcançado por um projétil de média distância, como a estatueta que interrompeu o comício do premiê italiano ou os sapatos do jornalista iraquiano Al-Zadi. Será que os rorizes e arrudas continuariam se proliferando no Planalto, a ponto de ameaçar a nossa espécie, como atualmente?

Embora não tenha comprado e lido (ainda) Os Americanos, de Antonio Pedro Tota, recomendado pelo Mattew Shirts, não resisto a imaginar quem ou o que plantou o argumento naquela mente harvardiana: uma frase tão antiga e tão singela para uma ocasião tão solene. Meio metro abaixo, imagino a perplexidade de uma platéia que supostamente consegue perceber a complexidade de questões como a do Oriente Médio, o que acontece no Afeganistão/Paquistão e que já ouviu falar de traficantes russos de armas norte-coreanas, de guerrilheiros colombianos e favelas cariocas. Eu daria o meu discurso para o Roberto Godoy (competente especialista em Defesa) copidescar. À minha volta, até a CNN começa a discutir a ética dos Predator (foto), as deadly offensive weapon in america’s war against terrorism.

A Veja desta semana tentou explicar a gaffe intelectual do camarada Obama (considerado socialista nos EUA), mas eu não vejo a revista (seguindo o conselho do título) com esse fim, senão para me atualizar quanto ao novo código sexual dos adolescentes inscrito nas pulserinhas amarelas com glitter, roxas, vermelhas e pretas (as melhores) que o Serginho Groisman certamente vai comentar em suas madrugadas pop (página 87 da edição desta semana).
No mais, o Flamengo de Andrade foi campeão brasileiro, mas o CQC flagrou um africâner ofendendo os trabalhadores negros que correm para finalizar as obras que vão dizer ao mundo que a África do Sul não é mais aquela e o trânsito continua matando mais do que o crime organizado: no último sábado (12), um garoto de 14 anos dirigindo um caminhão, atropelou e matou um outro, de 4, em Cidade Tiradentes, São Paulo. Sugestão de pauta de fim de ano para a Veja.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Consequências do blecaute



Entenda a relação dos Medici com o blecaute da última terça-feira

O apagão do dia 10/11 teve pelo menos uma boa consequência: interrompeu minha fala na banca que examinava uma Tese de Conclusão de Curso de Jornalismo da PUC-SP (parabéns, Victor Esteves, aprovado com louvor), uma universidade que não tem gerador, mas que ensina os jovens profissionais que, num país miserável como o nosso, o jornalismo só tem sentido se for usado como ferramenta de transformação social. Você pode discordar.

Já no editorial do Estadão de ontem (16), o Antonio Carlos Pereira não puxou, quase arrancou as orelhas da oposição por não ter conseguido transformar o blecaute acima referido numa crise institucional que se preze, digna de um Lacerda x Getúlio. O editorial de hoje (17), por sua vez, “O Derretimento de Copenhage”, morreu às sete horas da manhã, quando Obama, ao lado de Hu Jintao, apareceu nos telejornais anunciando que não vai mais defender o adiamento das metas de redução das emissões em seu país, responsáveis, em boa parte, pelo aquecimento global.

A TTC na PUC-SP, para o cuja banca tive a honra de ser convidado, trata do futuro dos jornais impressos. Segundo o livro-reportagem de Victor Esteves, os grandes jornais – hoje usados pelas empresas como as lojas âncoras dos shoppings inaugurados há vinte anos – terminarão como delicatessen. A palavra escrita passará por outras superfícies e a sua produção, por outros meios, mas permanecerá, ele sustenta. O problema – penso eu – está nas perdas acarretadas por essas mudanças, que vão da apuração à qualidade do texto, da edição à hierarquização das notícias, da crítica à análise, do equilíbrio à credibilidade.

Um jornal de Santa Maria-RS publicou, no último dia 9, que a romaria medianeira de NS das Graças (uma espécie de círio de Nazaré gaúcho) foi prejudicada pela falta de energia para os barraqueiros que trabalham o ano inteiro para vender seus produtos na festa (7 e 8/11). A notícia dizia que pelo menos dois desses comerciantes tinham registrado a ocorrência na polícia, para processar a prefeitura e a concessionária de energia local. Um amigo interessado descobriu que apenas os disjuntores dos dois litigantes não funcionaram. As marcas da empresa e da prefeitura ficaram arranhadas, mas o jornal não se retratou.

O que eu dizia, antes de ser interrompido pelo blecaute na PUC, vinha em defesa do autor da Tese, talvez excessivamente apoiada numa pesquisa sobre a imprensa norte-americana: na imprensa em que eu nasci, na segunda metade do século passado, a influência da norte-americana – por sua vez fundada numa sólida base democrática – era muito maior do que a da imprensa européia, que, quando eu cheguei a Portugal, em 1971, a convite do Médici (Emílio, não o Lorenzo), ainda publicava polêmicas de página inteira, como no tempo de Pessoa e Sá Carneiro, enquanto nós, na rua Irineu Marinho, 30, suávamos bicas para compor um lead que o Agnaldo Silva ia acabar dilapidando (com o mesmo talento das novelas, diga-se).

O Gay Telese não tinha escrito O Reino e o Poder, o Michael Bloomberg vendia fundos de investimento, o Faulkner e o Hemminguay nem tinham passado a bola para Mailler, Wolf e Capote, e acima de tudo, o Murdock não chamava o Larry Page e o Sergy Brin, do Google, de piratas do conteúdo. O problema não está na escola (latu sensu), professora, nem na tecnologia, mas na filosofia (como dizia Noel). Na minha visão, o que pode esvaziar o bom jornalismo é a editorialização da notícia, o parti pris, a perda de credibilidade, que pode vazar de um lado ou do outro. Seja um ponto-de-vista conservador como o do Estado ou progressista como o da faculdade onde fui cobrir a pancadaria daquele coronel, em 1978. O importante é que a perspectiva seja honesta, clara, correta (coisa do meu tempo).

Felizmente, o jornalismo contemporâneo tem seus momentos, como a matéria da Globo mostrando o taxista que acudiu um amante cujo carro ficou preso pelo portão automático da casa da outra e o rapaz que consertava uma tomada e entrou em crise ao pensar que tinha causado uma pane geral no quarteirão. Quanto ao TCC, acabamos todos no bar da esquina, comemorando a esperança da informação que transforma, ainda que à luz de velas.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Pedágios

10 novas praças no roteiro das praias paulistas ainda este ano: sorte do Seu Bené, que só usa a Via Dutra.

Sir William Wack – em reportagem sociológica que foi ao ar há uma semana – e depois, o sheik Tonico Ferreira, nesta segunda, 9/10 (sutil como um Philip Glass), pagaram seus respectivos pedágios pela passagem dos 20 anos da queda do muro de Berlim, essa arenga insuportável à qual só o Estadão (além da minha antiga casa acima citada, as Organizações Globo) continuou se dedicando, nesta terça-feira ensolarada de supermercados lotados (dia 10), em que o perdão a Geyse Arruda foi anunciado pelo Uniban Victoria Institute: sim, a moça de minissaia apedrejada por um bando de jovens mal orientados sexualmente.

Como todas as efemérides, na sociedade da informação, o assunto do muro tornou-se banal e cansativo, além do óbvio chute no cachorro morto do stalinismo, quando o socialismo, de fato (de Allende a Bachelet, por exemplo), já se transformou tantas vezes, como, aliás, o próprio capitalismo, nisso incluídas todas as versões anteriores ao Windows 7, entre elas, a rapinagem dos súditos de Sua Majestade nos quatro continentes – sobretudo na Índia e na África – e o genocídio indígena que fundou a nação mais poderosa do universo.

E por falar em pedágio e em nação poderosa, o grande irmão foi saudado, na semana passada, com mais esta pérola do comediante mal-humorado, Arnaldo Al Jabor, segundo o qual, em terra de macho, até os crimes são pra valer, coisa de cowboy, nada de pouca porcaria. Ele se referia à chacina praticada pelo major palestino Malik Nadal Hassan, às claras, de peito aberto, em pleno Fort Hood, Texas (EUA), sem tergiversação ou rebolados, como Jabor referiu-se, creio, à criminalidade local, que segundo ele, só se manifesta por baixo dos panos, coisa de corte portuguesa, merecedora de nojo e desdém.

No caso do comentarista, aliás, o pedágio é recíproco: do enteado virtual de Nelson Rodrigues à Casa que serviu de abrigo ao original, e desta mesma casa ao referido enteado, que precisa depositar a sua frustração (de não ser o original), diariamente, no mesmo vaso. Que Alá dê vida longa ao velho garoto de Copacabana, mas, como entertainment, eu prefiro o brother judaico-brazuca Luciano Hulk, que no dia seguinte à descarga do jornalista-cineasta no Jornal da Globo (sexta à noite, 06/10), trouxe de volta ao seu programa, no sábado, o impagável Seu Bené do Laranjão cantando Only You e fazendo coro com Martinho da Vila em Deixa a Tristeza pra lá. Benedito Vitor Junior, 51 anos, fretista em Barra Mansa-RJ, não tem nada de cowboy, mas cantou Only You como um dos Platters (http://www.youtube.com/watch?v=qivEZLjeAlg&feature=related)

Ainda sobre pedágios, achei bacana a entrevista do Caetano ao Estadão, por acaso, na véspera de seu show em São Paulo, tirando o fato de que o abre da capa o deixou parecido com o Dr. Júlio Mesquita. E por falar em Estado de São Paulo, aqui vai um pedido ao governador José Serra: no ano passado e este ano, tive que ir várias vezes a Bauru, perto de Botucatu, onde, nesta semana, começa a funcionar um novo posto de pedágio, alí explorado pela Rodovias Tietê, controlada pela Caio, do Felipe Massa, que já tem uma Ferrari. O valor dos pedágios dessa viagem (São Paulo-Bauru) é R$ 42,10. A passagem de ônibus custa R$ 60,65.

