segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Lazer, esporte e cultura



Papar garotas suecas com 20 anos ou mais foi sempre objetivo de todo brasileiro da minha geração, desde quando Garrincha marcou presença naquela área com seu passo torto. Julian Assange não era sequer um pingo a caminho do útero materno. Não digo isso em desagravo ao herói do momento, mas em homenagem a meu velho amigo, Otávio Bueno da Fonseca, o Sarrafo, irritado com a hipocrisia da cobertura que começou com o William Bonner chamando o site do cara de uaiqueliques, em vez de uiqueliques. Falha irrelevante, penso, se comparada às lágrimas derramadas sobre a notícia da morte do nosso companheiro, Roberto Marinho, em 2003, devidamente registradas no Youtube. Afinal, um âncora (sobretudo da Rede Globo) tem que manter a emoção sob controle.

Otávio foi meu chefe de reportagem em O Globo, esse grande jornal brasileiro que tenta desaparecer nas trevas da contemporaneidade, seguindo o saudoso Jornal do Brasil. Para o chefe das Américas da MSLGroup/Publicis, Jim Tsokanos, com quem tive o prazer de trocar duas palavras, na última sexta-feira (17/12), a imprensa brasileira está em ascensão, enquanto a norte-americana despenca ladeira abaixo. Não sei se ele estava tentando ser agradável ou falava da consolidação de capital na mídia regional e do interesse dos investidores externos nas empresas locais de comunicação, de olho na mobilidade e na tevê digital. No segmento da mídia impressa, o efeito Internet, por aqui, tem sido igualmente devastador.

É verdade que, no Brasil, os bloggers mais conhecidos estão muito ligados às empresas comunicação. A Míriam Leitão, por exemplo, é o trade marketing da Rede Globo. Está no Bom dia Brasil, em O Globo, na CBN, na Globonews, no G1 e em seu próprio blog: dificilmente você escapa da Míriam Leitão. Também é verdade que a nossa integração digital ainda está em andamento, mas não se pode ignorar a pressão que circula nos subterrâneos da mídia convencional, como os túneis que deram passagem ao comando do tráfico no Alemão, provando que, afinal, o conjunto de favelas merecia a definição de complexo.

O comentarista/blogueiro Juca Kfouri é outro exemplo: seu esforço para dar alguma importância à derrota do Internacional para o Mazembe, do Congo, no último dia 14/12, ajudado pela presidente eleita, Dilma Roussef, na melhor tradição seca-pimenteira do Planalto, rendeu uma enxurrada de protestos na web, provando que o futebol brasileiro, apesar da mediocridade e do mercantilismo, ainda reina soberano como o esporte bretão de maior prestígio nessas terras de Santa Cruz. Reserva moral do jornalismo esportivo, Kfouri meteu o pé na lama ao lembrar o sofrimento dos cerca de 10 mil gaúchos que ainda teriam que pagar as prestações da CVC. Preconceitos à parte, na luta insana para preservar o próprio emprego, o vizinho do Washington Olivetto não se distingue de seus colegas.

Enquanto os jornalistas esportivos lutam pela sobrevivência, na ampla entressafra do futebol, na qual Cléber Machado tem que narrar corrida de bicicleta e kart beneficente (19/12), nossos representantes, em Brasília, tratavam de melhorar os próprios salários, elevados para R$ 26 mil mensais, fora as verbas de gabinete, extras e emendas orçamentárias eventualmente desviadas para entidades fantasmas, como as que o Estadão denunciou, na semana passada, e que custaram a relatoria da Comissão do Orçamento ao senador Gim Argello, do PTB do DF.

Para quem não se lembra, o DF também é o domicílio eleitoral dos ex-governadores José Roberto Arruda e Joaquim Roriz, da esposa-candidata, Leslian e do governador eleito, Agnelo Queiroz, do PT, protagonista da Operação Shaolin, que apurou, no ano passado, um rombo de R$ 3 milhões do programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, quando ele estava ministro. Melhor o Agnelo da novela das oito, sobrinho da Gemma e filho do Totó. Nessuno parla italiano, ma nessuno ha aiutato, o incoragiatto Berlusconi a mantenerse premier.