Fora isso, a F. de São Paulo publicou, no dia 19/08/2009, a seguinte notícia: Rota do Litoral Paulista deve ganhar ao menos 10 pedágios
(
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u611763.shtml).
Pergunto: - Governador, como é que o senhor pretende chegar a Presidente, com todos esses pedágios? – Pense nos fretes do Seu Bené.

Foto de Seu Bené: Felipe Vieira, Diário do Vale, 31/10.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Violência e Democracia


Se você visita este blog de vez em quando, tem razão de reclamar da escassez de posts neste mês de outubro. Mas em vez de comentar táticas de guerra como o corte da água dos palestinos ou a morte de inocentes no Paquistão, prefiro me indignar e chamar atenção para a importância política da morte violenta de Evandro João da Silva, do Afroreggae, ONG que tem feito diferença em Vigário Geral, RJ, desde 1993. Os matadores chegaram a comprar dois PM com um par de tênis e um blusão, num escambo de embrulhar o estômago de quem viu as imagens captadas por uma câmera de vigilância.
Essa é a nossa guerra: - Quem tem a coragem de encarar a realidade para tentar mudá-la, leva esse tipo de troco. Vamos continuar gramisciando.
E para amenizar a batalha, recomendo a leitura da Folha de S.Paulo de hoje, embora a de ontem tenha apanhado tanto da Record e seus bispos, na última sexta-feira, 23. Como o Edir Macedo não foi nenhum guerrilheiro, na ditadura, recomendo a leitura de artigo do mestre Gaspari, na Folha de hoje (28), sobre Dilma, que o foi. É a democracia, moçada. Também da edição de hoje, a charge de Jean, lenitivo para a violência. É por isso que ainda vale a pena ler jornal.

Élio Gaspari
De Frances.Perkins@org para D.Rousseff@gov
Não vacile, ministra, comecei minha militância com os larápios e eles nunca me decepcionaram
PREZADA MINISTRA Dilma Rousseff,
Quase certamente a senhora nunca ouviu falar de mim. Chamei-me Frances Perkins e fui a primeira mulher a ocupar um ministério no governo americano. Fui secretária do Trabalho de 1933 a 1945, entrei com Franklin Roosevelt e saí quando ele morreu.
Escrevo-lhe porque meu chefe pediu. Ele tem muito interesse pelo trabalho do seu presidente e soube que vocês trabalham numa Consolidação das Leis Sociais. Também acredito que posso lhe dar algumas sugestões.
Vá fundo ministra. Faça logo tudo o que se quer fazer. Quando eu cheguei à Casa Branca, as vendedoras do Bloomingdale's cumpriam jornadas de 14 a 16 horas. Os Estados Unidos não tinham salário mínimo, Previdência pública, seguro-desemprego nem plano de saúde universal. Quando saí, a jornada era de oito horas, os trabalhadores tinham aposentadoria e proteção no desemprego. Deixamos o plano de saúde para depois e deu no que deu.
Essas coisas não saíram a preço de custo. A Corte Suprema se tornara um estábulo do patronato. A Previdência era coisa de socialista e o vice-presidente quis mandar o Exército acabar com uma greve a bala. Diziam que não era Frances Perkins, mas Mathilda Watsky, nem seria americana e protestante, mas judia e russa.
Dona Dilma, minha militância social começou na tarde de 25 de março de 1911. Eu estava tomando chá no palacete de uma amiga e ouvimos a sirene dos bombeiros. Fomos ver incêndio e presenciamos a tragédia da Fábrica Triângulo. Morreram 146 operárias, quase todas italianas ou judias. As moças se atiravam do nono andar. Eu vi.
Passei a vida negociando com empresários e líderes sindicais. Sempre tive um fraco por gente rica. Minhas amigas progressistas eram chamadas de "Brigada do Vison". Nesse sentido, acho que a senhora circula pouco na área atapetada. Erro. Eu consegui que o empresariado aceitasse a sindicalização dos trabalhadores e quem me ajudou foi o presidente da US Steel. Depois ele foi nomeado embaixador no Vaticano. Quero lhe confessar que nunca gostei de sindicalistas, mas negociei umas 200 greves, algumas das quais com mortos, e uma delas com dinamite.
Sei que acusam a senhora de mal-humorada. É coisa de homem. Pegue mais pesado. Quando fui assumir a secretaria, o meu antecessor disse que eu deveria esperar, pois ele tinha um compromisso para o almoço. Respondi que estava muito bem, pois assim teríamos tempo para tirar as coisas dele da sala. Tenho horror a jornalistas e acho que vivi melhor assim. Eu adorava mentir para eles. (Aliás, meu nome não era Frances, mas Fannie.)
Faça a Consolidação das Leis Sociais ampliando os programas que já existem e crie outros. O Getúlio Vargas, que é amigo do meu chefe e detesta o seu, diz que o Bolsa Família é demagogia, mas gosta do ProUni. Eu gosto de todos.
Sei que a senhora é candidata a presidente da República e que está sendo acusada de buscar alianças com larápios. Faz muito bem. Quando o corrupto vem para o nosso lado, podemos confiar na sua lealdade. Eles nunca me decepcionaram.
Finalmente, um conselho: procure economizar. Eu conheço o seu patrimônio. É menor que o meu quando fui para o governo. Pois até vir para cá, em 1965, aos 85 anos, eu morava de favor na Universidade de Cornell. Muito cordialmente, Frances Perkins.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Mídia Impressa

Nesta semana de Futurecom, o Estadão publicou matéria de capa sobre a Feira do Livro de Frankfurt e sobre o e-book, que chegou rasgando no Brasil, como diria o Galvão Bueno. Mais de 5 mil títulos e preços que, nos EUA, variam de US$ 1,50 a US$ 10, em média. Você pode consultar o dicionário e assinalar frases sem deixar a sua marca indelével na história, como diria Fiori Giglioti. Infelizmente, não vi o produto nos varejões dos jornais desta sexta-feira, como não os verei neste fim de semana. A minha fantasia sempre foi abrir jornal e achar encartes vendendo motor de barco, rolex e champagne francês, em vez de liquidificadores. Não vai rolar.

Também não vou entrar naquela discussão antiquada (mesmo para o Roberto Faith) de quem veio depois e irá antes, o “suporte” papel ou o “meio” eletrônico, pergunta com a qual os jornalistas de vídeo sempre se deparam, ao serem entrevistados por seus colegas dos canais universitários: “O rádio não acabou com a televisão”, eles respondem, complacentes. Mas uma dúvida permanece: o jornal impresso está perdendo o seu poder de influência?

Há poucas semanas, coordenei uma pesquisa junto a um grupo de gestores de Comunicação para aprimorar o monitoramento de imagem que fazemos para empresas e instituições com presença constante na mídia. Algumas opiniões surpreenderam. Em relação ao último termômetro que acompanhei de perto, o rádio, nos grandes centros – onde o trânsito é sempre difícil – subiu de patamar (de 2 pontos para 2,5, numa escala de 0 a 10), assim como a TV (de 3,5 para 4), e a Internet (de 1 para 1,5), enquanto que a mídia impressa, com toda a consideração dos jornais gratuitos ou semigratuitos, caiu de 6 para 5.

Sempre lemos muito menos que os vizinhos argentinos, por exemplo – e não por acaso, apesar da relação complicada dos jornais de lá com o(s) governo(s), que não vem de hoje – mas estaríamos lendo menos ainda? – Parece que sim, Infelizmente. Mas, então, por que o jornal impresso influi mais, na formação da opinião pública, do que os outros meios? – Certamente, a credibilidade (que as empresas deveriam fortalecer, fugindo dos partidarismos); sem dúvida, a durabilidade (apesar da ilustração acima, uma brincadeira minha com o José Paulo Kupffer); a qualidade, muito fácil de se aferir, até numa simples comparação de edições concorrentes, mas, acima de tudo, a capacidade de pautar a sociedade, influenciando a cabeça dos fazedores do jornalismo, que, felizmente (ainda) estão por aí e (ainda) pensam.

Todo esse arrazoado aí acima, na verdade, não tem outro propósito senão saudar os ventos de Lisboa e dos grotões do Interior que vêm inflar a imprensa diária dos grandes centros, trazendo novo ânimo ao nosso sovado pensar: o Brasil Econômico (força, Costábile, força, Ricardo) e o Diário de São Paulo, no qual o Jota Ávido (salve, companheiro) deve preservar, não apenas o enfoque, mas uma redação de 380 pessoas. Benvindos! – E se você preferir uma análise mais séria e otimista (!) do fenômeno, é só ler o artigo do meu concorrente Matias Molina (ex-Gazeta Mercantil) no Estadão de hoje. Molina, desculpe a pretensão.

sábado, 3 de outubro de 2009

Aproveita, Rio

Deu Rio. Vamos torcer para que também ganhem: a infra-estrutura de transportes da cidade, a lisura nas obras, licenças e fiscalizações (com celeridade e sem ingerências políticas), eficiência na execução desses trabalhos, projetos para o uso - eficaz e efetivo - do equipamento a ser criado ou aperfeiçoado para os jogos, a injeção dos recursos na redução das desigualdades e da violência via Educação e cultura e tudo o mais que me faz sentir-me como um personagem de cartum do Jaguar. Este aí acima foi extraído do site colunistas.com.br.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Rio ou Chicago?

Joana Calmon, da Globonews (sem preconceito contra o sobrenome associado) foi a primeira repórter que vi transmitir uma notícia dando risada, como se fosse do CQC - hoje, 30/09/2009. Era sobre a chegada dos lobistas das cidades candidatas às Olimpíadas 2016 a Copenhagen, na Dinamarca, onde o Comitê Olímpico escolheria a cidade-sede dos jogos. Às gargalhadas, ela disse que Michelle Obama acabava de chegar, para antecipar o lobby que o marido faria pela eleição de Chicago no dia seguinte (a mulher do presidente norte-americano NÃO tropeçou na escada do avião) e que o Lula (provavelmente amigo de infância do avô da repórter, dada a intimidade) chegaria em seguida, com o mesmo objetivo, não de antecipar o lobby de Obama, claro, mas o de fortalecer a candidatura do Rio, ao lado de Pelé - que confundiria Michael Jordan com Michael Jackson, logo depois (isso ela não sabia).

Repórteres mal humorados são mais comuns, assim como as notícias pesadas sobre governantes como Lula e Obama ao lado de seus colegas Ahmadinejad, Micheletti, Kadafi, Bibi Netanyahu etc. Talvez isso desculpe a bela e jovem repórter. Afinal, aquela era a notícia descontraída (hoje obrigatória) do dia.

Mas o que me preocupou nessa história foi o silêncio sepulcral (é o termo) sobre o assassinato de golfinhos por jovens dinamarqueses das ilhas Feroe, numa espécie de bar-mitzvah macabro que tem sido tão divulgado nas redes sociais, nas últimas semanas, quanto ignorado pela mídia formal. Talvez por isso, a velha senhora venha perdendo tanto espaço e respeito, dos grandes salões às lanhouses da periferia, ultimamente.

Pode ser que o assassinato de jovens golfinhos por jovens dinamarqueses (que não têm mais nada de esquimós) não passe de uma grande conspiração do Greenpeace ou do WWF na Internet, mas não custava à mídia investigar. Afinal, o país Dinamarca vai abrigar, em dois meses, a Cop 15 - Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - conferência histórica que deve definir o futuro da humanidade baseada ética da nossa convivência com os recursos naturais. Se as correntes marinhas do deputado Gabeira chegarem a Ipanema manchadas de sangue, vai ser um deus-nos-acuda.

A imagem acima foi extraída do site http://www.do1thing.org/tag/homeless ,para você adivinhar se a foto foi feita no porão da Igreja da Candelária ou num home shelter da sweet home Chicago.

Pano rápido: Hugo, meu caro. Não pretendo me deslocar até Las Vegas para ver o espetáculo sensorial não-itinerante do Cirque du Soleil onde as poltronas conversam com você e tudo o mais. Não é assim que eu vejo circo. Mas o palhaço sideral que acaba de chegar aos telejornais me chamou a atenção. Cabe a você me convencer de que palhaço não merece respeito (não vale os doutores da alegria).

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Política da Empresa

A segunda dos computadores nos EUA apoiou Bush e o supermercado onde se começa o dia cantando recomendou Obama

Não tenho conseguido sair do tema da reforma política por achar que ele está na raiz de muitos de nossos males, contrariando avaliação do bel-letrista José Sarney, em cuja opinião, o demônio mora na mídia, que não respeita as instituições. Ocorre que, da reforminha eleitoral aprovada no Congresso, a única informação que chegou ao grande público, foi de que a propaganda política pela internet está liberada (ninguém sabe quem ou como alguém controlaria o mundo virtual). Ouvi o Boris Kasoy, pela Band News, inquirir a estimada colega, Dora Kramer, acerca de um pequeno detalhe da mini-reforma: - Por que os congressistas não mudaram um milímetro da regra das doações de campanha, por exemplo?

- Constrangimento, disse Dora, certamente enrubescida. – Eles dizem que a identificação poderia constranger os doadores. Tem razão: - Já pensou, se alguém descobre que eu doei dinheiro ao deputado João Paulo ou à senadora Roseana, uma passagem de avião para a sobrinha do Gabeira ou querosene para abastecer o jatinho de algum senador? – No mínimo, me chamariam para depor numa comissão de ética. Mas, vira e mexe - hoje mesmo (18), na FSP - alguém “denúncia” que tal empresa doou tanto ou quanto a este ou aquele parlamentar.

Segundo Dora Kramer, somente o Senado poderia alterar essa regra, porque, na Câmara, o número dos que estão se lixando para a opinião pública é maior. O voto no senador é individual, o que permite ao eleitor cobrá-lo por suas atitudes, ao passo que, para deputado federal, se vota no partido: ninguém se lembra em quem votou porque, muitas vezes, o voto em beltrano elegeu cicrano.

Quando eu sugeri uma campanha atrelando o voto ao compromisso do candidato com uma reforma política maiúscula, me chamaram de ingênuo. Em seguida, a campanha da ficha limpa subiu os degraus da mansão habitada pela grande senhora (a mídia). São boas discussões, se me permite a modéstia. - Por que não levá-las aos auditórios das grandes empresas e instituições, sempre antenadas com o desenvolvimento social de seus colaboradores?

A preocupação com a Internet na reforminha, por outro lado, mostrou que a sociedade (ou os seus representantes) começa a perceber a transição da mídia, influenciada pelas redes sociais, ou a mudança da sociedade industrial para a sociedade do conhecimento, como prefere um amigo meu. A proibição aos blogs e twitters de jornalistas da Globo e da FSP não-associados a essas empresas é outro sintoma. Mais um: há três dias, recebi um e-mail com fotos do assassinato de baleias num ritual de passagem macabro de jovens da Dinamarca de Kierkegaard. Ontem, a TV mostrou a matança de focas no civilizado Canadá.

Mas não é só a Internet na política, a campanha da ficha limpa, ou da moral ilibada do senador Pedro Simon, o voto distrital ou a caixa preta das doações de campanha que merecem uma boa conversa nas empresas, derrubando o tabu de que negócios e política não se misturam. Esse mesmo tabu já caberia num debate. E por que não se promoverem fóruns com funcionários representando candidatos ou partidos, como nos julgamentos simulados que as faculdades de Direito promovem ou promoviam, buscando esclarecer as pessoas quanto às propostas e compromissos de seus representantes nas instituições que o ex-presidente Sarney quer ver respeitadas?

Pelo menos um grande grupo empresarial brasileiro orienta seus diretores e média gerência a apoiar abertamente os seus candidatos nas eleições municipais, estaduais e federais, por considerar-se parte de uma sociedade que tem o direito e o dever de influir nas decisões que também lhe dizem respeito. Vários executivos de Comunicação que conheço mostraram simpatia pela idéia dos debates políticos nas organizações, mas não se arriscaram (ainda) a fazê-lo abertamente. Quem sabe este post lhes sirva como um ponto de partida.

Ilustração: houseodudes.blogspot, reproduzindo Scott Adams (www.dilbert.com) em entrevista à CNN explicando apoio ao candidato John McCain.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Só um pouquinho

Antes que me espremam no próprio gol, como o Maradona disse que faria com o Brasil, no último sábado, devo esclarecer que a ética profissional me impede de comentar o tema do momento, exceto que o pré-sal conseguiu unir governo e PSDB, coisa rara, naquilo que ambos julgam essencial: o conceito. Dito isso, passemos ao próximo tema: se para alguns, a Lei de Gerson é um fantasma Moral que vem assombrar até inocentes costumes – como o de passar pela padaria com os filhos que acabamos de pegar no colégio, consumindo cinco minutos do lazer dos coitados – para outros, já complica condescender só um pouquinho.

Tem até uma entidade com o nome dessa bolinha que o Hegel, sobrinho desnaturado do Kant e tio igualmente do Marx, bateu no paredão durante anos, para depois nos rebater direitinho. Gente séria, esse pessoal do instituto de ética. Concordo com boa parte do que eles pregam, embora eles tenham lá seus interesses. Velhos combatentes da gloriosa armada britânica, em luta contra a pirataria que se espalhou por aí, como cães e produtos chineses, para muito além do Caribe.

Antes que me venham com o Buarque de Hollanda, o Sérgio, Mário de Andrade e Darcy Ribeiro, previno: não sou daqueles que desce a lenha no jeitinho e na malemolência daqui, como um estóico qualquer. Afinal, nem a dona Susane, da BMW, resistiu à baba do lobo mais mediterrâneo que a mão dela conseguia alcançar, ali nos Alpes suíços. Mas, no outro dia, me puseram numa mesa bem em frente à entrada do único café lisboeta que eu conheço em São Paulo, a Bella Paulista (você paga pelo tempo que ocupa a mesa, ou quase isso): um ponto de observação privilegiado.