Enquanto Lula corria ao cartório para registrar as realizações de seu governo (just in case), e José Dirceu declarava nunca ter saído do Planalto, as administradoras norte-americanas de cartões cancelavam o serviço que garantia alguma renda ao Wikileaks, mas o socialista Barak Obama anunciava um corte de impostos de US$ 800 bilhões, a continuidade da guerra cambial contra a China (o FED vai emitir US$ 600 bilhões no primeiro semestre de 2011), medidas que devem fortalecer a indústria e o emprego de seu povo. Com 46% de aprovação em dezembro (abaixo da popularidade de Bush), Obama conseguiu aprovar, este ano, a reforma do sistema de saúde e a Lei Dodd-Frank, que restringiu a especulação dos bancos com os derivativos que causaram a crise econômica de 2008.

Por aqui, a popularidade do Nosso Guia alcançava 87% de ótimo ou bom, neste mês, enquanto o impostômetro, da Associação Comercial, ultrapassava a marca de R$ 1,2 bilhão, 20% acima do arrecadado em igual período do ano passado, fazendo o país voltar a ser um grande exportador de primários e a indústria local vergar sob o peso de uma infra-estrutura deficiente e uma das matrizes energéticas mais caras do planeta, questões agravadas por uma carga fiscal que inviabiliza qualquer chance de competição com os chineses ou com os norte-americanos em manufaturados.

Assange, que não chega a ser uma nova forma de fazer jornalismo, como arriscou um comentarista da CBN, neste sábado (18/12), revelou a tacanhice da política externa norte-americana. Uma área na qual o presidente Lula – apesar da falta de tato, em alguns momentos – lembrou Garrincha. Obama pode não ser exatamente socialista, mas entre os nossos, temos o Paulinho da Força (PDT), o Netinho de Paula (PC do B), o Paulo Skaf e Gabriel Chalita (PSB): - Que tal?

Mas o Socialismo nos legou as secretarias de Cultura (a primeira do Brasil foi criada pelo governo do Ceará, em 3/10/1966, em plena ditadura). Mais adiante, esses organismos passaram a responder, também, pela gestão do turismo, do esporte e do lazer. Vem aí a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Quanto à cultura, mesmo corroídos pela Internet, os jornalões me trouxeram, neste fim de semana: As artérias da pedra e outros veios, de Mário Chamie (secretário de Cultura na cidade de SP durante a gestão de Reynaldo de Barros, de 1979 a 1983), vejam vocês; uma releitura de O Nariz, de Gogol, uma resenha que me convenceu a comprar o livro de Ediney Silvestre e um texto brilhante do padre Carlos Moraes, O Ateísmo toma o ônibus (pág. J8 do caderno Alias, OESP, 19/12).

Moraes lembra os séculos de asfixia social da igreja e que, nos EUA, o filósofo Daniel Dennet, autor de A Perigosa Idéia de Darwin, todos os anos organiza e dirige corais de Natal com seus vizinhos, mesmo sendo ateu convicto.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Feiras


Na correria que dois jobs inadiáveis e irrecusáveis me impuseram, não tenho conseguido alimentar o blog com os nutrientes aqui servidos de praxe. Pensei em republicar o texto abaixo desafiando os amigos que me seguem a descobrir quem seria o autor: Rabelais ou dona Maria Stella Libânio Christo, a mãe do Frei Beto? - O primeiro que adivinhasse ganharia uma coleção de inéditos do Julio Cortazar, fresquinhos, segundo a banca mais próxima, que não me cabe indicar. Depois, lembrei-me que nesta janela, não cabem segredos.

Deixo o presente, portanto, para o amigo secreto, inevitável como a morte, e brindo os frequentadores de feiras, como eu, com esta receita do Eduardo Galeano (As veias abertas da América Latina), da qual morri de inveja até morder a primeira jabuticaba, no último domingo (21/11). O texto cabe num livrinho de bolso, Mulheres, desses que as livrarias de aeroportos deveriam vender, em vez de best sellers de baciada. Pela qualidade, não pelo fato de as mulheres estarem tão em voga e nós, homens, neste fim de feira que inspira o desânimo.
A Feira
A ameixa gorda, de puro caldo que te inunda de doçura, deve ser comida, como você me ensinou, com olhos fechados. A vermelhona, de polpa apertada e vermelha, deve ser comida sendo olhada.
Você gosta de acariciar pêssegos e despi-los a faca, e prefere que as maçãs venham opacas para que cada um possa fazê-las brilhar com as mãos.