Está bem, eu tinha bebido um porto, mas vi pelo menos dois casais entrando com crianças, cada casal com a sua: um ruivo e uma bela morena com uma garota lourinha, e um tipo moreno com uma loura e um garotinho de traços orientais. Pareciam recém-saídos de uma loja de brinquedos, os pais. Maravilha, pensei: a adoção está bombando, e não é o marketing da Firma, aquela pizzaria de Maresias que defende a adoção de cães abandonados, igualmente louvável. Fui dormir feliz. Mas hoje, saiu o laudo do Conselho Regional de Medicina sobre as práticas do Dr. Abdelmassih, aquele que botava só um pouquinho de citoplasma de mulher mais jovem em seus programas de fertilização. A confirmação das suspeitas de Eugenia (além das outras, é claro), me deu calafrios.

Não sou nenhuma vestal. Já me curvei às circunstâncias e guardei, no bolso do colete, certos princípios dos quais jurara não me afastar, fosse por causa nobre ou pequeno vício. E entendo a ansiedade das pessoas que não podem, mas sonham, ter filhos. Ocorre que a prisão desse médico e a proposta de outras boutiques de fertilização de lá e daqui (veja abaixo) sugerem um joguinho de tênis, urgente, entre a Ética e o Direito, uma vez que o da Biociência com a Religião deu empate. Afinal, se o Dr. Roger, chegou, de fato, a propor a algumas esposas que não se incomodassem em contar para o marido que óvulos de mulheres mais jovens tinham sido usados em sua gestação, onde, de pouquinho em pouquinho, vamos chegar?

Repare nos argumentos do médico italiano Severino Altinori para justificar a linha de montagem em que sua clínica se transformou, reproduzidos no artigo da pesquisadora e professora Débora Diniz, da UnB (OESP, 31/08), que você encontra no http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup427389,0.htm

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Voto atrelado à Reforma Política

A mídia é uma senhora interessante, mas orgulhosa. Portanto, ao difundir esta idéia – caso vocês concordem com ela – tenham cuidado: embora o apoio das filhas adolescentes dessa dama seja indispensável (as Redes Sociais), o dela é essencial. Mesmo que não seja, como diria Torquato Neto, bem antes de Caetano. Que me perdoem Bobbio, Blondel, Giusti Tavares, Reali, Santos, Lamounier e todos os demais estudiosos do tema, mas a idéia é simples: votamos nos candidatos que se comprometerem publicamente a aprovar uma reforma política cuja proporcionalidade nos represente, de fato, no Congresso Nacional.

Uma semana abençoada de trabalho impediu-me de colher depoimentos de especialistas – o que ainda pretendo fazer – em busca dos fundamentos de um projeto básico de reforma política e eleitoral que substituísse seus desfigurados antecessores, resultando numa fórmula facilmente compreensível por qualquer eleitor. Prometo trabalhar nisso, apesar da complexidade do tema, que não se esgota na sub-representação federativa de São Paulo, nem no debate sobre um parlamento unicameral, como pensa a maioria. Esta seria a pedra de toque capaz de vencer a enorme resistência que essa proposta irá enfrentar.

Além desse desafio, temos a pequena tarefa de mobilizar as pessoas num movimento semelhante ao das Diretas Já, que abreviaram a morte lenta da Redentora, nos anos 80 e o impeachment de Collor, nos 90. A quem esteve fora do país, durante a crise no Senado, ou quiser nos acusar de estar promovendo uma chantagem com a classe política, mostraremos alguns números levantados pelo amigo José Roberto Caetano e publicados na edição 949 da revista Exame (página 20) , que ainda está circulando, e que traz como destaque depoimentos de presidentes de empresas que ficaram sem bônus este ano. Os parlamentare brasileiros recebem cerca de US$ 125 mil de remuneração média anual, produziram 7.574 matérias com alguma relevância social no período de 2003 a 2009, 262 das quais foram aprovadas.


Obviamente, o jornalista não contabilizou os montantes envolvidos nos atos secretos (empregos, contratos etc), nem nas verbas indenizatórias, mansões no Lago Sul, apartamentos ocupados por serviçais dos parlamentares, combustível dos jatinhos, remuneração de parentes empregados nos gabinetes de parlamentares amigos, ou comissões pagas a intermediários na concessão de crédito consignado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Salvar o Jornalismo


No Roda-Viva de ontem (17/08) com Demi Gestchko, presidente do Nic.br (Núcleo de Informação do Comitê Gestor da Internet no Brasil), o professor Sílvio Meira, da UFPE, que também é cientista-chefe do CESAR (Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife) ajeitou, com uma freada brusca, os passageiros do bonde que discutia o futuro dos jornais atropelados pela Internet: “Não se trata de salvar os jornais, mas o Jornalismo”, assinalou.

Jornalismo x conteúdo grátis, essa briga que o Chris Anderson encontrou para vender os seus livros Free-Grátis (R$ 59,90) e A Cauda Longa (R$ 65,00) não resiste à mera reflexão de quem faz o quê, como lembrou a amiga Lúcia Guimarães, em artigo publicado há dias no Estadão. Também não se trata simplesmente de hierarquizar as informações, como ouvi, pela primeira vez, de Roberto Civita, numa conversa em Buenos Aires, há dois anos. A sacada de Gay Talese (O Reino e o Poder), em visita recente ao Brasil, também foi relevante, ao lembrar que o Jornalismo requer o que chamávamos (no tempo do Nelson Motta) de esforço de reportagem.

Nem o marketing dos papas-defunto, nem o impacto da tecnologia e da mobilidade, nem a preguiça pura e simples que grassa na sociedade contemporânea (não se preocupem, não está no Google) vão acabar com o Jornalismo, essa combinação irresistível de realidade, argúcia, perspicácia, determinação e talento, sobre uma fina massa (crocante) de conhecimento, como ilustram as campanhas recentes da mosca da Folha e do Estadão de hoje (página A22).

Mas não é o Marketing, nem o desespero das tiragens estagnadas – enquanto o papel e o diesel não param de subir – que vão salvar o Jornalismo. Além da qualidade da produção (vide reportagens do médico, do bispo e da família do coronel), é preciso ter cuidado com a customização excessiva, as pesquisas, a partidarização. Podem me chamar de Poliana, mas, na minha opinião, a única forma de fortalecer a velha instituição – que vai continuar permeando as redes sociais, os celulares, os kindles e as lousas eletrônicas – é a recuperação do seu velho espírito: isenção, criticismo e análise.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Antifumo esbarra na Lei Psiu

A lei antifumo entrou em vigor no dia 7 de agosto em todo o Estado de SP. Nesta sexta-feira, dia 14 de agosto, sete dias após o início, as determinações da lei antifumo começam a bater de encontro com uma outra lei da capital paulista, a lei Psiu. (Daniela Paixão, UOL Notícias, 14/08).

Márcia, Daniela, Janaína (donas de bar, livraria e restaurante na região da Praça Roosevelt, com as quais conversei, ontem à noite): como vocês vêem, estou ficando lento – a imprensa chegou na frente. Mas a minha intenção, neste post, não era discutir o conflito entre as duas Leis, o seu mérito, as distorções (os bares não podem colocar cinzeiros na calçada) ou o acúmulo de restrições e a dificuldade de acesso à diversão e à cultura nas grandes cidades.

Afinal, com a lei Antifumo, ganharam: a saúde dos garçons, a gastronomia, os não-fumantes que bebem; perderam: os bares em geral, os fumantes e a autonomia dos proprietários desses estabelecimentos. Com a lei Psiu, foram beneficiados os moradores da Vila Madalena e do Leblon (principalmente); perderam os boêmios, os baladeiros, os piratas, os marinheiros, os artistas, as dançarinas, os cabarés e tudo o mais que canta o fado. Dá para harmonizar essa paisagem? – As pessoas dizem que sim. Que os fumantes farão silêncio, que os bares poderão colocar cinzeiros nas calçadas, que os fumódromos se integrarão às casas noturnas e bares para fumantes serão permitidos, como os de Holanda.

Mas o que me intriga nessa questão é o desvio, o excesso, a unilateralidade, a presunção, toda essa parentada do autoritarismo. Não é conversa de hippie. Quem enfrentou uma ditadura e foi obrigado e cruzar o oceano, em busca de outro horizonte, sabe disso. Muitos de nós, aliás, ainda estão por aí, em barcos separados – é a vida – mas meio esquecidos do que representa uma tempestade em alto mar. Sim, governar a sociedade atual é mais difícil. Não se navega sem piloto, de acordo. Mas, convenhamos: o assessor da subprefeitura que comandou as pesadas multas aplicadas aos bares, teatros, livraria e restaurantes da Praça Roosevelt, no último final de semana, e depois comandou o pânico, na festa Gambiarra, do Hotel Cambridge (onde a classe teatral costuma se divertir), exagerou.

Assim como as mudanças do trânsito no meu bairro, o Brooklin, há duas semanas, pela CET, as novas regras não foram precedidas por uma pesquisa das necessidades, características e condições de funcionamento dos estabelecimentos acima citados – e isso também me preocupa. Não dá para impor regras traçadas num gabinete sem considerar as variáveis citadas, a experiência local, sem consultar os interessados, enfim, sem participação. A não ser no caso do reizinho que ilustra este post, cujo pai, Otto Soglow, morto em 1975, observou com fina ironia, no traço fácil que ilustrou jornais de todo o mundo, da década de 1940 até sua morte.


Ilustração retirada do site www.meguimaraes.com/subrosa/arquivo/cat_blog.html

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Conteúdo

Depois da badalada estréia dos Parlapatões na última sexta (7/08) e mesmo correndo o risco de ser chamado de Senador por favorecer os amigos neste blog – mais concorrido que o do Abílio Diniz, que começou hoje – ouso comemorar o aniversário de um outro escritor, o Jorge Amado (10/08) indicando o novo álbum do Spacca, Jubiabá, que a Cia das Letras lança nesta quinta-feira, às sete da noite, na livraria HQMIX , justamente ao lado dos Satyros e dos Parlapatões, na Praça Roosevelt. - Quem sabe o livro não vai parar no supermercado? - Mudando de tema, bons tempos aqueles, em que artistas como Jorge podiam ter esperança, mesmo traçando o perfil de uma sociedade injusta e desigual. Hoje, tenho que fazer força para vencer o cinismo, o que só agravaria a barbárie. Tento compensar cenas como as que foram mostradas no Repórter Record ontem (9) – nada parecidas com o argumento de Jubiabá e semelhantes só na forma ao Notícias de uma Guerra Particular, de João Moreira Salles – com a peça dos parlapas, o álbum do Spacca, o filme da Taciana e do Arnaldo Antunes ( http://www.youtube.com/watch?v=1bklffwG1MQ) e o sonho de Marina Silva candidata, inspirado pelo bom programa de Cristiana Lobo deste último sábado (8) na Globonews. Além, é claro, do novo espetáculo da trupe dos Pederneiras, um patrocínio à prova de CPI. Tudo gente de verdade, que tive o privilégio de ver e ouvir, em conversa ou entrevista, em tempos recentes.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Hoje não tem Senado

Sem o Senado (você sabe que o fim de semana, em Brasília, tem quatro dias), a sugestão de hoje – para quem está ou vem a São Paulo – é ver a estréia dos Parlapatões (os autênticos) que, pelo menos, são profissionais. O Papa e a Bruxa, com direção de Hugo Possolo, promete, embora o autor garanta que não se discute a fé de ninguém, mas sim o que se faz com ela. Esteban Hernandez e a bispa Sônia - de volta ao país - não deixam dúvidas a respeito. A comédia é de Dario Fo, traduzida por Luca Baldovino e começa às 21 horas, no Espaço Parlapatões, na Praça Roosevelt, 158. No elenco, a antiga trupe dos parlapas (Henrique Stroeter, Raul Barreto), mais:Carmo Murano, Fabek Capreri, Alexandre Bamba, Fernanda Cunha, Hélio Pottes, Guilherme Tomé e Rodrigo Bella Dona, que não se parece com o que o nome indica, mas lembra o cura de aldeia que acredita em Hugo Tognazzi no Amici Miei-1, de Mauro Monicelli, quando os amigos convencem fiéis de que a igreja local será demolida para dar lugar a uma nova carretera.

Obs. Espero que os parlapas não se ofendam comigo, como os pizzaiolos naquele episódio em que o presidente Lula os comparou aos congressistas.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Folha do Estadão

A foto de Celso Jr, da Agência Estado, na capa do Estadão de ontem, faria Roland Barthes (1915-1980) cantarolar no chuveiro: Sarney e um de seus atuais acólitos e ex-inimigos mortais, Fernando Collor, falam mais do que nós profissionais do texto, conseguiríamos, sobre a nuvem negra que paira sobre nossas cabeças há várias semanas. Não podemos nos esquecer desses fatos nas eleições de 2010. Na reputação do PT, coitado, o rombo pode ser pior que o do Mensalão. Por enquanto, a nossa vingança dessa crise é que nos kindles de História do futuro próximo, Sarney e Roberto Jefferson, farão companhia um ao outro, na mesma linha (como aqui). Já a foto do Estadão de ontem (04) e o artigo de Clovis Rossi na Folha de hoje (05) merecem andar juntos. Como esse casamento era impossível, o faço aqui, para ver como um ficaria ao lado do outro. E para não ficar só no elogio à nobre senhora, por que a Globo não revelou, em seu noticiário de hoje (05) a marca da “indústria automotiva” invadida há pouco por uma tropa de choque, na Coréia do Sul, para acabar com uma ocupação dos operários que já durava 40 dias, decorrente de um protesto contra demissões? – Teria alguma coisa a ver com a campanha do Kia-Soul veiculada no horário nobre da emissora há alguns dias? – Não creio. Departamentos comercial e redação, nos grandes veículos, funcionam separadamente, justamente para evitar esse tipo de confusão.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Resiliência

Vinte empresas foram multadas pelo PROCON-SP ontem (30) por descumprir as novas regras do telemarketing que exigem o atendimento do cliente em menos de um minuto (Decreto 6.523). Três sofreram as maiores punições e tiveram suas marcas reveladas pela grande imprensa (FSP, OG, OESP, Joven Pan-SP). As verificações do Procon ocorreram nos meses de dezembro de 2008 – quando as novas normas entraram em vigor – e em março deste ano. Uma das três empresas disse que vai recorrer da punição, a outra estuda fazê-lo.

Minha primeira reação foi comemorar em silêncio: há dois dias, liguei para um fabricante de eletrodomésticos (minha TV, recém-adquirida, apresentou defeito) e fui atendido em menos de 10 segundos: a resposta da opção 4, Reclamações, foi de que eu acionara um número inválido. Ontem, liguei para uma companhia aérea, para trocar milhas por uma passagem. Fui atendido em menos de 20 segundos, mas passei por seis instâncias e esperei sete minutos para falar com a operadora. Infelizmente, ser atendido em menos de um minuto não garante um bom atendimento.

Teoricamente, a punição às empresas apontadas pela mídia representa um dano de imagem a marcas que, em face desse desgaste, se esforçariam para melhorar a sua conduta. Teoricamente. Das três empresas que receberam as maiores punições do PROCON, uma é líder no ranking de qualidade no atendimento da agência reguladora de sua atividade, que considera, além do tempo de resposta, indicadores mais precisos e mais abrangentes. A outra – que não está mal posicionada nesse mesmo ranking – veicula, neste momento, por meio de campanha de massa, uma das promoções mais atrativas que se tem notícia, nesse mercado. A terceira é tida como a melhor (ou a menos ruim) no seu setor de atividade e patrocina - como gente grande - a modalidade esportiva da qual o país mais necessita de apoio e investimento, o Atletismo.

Nos três casos, a forte resiliência das marcas apontadas como as vilãs de uma regulamentação pouco efetiva e nada eficaz se não anulou, pelo menos atenuou significativamente o impacto das punições. Prova de que, no choque do investimento sustentado na imagem de marca com uma ação apoiada no marketing da denúncia pela denúncia (sem um exame mais criterioso de seus motivos), esta segunda força se destrói.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Mais lenha para a discussão (vide post 01/07 Quem Patrocina a Seleção?)

Folha de S.Paulo, 30 de julho de 2009 - página D5
JUCA KFOURI
Deixem Jesus em paz

Está ficando a cada dia mais insuportável o proselitismo religioso que invadiu o futebol brasileiro


MEU PAI , na primeira vez em que me ouviu dizer que eu era ateu, me disse para mudar o discurso e dizer que eu era agnóstico: "Você não tem cultura para se dizer ateu", sentenciou. Confesso que fiquei meio sem entender. Até que, nem faz muito tempo, pude ler "Em que Creem os que Não Creem", uma troca de cartas entre Umberto Eco e o cardeal Martini, de Milão, livro editado no Brasil pela editora Record.


De fato, o velho tinha razão, motivo pelo qual, ele mesmo, incomparavelmente mais culto, se dissesse agnóstico, embora fosse ateu. Pois o embate entre Eco e Martini, principalmente pelos argumentos do brilhante cardeal milanês, não é coisa para qualquer um, tamanha a profundidade filosófica e teológica do religioso. Dele entendi, se tanto, uns 10%. E olhe lá.

Eco, não menos brilhante, é mais fácil de entender em seu ateísmo. Até então, me bastava com o pensador marxista, também italiano, Antonio Gramsci, que evoluiu da clássica visão que tratava a religião como ópio do povo para vê-la inclusive com características revolucionárias, razão pela qual pregava a tolerância, a compreensão, principalmente com o catolicismo.

E negar o papel de resistência e de vanguarda de setores religiosos durante a ditadura brasileira equivaleria a um crime de falso testemunho, o que me levou, à época, a andar próximo da Igreja, sem deixar de fazer pequenas provocações, com todo respeito. Respeito que preservo, apesar de, e com o perdão por tamanha digressão, me pareça pecado usar o nome em vão de quem nada tem a ver com futebol, coisa que, se bem me lembro de minhas aulas de catecismo, está no segundo mandamento das leis de Deus.

E como o santo nome anda sendo usado em vão por jogadores da seleção brasileira, de Kaká ao capitão Lúcio, passando por pretendentes a ela, como o goleiro Fábio, do Cruzeiro, e chegando aos apenas chatos, como Roberto Brum.

Ninguém, rigorosamente ninguém, mesmo que seja evangélico, protestante, católico, muçulmano, judeu, budista ou o que for, deveria fazer merchan religioso em jogos de futebol nem usar camisetas de propaganda demagógicas e até em inglês, além de repetir ameaças sobre o fogo eterno e baboseiras semelhantes, como as da enlouquecida pastora casada com Kaká, uma mocinha fanática, fundamentalista ou esperta demais para tentar nos convencer que foi Deus quem pôs dinheiro no Real Madrid para contratar seu jovem marido em plena crise mundial.

Ora, há limites para tudo.

É um tal de jogador comemorar gol olhando e apontando para o céu como se tivesse alguém lá em cima responsável pela façanha, um despropósito, por exemplo, com os goleiros evangélicos, que deveriam olhar também para o alto e fazer um gesto obsceno a cada gol que levassem de seus irmãos...