O limão inspira em você respeito, e as laranjas, riso. Não há nada mais simpático que as montanhas de rabanete e nada mais ridículo que o abacaxi, com sua couraça de guerreiro medieval.

Os tomates e os pimentões parecem nascidos para se exibirem de pança para o sol nas cestas, sensuais de brilhos e preguiças, mas na realidade os tomates começam a viver a sua vida quando se misturam com orégano, ao sal e ao azeite, e os pimentões não encontram seu destino até que o calor do forno os deixa em carne viva e nossas bocas os mordem com desejo.

As especiarias formam, na feira, um mundo à parte. São minúsculas e poderosas. Não há carne que não se excite e jorre caldos, carne de vaca ou de peixe, de porco ou de cordeiro, quando penetrada pelas especiarias. Nós temos sempre presente que se não fosse pelos temperos não teríamos nascido na América, e nos teria faltado magia na mesa e nos sonhos. Ao fim e ao cabo, foram os temperos que empurraram Cristóvão Colombo e Simbad, o Marujo.

As folhinhas de louro têm uma linda maneira de se quebrarem em sua mão antes de cair suavemente sobre a carne assada ou os ravioles. Você gosta muito do romeiro e da verbena, da noz-moscada, da alfavaca e da canela, mas nunca saberá se é por causa dos sabores ou dos nomes. A salsinha, tempero dos pobres, leva uma vantagem sobre todos os outros: é o único que chega aos pratos verde e vivo e úmido de gotinhas frescas.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Esquerda e Direita


Olha aí, Azenha, que fim levou a sua Perestroika
Eu e o Ramón, meu amigo de Bauru-SP, estamos perdendo uma boa parte da Mostra Internacional de Cinema de SP, quer dizer: eu consegui ver, no domingo 26/10, Uma Casa para o Natal, do norueguês Bent Hamer (ótimo); no sábado, 31/10, o maluco Tio Boonmee, do tailandês Joe Weerasethakul (Palma de Ouro de Cannes deste ano), além das quase seis horas de Carlos, de Oliver Assayas, cujo ator principal, Edgar Ramirez, causou frisson na platéia do shopping Frei Caneca. Pretendo assistir ainda, pelo menos: Vênus Negra, Aprendiz de Alfaiate e Rosas a Crédito, de Amos Gitai, que a monitora do festival com quem conversei achou “parado”.

Um lugar qualquer, de Sofia Coppola, Você vai conhecer o homem de seus sonhos, de Woody Allen e Bróder, de Jéferson De, vão chegar ao circuito comercial. Mas perdemos: Turnê, de Mathieu Amairic e Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami. No meu caso, por culpa da correria da metrópole; no do Ramón, por desfrutar da relativa tranqüilidade da cidade sem limites (no bounderies), que nos deu Pelé e um belo sanduíche, mas fica longe da capital. Eu e ele gostamos de cinema. Somos amigos há mais de cinco décadas, apesar dos intervalos impostos pela vida e pela morte. Mas eu, dificilmente seria rotulado como um sujeito de direita e ele, de esquerda.

Se algum desses rótulos nos coubesse, talvez tenhamos sido um pouco beats, no início da estrada, por conta do Kerouak que um amigo levou da capital (eu também morava em Bauru); três ou quatro poemas de Guinsberg e umas crônicas de Burroughs, além, é claro, do som dos Stones de Brian Jones x Mick Jagger, numa época em que julgávamos os Beatles meio caretas, exceto, talvez, pelo John. Passar uma noite na fila para ouvir o Paul McCartney era algo impensável, assim como imaginar o Keith Jarret estrelando Piratas do Caribe, seja no mundo macarthista de Walter Elias Disney, seja no pós-moderno de Justin Beaver.

Isso, para mim, é muito mais relevante do que pensar que o primeiro repórter a entrevistar o Michail Gorbatchev, da Perestroyka (pela Rede Globo) foi o Luiz Carlos Azenha, nosso foca no Diário de Bauru e hoje um dos principais jornalistas engajados no PT, ou que o jornalista brasileiro que cobriu a queda do Muro de Berlim foi o Pedro Bial, apresentador do Big Brother e ex da Renée Castelo Branco, musa das assembléias comandadas pelo Fernando Pacheco Jordão, no Sindicato dos Jornalistas, logo depois do assassinato do Vladimir Herzog.