Ora bolas! Que cada um faça o que bem entender de suas crenças nos locais apropriados para tal, mas não queiram impingi-las nossas goelas abaixo, porque fazê-lo é uma invasão inadmissível e irritante. Não mesmo é à toa que Deus prefere os ateus...

domingo, 26 de julho de 2009

Teorema de Waack


O médico do piloto Felipe Massa, Dino Altmann, afirmou, na manhã deste domingo (26), que segundo o neurologista que trata do caso do brasileiro, houve uma melhora no quadro de saúde do piloto. "Ele tem um pouco de afundamento do osso, mas não tem lesão no tecido nervoso do cérebro. O olho não foi afetado. O osso que envolve o olho, que a gente chama de órbita ocular, teve uma fratura. Isso faz parte da lesão que ele teve, mas isso não deve trazer nenhum problema para a visão. É uma situação grave, mas risco iminente de morte, na minha opinião, não existe", disse (Uol, 26/07, 9h01). Uma vez que o moço está fora de perigo, podemos conversar sobre a cobertura da TV Globo, neste fim de semana de poucas notícias nas redações.

O tom dramático da matéria de abertura do Jornal Nacional de ontem (25) sedimentou a chamada no estilo Aqui, Agora do melhor âncora da TV brasileira, William Waack (prêmio Comunique-se 2009), por volta das 19h30 daquela mesma data: o jornalista escondeu o adjetivo induzido por trás do coma do piloto. Foi para garantir mais alguns pontos de Ibope ao maior jornal da tevê brasileira ou por alguma outra razão? - O que deu em você, Waack? perguntei-me, na mesma hora.

Na abertura do JN, Carla Vilhena pareceu tentar compensar a derrapagem: ela destacou a palavra induzido ao falar do coma de Massa, ao contrário do parceiro, momentos antes. Já a matéria da repórter Mariana Becker foi para o ar do jeito que deu: “Felipe Massa sai reto da curva, bate na barreira de pneus e não mexe mais a cabeça. Desacordado, não muda de direção. A pista é rastreada pelos fiscais. A espera por notícias de um dos pilotos mais populares da fórmula um pára o treino, cala o autódromo. A busca de informações começa entre as equipes. Os companheiros dele, o irmão, Edu, estão suspensos numa expectativa assustadora. Ele é atendido na pista, coberto por lençóis e levado ao Centro Médico”. Praticamente um enterro, ironizou um sobrinho (engenheiro) que assistia ao noticiário ao meu lado, certo de que a situação não era tão dramática.

Coube a Galvão Bueno, tão criticado, o solo da gafieira, na terceira reportagem da edição sobre o assunto (a segunda foi A Viagem da Família para a Hungria, que terminou com um close da esposa do piloto, Rafaela, pedindo orações às pessoas que tem fé). Na qualidade de uma das sete pessoas que tiveram acesso centro cirúrgico, Galvão falou: “É bom que se explique isso, que o coma induzido não tem nada a ver com estado de coma. É muito sedativo para que ele descanse ao máximo”.

Eu me recuso a discutir, neste espaço, o entusiasmo da repórter (ela fazia uma cobertura esportiva), mas o Teorema de Waack me chamou a atenção: - Afinal, foi um deslize do profissional de alta envergadura (com fama de elitista) que trabalha num veículo de massa, ou uma falha da emissora, cada vez mais ameaçada pela concorrência, nessa arena em que o Pedro Bial é disputado a peso de ouro com a TV do Sílvio Santos? A explicação de William, na passagem para Galvão, não me ajudou a elucidar o enigma: "Fiquei gelado ao saber da notícia, lembrando a morte de Aírton, mas agora, graças a Deus, uma coisa parece não ter nada a ver com a outra", explicou o âncora.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

De Zelaya a Caetano



O que a imprensa nos trouxe de mais importante nesta semana? – As falcatruas da família Sarney? – A luta de Zelaya para voltar ao poder? – As novas explicações de Temporão para o descontrole da Gripe Suína? – O risco eleitoral que o Celso Ming queria ver na ata do Copom, ou o menor nível de desemprego do ano? – Para alguns, a troca de farpas entre Hillary Clinton e Pyongyong foi mais instrutiva, em outros corações, a desmontagem do Corinthians calou fundo.

Na minha opinião, porém, se as faculdades de Jornalismo ainda existissem, a peça de estudo da semana seria a entrevista de Caetano Veloso à Folha de S. Paulo, na Ilustrada desta quarta-feira (22), exemplo do que o jornalismo ainda pode produzir. Um amigo (jornalista) comentou: “Guardei para ler à noite por saber que quando ele fala, sempre se aproveita alguma coisa”.

Por ter envelhecido junto (bem), a nossa geração se reconhece no artista: “Tenho saudade da alegria física da juventude, da elasticidade do corpo, do jato forte da urina, das ereções firmes” (leituras de Phillip Roth); “Passei a ser programaticamente antirreligioso porque ser antirreligioso me parecia uma repressão da religiosidade”; “Disse a Gil que ele seria no máximo um Lula do Lula” – Onde mais se leria essas frases?

Seguem trechos de notícias de guerra, para forçar a comparação: “Micheletti é um gorila que cometeu assassinatos, violação de direitos humanos e traição”; “O toque de recolher não provocou danos porque a atividade produtiva funciona de dia”. Ou: “Só podemos considerar a sra. Clinton como uma dama engraçada que às vezes parece uma aluna no ensino básico, outras, uma aposentada indo às compras”. Ou, ainda: “Alguns dos presos confessaram trabalhar para inimigos estrangeiros com o objetivo de desestabilizar o Irã”.

A cuidadosa edição da entrevista de Caetano Veloso, no fio da navalha, e detalhes como o precioso título, “Caetano estrila” (estrela?) sobre o rosto congestionado do artista, ou o registro discreto “nesta entrevista que ele preferiu fazer por e-mail” não esconderam a origem do evento, no jornal que não resiste à polêmica. Além do marketing da mosca que nasceu pra lhe abusar, transpareceu a gostosa nostalgia dos Comentários da Semana, de Machadão, no Diário do Rio de Janeiro (1861), das polêmicas de Pessoa e Sá Carneiro na Lisboa do começo do século e das crônicas de Carlinhos Oliveira no Diário Carioca e JB dos 60 a 80.

Pouco importam a Lei Rouanet , as rabugices do artista ou a independência eventualmente demagógica da Folha: o conteúdo, como se diz hoje em dia, vale o seu tempo.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O risco eleitoral e o deus Mercado



Se o Celso Ming não fosse competente, não resistiria a tantos anos na vitrine do colunismo econômico brasileiro. No entanto, permito-me fazer algumas observações sobre o seu artigo de hoje (22) no Estadão, Risco Eleitoral, sobre a precificação, pelo deus Mercado, da eleição de qualquer um dos dois principais candidatos à presidência da República em 2010, a ministra Dilma ou o governador Serra tidos, ambos, como antípodas da política econômica conduzida pelo atual presidente do BC, Henrique Meirelles: afinal, os juros futuros estão subindo!.

A duas páginas de distância do artigo de Ming – e é isso o que me dá saudades do jornalismo impresso – o mesmo Estadão informou a queda de R$ 56,4 bi na arrecadação do governo, sem a devida contrapartida em cortes no orçamento deste ano, ao contrário do que imaginava o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, recheado de boas intenções. Afinal, estamos às vésperas da eleição, a inflação está sob controle, os juros estão caindo, o real se apreciando e até os Estados Unidos – a maior economia do mundo – opõe, com discreto recato, o velho Keynes ao velho Adam Smith.

Significa que não se pode atribuir unicamente ao desenvolvimentismo de Dilma ou à independência de Serra – e muito menos, à saída de Meirelles do BC (prevista para daqui a alguns meses) – a expectativa de juros futuros elevados. Isso é uma aposta dos operadores que pode incluir, entre outras variáveis, uma avaliação excessivamente otimista do mercado interno ou uma análise muito pessimista do mercado externo. Além, é claro, do principal ingrediente de sua atividade, que é a especulação pura e simples. Afinal, todo mundo acredita (até os bancos) que a SELIC vai se manter em torno de 8,5% até o fim do ano, podendo voltar aos dois dígitos somente lá pelo segundo semestre do próximo ano.

Mas o que mais me chamou atenção no artigo do Ming não foi a tese e sim o corolário, no qual o articulista, meio bravo,recomendou aos dois pré-candidatos que exponham, desde já, seus planos (teses econômicas), para evitar que as expectativas se deteriorem no curto prazo. Pôxa, Celso, será que o Deus Mercado é assim tão poderoso?

sábado, 18 de julho de 2009

Pandemia e (DES)Informação


Estamos no país do Paulo Duque, Renan, Sarney e seus parentes (nossos funcionários), mas a pandemia do H1N1 também merece atenção. Há apenas dois dias, o governo admitiu a transmissão sustentada da gripe suína no Brasil. Há dois meses e 15 dias, a revista de Economia e Negócios aí acima alertava que a pandemia estava fora de controle. A matéria sustentava que o vírus da Gripe Suína é o mesmo da pandemia global de Influenza de 1968 e do surto apelidado de Gripe do Frango que emergiu em Hong Kong, em 1997. Recomendava que as autoridades sanitárias do hemisfério sul não esperassem o inverno para desenvolver, fabricar e distribuir a vacina contra a doença. No pé deste post, reproduzo a notícia publicada hoje pelo Uol: Vacina, só em 2010.