Essa questão, de direita ou esquerda, me foi trazida, aliás, por um outro amigo, num desabafo sobre o novo sócio: “Eu sou de esquerda, ele, de direita, não concordamos em nada”. Eles podem divergir em tudo, mas não sei se cabe essa diferenciação. Há um terceiro amigo que pertenceu ao mesmo grupo dos que odiavam os Beatles e amavam os Rolling Stones. Ele é pecuarista e produtor de cana e laranja, atualmente. Considera o novo Código Florestal, do Aldo Rebelo (PCdoB) como um avanço e votou no PT. Já eu, vejo o novo Código como um perigo e não declaro o meu voto.
“É a realidade”, ele argumenta, “só vamos legalizar o que já está feito”. Mas, nos anos 60, 90% das araucárias do Paraná foram arrastadas pelas correntes da soja: você tinha que preservar 20% da sua área, mas só precisava vender esse pedaço a um cunhado para desmatar 80% daqueles 20%. Brigamos, bebemos e mudamos de assunto. Não sei mais quem é de direita ou de esquerda.
Na véspera do segundo turno, aliás, as perspectivas eram tão óbvias que até os institutos de pesquisa acertaram o resultado. O curioso é que tanto Dilma, quanto Serra tiveram a mesma formação de esquerda (marxista-leninista). Para um lado, os vícios do sindicalismo de Vargas (de origem facista), os escândalos de corrupção, a gestão neoliberal da economia e o desenvolvimentismo desautorizavam a bandeira da revolução social. Para o outro, Serra, além ser palmeirense, traria a elite de volta ao poder, apesar de sua origem e realizações, como o genérico, as vacinas para os idosos e a luta contra o cigarro.

No sentido original do termo, no parlamento francês, ambos pertenceriam à ala da esquerda, que defendia os pobres, hoje chamados de nova classe média. Enquanto isso, os novos ricos tornaram-se ídolos da classe média: Cláudia Leite, Ronaldinho Gaúcho, Felipe Massa, Abílio Diniz; dos aristocratas com algum espírito, só restaram os que estão no filme do Jabor; conservadores e liberais praticamente caíram na clandestinidade. Nem a religiosidade serve mais como parâmetro: ateus ou agnósticos, estão (estamos) completamente fora de moda, tanto à esquerda, como à direita.

Falemos então sobre o tea party, que, no bom programa da Maria Cristina Poli, o novo Jornal da Cultura, um comentarista associou erradamente à Guerra da Secessão, em vez da Guerra da Independência, onde tudo começou por causa dos impostos que os ingleses cobravam sobre o chá, entre outros produtos. Liderados pela Sarah Palin, aquela pantera, eles continuam contra os impostos, mas também não gostam de homossexuais, imigrantes e pobres em geral. Defendem a supremacia dos EUA, Deus, a família e a propriedade. E acabam de chegar ao Congresso. Mais uma vez, portanto, os norte-americanos estão à nossa frente: lá, pelo menos, eu teria inimigos que valeria a pena combater.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Tocantins


As queimadas prosseguem (14/10/2010) mas o cerrado resiste
Cobra, tatu, raposa, tamanduá bandeira, cateto, lagartos, pássaros de todos os tipos, do espertíssimo tziu à ema, bela e solene (Raes America, lista vermelha da fauna em extinção); papagaios, tucanos, gralhas, maracanãs, pássaros pretos cantores das águas do Jalapão, por onde andei, nos últimos dias. Tocantins é o Estado da senadora Kátia Abreu, líder ruralista do DEM. “A maior vitoriosa das últimas eleições”, segundo o locutor de FM de Palmas, a capital “porque, além de reeleger-se, elegeu o filho (Irajá Abreu) e uma sobrinha para o Congresso Nacional”.

Fizemos um rali, não um safári, como imaginávamos. Não tente aventurar-se, como eu, num carro pequeno, “não-traçado”, como eles dizem. Não é só pela venda que os guias do Jalapão exageram a rudeza dos caminhos, embora a maioria deles pertença às mesmas famílias, seja parceira das mesmas pousadas e possua as únicas caminhonetes que fazem passeios, a partir de Ponte Alta e Mateiros. Negocie antes, mas vá com eles. Subverta os roteiros para curtir mais banhos de cachoeira e piscinas naturais, entremeados por horas de sacolejos. As melhores pousadas podiam ser ainda melhores, se fizessem pão caseiro, pelo menos aos sábados, quando o irmão padeiro, adventista, não pode trabalhar.