Não estou discutindo a pandemia. Recomendar é fácil. O que nos interessa, neste blog, é a informação. A transparência ou a falta de transparência de quem tinha a responsabilidade de informar a sociedade brasileira a respeito. Competência ou falta de competência da imprensa em lidar com o assunto. Não acompanhei de perto – confesso – essa cobertura. Mas também não vi, nem de longe, o JN ou a capa da Veja falarem com algum pesquisador brasileiro a respeito. Não faltaram médicos respeitáveis de hospitais de marcas respeitáveis aconselhando primeiras medidas na TV. Muito menos, coletivas do ministro Temporão tranquilizando a patuléia (a expressão é do Gáspari).

Enquanto isso, além da minha própria Gripe Suína, numa das 8 frentes frias que varreram o Estado, nos últimos dois meses (os plantonistas atarefados do Hospital São Luís preferiram não investigar porque não tínhamos viajado ao exterior) e do executivo norte-americano para o qual servi de intérprete numa farmácia da Av. Luis Carlos Berrini (ele queria a melhor vitamina C do país, recomendei uma norte-americana), uma amiga que esteve com o filho na clínica Sabará revelou o comentário da pediatra do garoto: “O MS nos orientou a notificar apenas os casos abaixo de 2 anos e acima dos 60”: imagino que entre médicos, ordens são para ser cumpridas.
Estive na inauguração da nova ala do Albert Einstein, em S.Paulo (23/06) quando a imprensa quase atropelou o ministro em busca de um sinal do governo sobre a endemia do H1N1 que alcançava um nível crítico, no Chile e na Argentina. Ele recomendou o cancelamento de viagens aos dois países, o que causou um mal estar com as nações amigas, mas garantiu, uma vez mais, que no Brasil, as coisas seriam diferentes. Alguma diferença à vista?

UOL 18/07/2009 - 14h43
Vacina contra gripe suína só vai ser produzida no Brasil em 2010

Da Redação*

A vacina para combater a influenza A (H1N1) - gripe suína - no Brasil só será produzida pela Instituto Butantan a partir de 2010. O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, negou que a ausência de uma vacina ainda para este ano se deva ao fato de a Organização Mundial da Saúde (OMS) não ter enviado a cepa do vírus ao Butantan.
Sobre os comentários: Teresinha, acho que a sua informação, no primeiro ítem, bate com a minha. E, na minha opinião, o alerta do MS foi tardio. Aliás, aquele pesquisador seu amigo da USP cujo nome me escapa já previu o que está acontecendo há mais de um ano, quando estudou a gripe do frango, lembra? - Quanto à ação da mídia está na raiz do meu comentário. Zé Arnaldo: alguns colegas pensam que as redações não deram a devida atenção ao fato por falta de estrutura. Outros sugerem uma sintonia com o governo para evitar o pânico. Desde sábado, o Uol vem acompanhando o assunto de perto. Ontem, a Folha publicou chamada de capa e hoje os noticiários televisivos devem ocupar o vácuo das revistas deste fim de semana.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Aconteceu? - Virou manchete.


O marketing viral – que os guerrilheiros chamam de viralzinho – às vezes se confunde com a guerrilha. Vejamos: um piloto de corrida vai jantar com seu carro de competição numa rua de restaurantes famosos. O manobrista (mecânico disfarçado) recolhe o veículo, a imprensa registra o fato e o retorno ao patrocinador está garantido. Cena 2: todo mundo que viu o moço passar pilotando aquele out-door ambulante vai comentar o fato com o vizinho. Você agrediu o consumidor em seu habitat, provocou surpresa e também o obrigou a sair falando da sua marca por aí. O que aconteceu nesse caso? –Guerrilha, viral ou ambos?

Ninguém que desenvolve alguma atividade criativa gosta de rótulos, mas falando de conceitos, o que me interessa é o ponto em que a marca vira notícia ou vice-versa, para tentar descobrir até onde o leitor-espectador-ouvinte-internauta percebe, admite, aprecia ou se cansa dessas práticas. Aí pode estar a chave que os meios de comunicação tentam decifrar – imprensa, inclusive – antes que a morte os separe do grande público. A essa esfinge devemos o recente tom mais coloquial do Bonner, o blog da Petrobras (e o recém-criado blog CPI da Petrobras), o novo Projeto Folhas e a campanha das moscas da Folha (e, claro, muito mais).

Exageros e juízos morais à parte, a Exame desta quinzena trouxe matéria sobre um vestível (tênis com chip) com amplo espaço à marca que pensou nisso primeiro. Quantos de nós vamos comprar um tênis com um microchip pregado no calcanhar é outra história. Na Coréia e no Japão, o celular com bafômetro rendeu páginas de “retorno”. No (meu) tempo das estratégias de Comunicação, criar uma promoção ou um produto com o único fito de chamar a atenção da imprensa era quase uma conspiração contra essa sólida instituição democrática. Hoje, isso virou baboseira. Interessa? – Virou Manchete. Mudou a mídia ou mudamos todos nós?

Considerando tudo isso - a guerrilha, o viral, o merchandising até no cinema, as casas de espetáculos e as rádios-marcas, as TVs do grande varejo, monitores de elevador, a persuação inconsciente etc, me ocorreu perguntar: - Alguém aí quer patrocinar uma conversa densa que pretendo ter com a minha mulher ainda esta noite? (ela tem um monte de amigas e está no Conselho do nosso condomínio, que tem assembléia marcada na semana que vem).

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Queimadas - Sugestão de Suíte

13/07/2009 - 08h26
Lavrador morre carbonizado em canavial em Pontal (SP)
Juliana Coissi, da Folha de S.Paulo, em Ribeirão Preto

O trabalhador rural Sidnei dos Santos, 40, foi encontrado morto carbonizado na Fazenda São Pedro, pertencente à Usina Bela Vista, em Pontal (351 km de SP). A vítima pertencia a uma equipe de funcionários da empresa que ateava fogo ao canavial na sexta (10) à noite. O Ministério do Trabalho e a Polícia Civil irão investigar as causas da morte.
Santos era responsável pela equipe de queima que ateava fogo em parte da plantação naquela noite. De acordo com informações da Polícia Militar, Santos entrou no canavial próximo à meia-noite. Os amigos deram por sua falta e começaram a procurá-lo. Algumas horas depois, ele foi localizado já carbonizado.

A equipe de perícia da Polícia Civil esteve no local. O corpo foi encaminhado para o IML (Instituto Médico Legal) de Ribeirão Preto. Santos, que era casado e tinha uma filha, foi enterrado anteontem em Pontal. O gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego, Paulo Cristino da Silva, disse que o órgão irá investigar se a morte ocorreu por inexperiência ou se houve falhas na segurança do trabalhador.

Essa notícia também foi transmitida hoje pela Globonews e G1 (Agestado), sem grande destaque (o tema do dia é Sarney e a governabilidade). Mesmo assim, fiquei interessado na suíte: será que a Única vai ser ouvida? Há poucos dias, um produtor rural da região admitiu, em conversa reservada, saber que a produtividade da colheita mecânica é 30% maior. "Mas não há dinheiro para investir", queixou-se. E disse que, pelo menos em São Paulo, as queimadas estão com os dias contados. Minha pergunta é: -Quantos? - No último acordo firmado pelo Estado com os produtores paulistas para reduzir gradualmente as queimadas, o governador Serra afirmou que, na prática, o acordo abreviou o prazo legal do fim das queimadas, de 2021 para 2014. Abaixo, uma outra notícia, publicada pelo Estadão em 1/07/2009.

Mecanização na colheita atingiu, entre abril e maio, 62% no Centro-Sul.
Levantamento do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) aponta que, entre abril e maio, os dois primeiros meses da safra 2009/2010, a colheita mecânica foi feita em 62% da área de cana no Centro-Sul e 67% da área paulista. No mesmo período da safra passada, a colheita mecânica atingiu 53% no Centro-Sul e 57% em São Paulo, maior Estado produtor.

O avanço da colheita mecânica não significa que a queima da palha da cana-de-açúcar tenha recuado na mesma proporção. Os dados do CTC mostram que 49% das áreas colhidas em São Paulo eram de cana crua, ante 47% em igual período do ano passado. O gerente-geral de Produtos do CTC, Luiz Antonio Dias Paes, explica que a existência de muitos equipamentos antigos nas propriedades leva à necessidade de queima antes de iniciar a colheita mecânica.

Aproveito para puxar a orelha do meu competente amigo, Ricardo Boechat, por ter promovido o tabaco em sua coluna na Isto É desta semana, enquanto a ministra Marina Silva descia o pau no produto (Dupla Prevenção, FSP, hoje, 13/07)

sábado, 11 de julho de 2009

O corpo e a mídia

André, você que está em férias e gosta do Tutty (desculpe os rabiscos), veja que boa coluna, publicada no Estadão no último dia 9, um dia depois que "a imprensa" perdeu a pista do corpo do Michael Jackson. Bom texto, mas o meu desfecho seria o seguinte:

Finalmente, um fã que gravava a cena do 28º andar de um prédio na Tompkins Square Park (O Diabo Veste Prada), descobriu que a limusine com o esquife desapareceu numa garagem da rua 42 East, de onde, em seguida, saiu um caminhão em alta velocidade, levando um containter vermelho na direção do JF Kennedy, onde - como eu soube mais tarde - um Airbus canadense esperava para trazer o astro, disfaçado de produtos importados da Inglaterra, para o ser enterrado anonimamente no Cemitério do Chora Menino.

Mas, André, não se preocupe, a "humilhação" não durou muito: no dia seguinte, "a imprensa" já tinha uma suspeita ou, pelo menos, uma hipótese não descartada de homicídio para justificar o balão. No mínimo, novos exames toxicológicos foram exigidos pela família (tudo sob segredo de investigação), o que também garantiria mais alguns dias de entertainement. Não era o Elvis que não tinha morrido?
PS Valeu, Hugo.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A TV aberta faz sua parte

Retomando a discussão das novas mídias mencionada aí abaixo, ainda dá tempo de conferir Som e Fúria (TV Globo, 22 hs), adaptação do Fernando Meirelles – sempre forte, brasileiro e universal – da série canadense “Slings and Arrows”, lançada em 2003. (Susan Coyne, Mark McKinney e Bob Martin). A produção consegue falar de intolerância religiosa (o pastor convidado a encomendar o defunto Lourenço Oliveira podia ter sido copiado e colado desses programas evangélicos), desvios da administração pública, preconceito, obscurantismo e obstáculos à produção cultural no país melhor do que muito folhetim. Além, é claro, da divina comédia de dramas humanos – paixão, vaidade, frustrações, poder e glória – nos quais o autor usado como pano de fundo, o velho Sheakespeare, foi mestre.

Pouco antes, vi no Metrópolis da TV Cultura matéria corajosa sobre o site http://www.teatroparaalguem.com.br/, que faz teatro pela internet. O apresentador-repórter Cunha Jr entrevistou a idealizadora do projeto, Renata Jesion (que divide a autoria com o fotógrafo e também diretor Nelson Ka) e, logo depois, o ator Claudinei Brandão, dos meus amigos Parlapatões, que encena um dos espetáculos em cartaz. O site tem uma casa com três palcos (sala de e-star, sótão e grande sala) onde você assiste a peças e minisséries que pretendo ver em breve. Digo matéria corajosa não só por tratar de um veículo alternativo na TV aberta – que sofre a concorrência direta das novas mídias – como pelo conteúdo informativo e cultural da reportagem, que faz companhia para a minissérie tratada no parágrafo acima e para outras produções de interesse como o Profissão Repórter e o CQC do Tas que, aqui entre nós, poderia começar mais cedo.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

O blog da Petrobras e seus desdobramentos



O blog Fatos e Dados, que a Petrobras inaugurou há um mês (03/06), com o objetivo de esclarecer os seus diferentes públicos sobre notícias em princípio infundadas, publicadas a seu respeito nos meios de comunicação, provocou uma forte reação da imprensa, nos dias subseqüentes: as perguntas começaram a ser publicadas antes das reportagens. Mas a iniciativa trouxe à luz um novo debate sobre o papel e as características da imprensa numa sociedade em que convivem produtores de conteúdo de diferentes matizes, veículos focados em públicos específicos e redes sociais.

Embora a democracia não possa prescindir de uma imprensa livre e forte, é fato que as novas tecnologias abalaram a estrutura dos meios convencionais a ponto de comprometer, ocasionalmente, alguns de seus princípios como a objetividade, a crítica e a isenção. Isso vem ocorrendo desde que as técnicas de marketing (pesquisa de mercado etc) começaram a interagir com a linha editorial de alguns veículos. No Brasil, a editorialização dos meios foi agravada por outras questões, como a crise de gestão de algumas empresas de comunicação (vide Gazeta Mercantil), algo que se conhece, mas raramente se discute.

Ao acompanhar o noticiário sobre a CPI da Petrobras desde a publicação de uma reportagem sobre a manobra contábil da companhia (10/05) – que deu origem requerimento do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) pedindo a instalação da CPI (FSP, 14/05) – pudemos observar dois fenômenos:

a) embora o principal meio formador de opinião no Brasil continue sendo a mídia impressa, a produção do noticiário já sofre uma grande influência – para se dizer o mínimo – dos blogs jornalísticos produzidos à margem da pauta dos grandes veículos, ao longo do dia;

b) a pressão sobre a Petrobras começou a aumentar a partir do dia 15/05, momento em que, apoiados pelos senadores da oposição, os veículos que já faziam uma cobertura crítica à Petrobras e ao governo – até por dever de ofício – começaram a investigar e a noticiar, como irregularidades, atos nem sempre ilícitos ou ilegítimos da companhia que, após a sua publicação, geravam uma nova rodada de críticas da oposição (suítes), realimentando a caldeira na qual se cozinhava a reputação da empresa.

Exemplos: as compras “sem licitação” protegidas pelo Decreto-Lei 2745 contra a Lei 8.666 defendida pelo TCU; a “inviabilidade técnica” da mamona na produção do biodiesel (inverídica); o sobrepreço na terraplenagem da refinaria Abreu Lima (investigado pela PF e TCU, com o apoio da Petrobras), e o estouro no orçamento do gasoduto Urucu-Manaus (justificado pelas condições adversas encontradas na região), entre outras.

Desde o início, o senador Álvaro Dias, autor do requerimento da CPI e o jornal que denunciou a manobra contábil da Petrobras, alimentaram interesses recíprocos no processo que deu origem ao blog Fatos e Dados. O senador tentava instalar a CPI da Petrobras desde agosto do ano passado, quando começou a questionar o aparelhamento político da companhia por conta de patrocínios sociais e culturais concedidos pela a ONGs e prefeituras ligadas ao PT. A manobra contábil e as investigações da PF nas operações Castelo de Areia (construtora Camargo Correia) e Águas Profundas (empreiteira Iesa) foram apenas coadjuvantes nessa investida.

Independentemente da CPI e da cena política, na qual figuraram, como pano de fundo, a crise do Senado e os desencontros na base aliada do governo, o blog criado pela Petrobras para manter seus stakeholders informados sobre o outro lado considerado indispensável no processo de apuração jornalística, trouxe de volta a discussão sobre responsabilidade e poder dos meios de comunicação. Afinal, os eventuais desvios de uma cobertura podem causar sérios danos na imagem e reputação de pessoas e instituições, bem como das próprias empresas jornalísticas, que também dependem de ativos intangíveis como a credibilidade.

Mas os meios alternativos de contato com a sociedade por parte de indivíduos, empresas e instituições afetadas pela informação que circula na sociedade não são privilégio da Petrobras. Recentemente (há dois meses) e guardadas as devidas proporções (público acadêmico, imprensa estadual), o jornal Estado de Minas e a Universidade Federal de Minas Gerais trocaram farpas numa situação semelhante, quando a instituição, sentindo-se injustiçada pelas denúncias de irregularidades publicadas sistematicamente pelo veículo – criou um blog para defender-se, no qual o próprio jornalista que vinha denunciando aqueles atos pediu direito de resposta.

O destaque que a própria mídia concedeu ao blog da Petrobras deveu-se, em grande parte, ao porte e à importância política e estratégica da companhia, mas, também, aos seguintes outros fatores:

1) Não é mais possível esconder fatos de grande repercussão política, social ou institucional na sociedade da informação;

2) Na própria blogosfera, empresas e instituições em situação de crise sempre terão, além de críticos, simpatizantes. No caso da Petrobras, os blogs dos simpatizantes Luís Nassif (04/06) e Paulo Henrique Amorim (05/06) começaram a divulgar o Fatos e Dados imediatamente após a sua criação;

3) A Petrobras cometeu um erro que nem o arrojo dessa experiência justifica: começou a publicar as perguntas dos jornalistas que a procuravam (domínio da pauta) antes das respostas (domínio da fonte). A publicação desse conteúdo muito antes da publicação das reportagens desrespeitava o acordo tácito entre fonte e veículo quanto à autoria (exclusividade) da matéria jornalística. Agindo assim, a empresa feriu um princípio ético de sua relação com a imprensa, cuja existência, repito, é fundamental numa democracia.

O erro de avaliação da companhia quanto ao timing da publicação de sua versão dos fatos legitimou a reação da imprensa, no período de 05/06 a 09/06. No dia 10/06, a Petrobras recuou de sua decisão, passando a divulgar o conteúdo das reportagens somente depois da zero hora da data prevista para a sua publicação pelos meios de comunicação.

Não obstante o equívoco assinalado, a Petrobras pode ter transformado para sempre as relações entre os veículos de comunicação e suas fontes, bem como as relações das fontes de informação com seus diferentes públicos, independentemente do papel social da informação e dos meios de comunicação, digamos, convencionais e seus novos recursos. Aí estão o blog do Planalto (a ser lançado em breve) e as inúmeras perguntas que tenho ouvido de empresários sobre a oportunidade ou a viabilidade de iniciativas semelhantes.

O blog Fatos e Dados levou, portanto, especialistas, formadores de opinião e dirigentes de empresas e instituições – que já vinham pensando no assunto – a refletir mais profundamente sobre ele.

Para a Petrobras, resta o benefício de um veículo com o qual a empresa poderá contar – quando e se a CPI for instalada – para manter o seu público de parceiros, funcionários, investidores e consumidores informados sobre a sua conduta, quando o processo de denúncias, investigações e eventuais acusações capazes de atingir a sua reputação se intensificar. Quem procurar esse veículo, no entanto, terá que usar uma lente ainda mais acurada do que a que costumamos usar em nossa leitura diária da grande imprensa para nos mantermos razoavelmente informados sobre o que vai pelo mundo.