Aliança, obra missionária e confissão luterana; nazareno, graça e vida, assembléia, universal, ebenézer: são muitas, as igrejas pentecostais nos municípios de Palmas, Porto Nacional, Ponte Alta, Mateiros, São Félix, todos no roteiro do Jalapão.

Eles viveriam solitários em Mateiros, os evangélicos, sem a motivação que têm hoje se, há cerca de um mês, um padre (negro) não tivesse chegado ao lugar. Na segunda-feira, 11 de outubro, a Assembléia de Deus, da tenor Marie, disputava o platô da aldeia com a igreja católica, que nem de longe lembra a cadetral de Chartres que o Paulo Coelho deve ter visitado. É um galpão de paredes simples, mal acabado. Mas a tríade de NS Aparecida, ou o trido, como diz o seu Giulio, dono da pousada local, foi uma batalha campal: de um lado, os adventistas, com seu carro de som, do outro, o padre, com óculos de tartaruga e megafone, anunciando o leilão de peixes e galinhas sacrificados pela fé católica. Campos e economias opostos, em busca da mesma indulgência: partilha/participação versus doação/caridade.

Premissas evangélicas inatacáveis vigoram nessas comunidades. Vão além do medo do inferno e da determinação no cumprimento dos compromissos assumidos: respeito, cordialidade e uma ironia mineiro-goiana intimidam o nosso sarcasmo habitual. O entusiasmo deles nos supera em muito, a nós, sulistas, como diria o ariano Márcio Garcia, a propósito dessas diferenças.

No Jalapão, a camaradagem, como definíamos solidariedade antes da Viviane Senna modernizar a filantropia, chama a atenção. Poderia ser influência dos evangélicos, mas é cultura do lugar, o menos habitado do país (1,2 pessoa por km2). Participamos de dois resgates não tiveram a tecnologia nem a cobertura da heróica sobrevivência dos mineiros chilenos, mas que foram dignos de nota.

Primeiro, ajudamos um ex-pescador cearense que já teve oito barcos e hoje cria camarões; ele, a namorada e o pai dela. Ficaram num atoleiro que media mais de 50 metros de comprimento, entre o rio Novo e as dunas de Mateiros. Media, porque a topografia local muda ao sabor do vento. Dois dias depois, a 12 km de Mateiros, tivemos ajuda de dois rapazes de Feira de Santana para tirar nosso próprio carrinho de um lamaçal com meio metro de profundidade.

O Fordinho 4.000 não-tracionado no qual eles vinham de São Félix quase caiu no mesmo buraco. Usamos enxada, foice e um macaco montado em cima de pedras, uma pesando mais de cinco quilos, mas, principalmente, braços e pernas enfiados na lama. Foram duas horas de espera e uma hora de trabalhos forçados, mas a visita ao fervedouro, ali perto, e à cachoeira do Formiga compensaram.

Os tocantinenses sentem (ainda?) esse orgulho atávico que, além da camaradagem, inclui: hospitalidade, pequi, saci, mulheres graciosas, homens de verdade, alguma ética e um sentido de pertencimento que os antropólogos enxergam na nova classe média. Além disso, eles têm fé: vão tocando suas vidas/negócios e ocupando aquele território, no que – imagino – se vêem prestando um serviço à nação.

As pessoas já esqueceram como se deu essa apropriação de terras que nós, nos anos 70, chamávamos indígenas. Em seus verdes 20 anos, a história do Estado vem tentando acomodar esses fatos e versões sob o manto do progresso rápido: a cidade que mais cresce, oportunidades para todos. Ninguém esconde as dificuldades do processo: um clima quente e seco, na maior parte do ano, uma natureza que custa a se entregar. O cerrado reage rápido às incontáveis queimadas e as plantas brotam em dois ou três dias, até no meio de estradas por onde, de vez em quando, passam caminhões e carros como o nosso.

Mas a principal componente do orgulho tocantinense que percebemos, no Estado de Kátia Abreu, pode ter vindo de uma premissa lulista: “Lembrem-se que o Tocantins era a parte esquecida de Goiás”. Pode ser. Mas a vendedora de multimarcas do novo shopping, o Capim Dourado, prefere Dourados-MS (não é trocadilho), de onde veio: “lá, as fazendeiras gastam mais”, ela diz, “ao passo que as de Palmas, só compram uma roupa se for a única peça da loja”. Segundo ela, as usineiras do Pantanal Sul (modalidade liberada pelo Zeca do PT, durante sua gestão como governador do MS) são menos novas ricas do que as boiadeiras do Tocantins.

Ao contrário do que informa o Ministério da Cultura, o nome Jalapão não vem só do radical jalapa, trepadeira nativa na região, cuja raiz é usada como remédio para o estômago, associada à palavra pão, ingerido com o chá da planta para atenuar o sabor amargo. Provamos uma cachaça feita com parte da raiz da planta e que, dependendo da dose, pode ser chamada de jalapinha, jalapa ou jalapão, o que teria dado o nome ao lugar.

Ontem (13), numa freada brusca, bati na carapaça de um tatu, que atravessara a estrada correndo. O pára-choque era de plástico, mas antes de conhecer o desfecho do acidente, a parceira ficou tão desesperada como se eu tivesse atropelado uma criança. Eu contava esse história ao frentista de um posto de gasolina de Porto Nacional, horas mais tarde, quando um colega dele se acercou. Tive que admitir ter procurado pelo bicho para ver se aproveitava a caça. Esse é o Tocantins.

“Eles queimam pra plantar?”, pergunto a seu Paulo, dono de um bar feito de pau-a-pique, em frente à entrada das Dunas. “Eles queimam para atentar”, ele responde, e eu custo a entender. “Botar boi, forçar o capim dourado a brotar mais em cima, caçar a ema. Tudo é desculpa”, ele diz. “Queimam por maldade”. O bar tem uma pequena mesa de sinuca sob um trançado de palha, só vende cerveja ou cachaça. Na parede, um cartaz previne: “Fiado, só para maiores de 100 anos, acompanhados pelos avós”.

Enquanto isso, em Palmas, os gaúchos donos da melhor churrascaria e da melhor pizzaria da cidade sofrem para servir rúcula e salada de alface em seus estabelecimentos. Mas o maior problema é o lixo que se acumula nas ruelas escondidas atrás das grandes avenidas e rotatórias da capital planejada. No Estado dos empreendedores e da justiça social, como diz o slogan, o progresso, como cerca de 20% do eleitorado brasileiro já descobriu, não precisaria abrir mão do aproveitamento racional dos recursos naturais.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Correio do Povo


Ignatz & Krazy Kat, do impagável George Herriman

Ouvindo comentários de um servente de pedreiro, o seu ajudante e um zelador de condomínio, hoje (27), entendi porque algumas pessoas pretendem votar no Tiririca como uma forma de protesto. Se não votarem no comediante, eles dizem, vai sobrar espaço para os “outros”, vistos por essas pessoas como poderosos a serem punidos, independentemente de partido ou ideologia. Confesso que demorei a perceber essa nuance.

Muito do que acontece na base da sociedade passa despercebido por quem vive no andar de cima. Na última quarta-feira (22), fui assistir ao jogo Coríthians e Santos, na Vila Belmiro. O técnico do Santos, Dorival Jr, tinha sido demitido. Deu Corinthians, três a dois, conforme eu sonhei. Mas percebi que, para os torcedores do Peixe, não existe o garoto Neymar – que se mostrara mimado, revoltado, mal-educado – apenas o craque. Que é tudo o que eles têm, neste momento.

Um dos diretores do Santos me disse, no dia do jogo, ter a certeza de que o Dorival Jr “aproveitou-se da situação para assinar com o São Paulo”. O boato, de fato, circulou no início daquela noite. Segundo esse diretor, isso mostrava o acerto da decisão tomada pelo clube. O cidadão não falou oficialmente (aviso ao Maradei, assessor de Imprensa do Santos). Eu não me identifiquei como blogueiro ou como jornalista. Mas a certeza do dirigente revelou que os seus companheiros realmente acreditavam que a falha de caráter tinha ocorrido no terreno do vizinho. Mais adiante, um outro diretor do clube, mais consciente, admitiu o critério: - O Dorival não é do Santos, como o Neymar. Assunto encerrado. O Santos perdeu, mas acreditem: todas as vezes em que o Neymar pegou na bola, a torcida veio abaixo, feliz. Assim é o povo? – Assim é a paixão.

Na política, tenho parentes dos dois lados desse campo definido pela coluna do Arnaldo Jabor de hoje (27) como direita retrógrada e a esquerda retrógrada. Meus parentes de esquerda – com formação acadêmica e pós-graduação – se definem como “povão”. Orgulham-se de votar no PT no mather what, ou seja, a despeito de todos os escândalos, compadrio, tacanhice (vejam a dupla Lula/Netinho de Paula). Não se trata de sonhar a justiça, como vê o Jabor, nem do velho paradigma de que o operário pode tudo. Trata-se apenas e tão somente de preguiça de pensar. E, claro, falta de coragem para mudar.

Quanto à morte do socialismo, meu caro Jabor, seria bom você explicasse a que socialismo você se refere: àquele do Antonio’s, na era da Bossa Nova? – O de Lênin, depois Stalin, ou o que governa a Espanha e a Noruega, atualmente? – Lembre-se que a Onda Verde, nas últimas semanas, só faz crescer. Voltamos já a este assunto.

Meus parentes de direita, por sua vez, não reconhecem nenhuma conquista do governo atual. Invejam o poder do Presidente Lula e enterraram, em frustrações e preconceitos, qualquer possibilidade de compreender o que se passa na sociedade brasileira. Duas faces da mesma natureza humana, com seus respectivos prodígios. Nisto, tem razão o Jabor, os lados se aproximam. Mas ninguém pensa nos riscos que a pobre nação enfrenta, nessa tempestade de valores vergastados pelo pragmatismo tosco e de princípios submersos numa confusão de interesses invejáveis por qualquer revolução: censura à imprensa, dinheiro na bota, escárnio à Constituição. O meu medo maior, contudo, é o de nos transformarmos numa nação ainda menos responsável (dos pontos de vista fiscal, administrativo, institucional), mais imediatista, ignorante e violenta.

A prova de que nem todo socialismo está morto (o que não seria necessariamente fatal, me cabe dizer) está na súbita ascenção de Marina Silva nas pesquisas eleitorais. Apóia o seu respeito ao futuro, um neocristianismo messiânico que por vezes se assemelha ao populismo lulista, mas Marina, sem dúvida, se materializa num oásis de moralidade que o chamado “povão” consegue enxergar. Talvez falte a essas pessoas a sensibilidade para rejeitar o aparelhamento do Estado, a contaminação da republica pelo sindicalismo viciado que sedimentou o petismo. Talvez lhes falte o temor do assédio à democracia. Mas a consciência quanto ao desenvolvimentismo cego e ao respeito à ética são flagrantes nesse desempenho da candidata verde.

A escalada de Marina Silva mostra, ainda, que muitas das pessoas que compram nas Casas Bahia não estão felizes com a sucessão de escândalos dos últimos anos, meses e dias. Uma diferença em relação à torcida do Santos. Sinal de que nem tudo está perdido, como comemoram os esperançosos, apoiados pelos oportunistas da politiquinha e pelo pessoal que compra no Empório Santa Maria. Vamos ver no que isso dá.

O que chateia mesmo, nesse tal de "povão", é insensibilidade ou o embrutecimento imerso no alto índice de intenção de voto no cantor Netinho de Paula para o Senado. Difícil de ser tragado: infelizmente, a violência doméstica faz parte do dia a dia do brasileiro que não vê, nisso, pelo menos por enquanto, nenhum divisor de águas. Teríamos que remar muito, como nação, para surfar numa onda realmente nova.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Dorival Jr e Arnaldo Jabor: vítimas do contexto


Divulgação
Acabo de ler o manifesto assinado por Ferreira Gullar, Dom Evaristo e Hélio Bicudo, figuras acima de qualquer suspeita, moral ou ideológica. Cumprimento os três pela coragem que não tive de, pondo de lado a minha formação de esquerda e a consciência social que carrego no bolso de cima, repelir, não apenas os arroubos autoritários do nosso companheiro (cujos méritos não descarto), como também, a sindicalização da coisa pública dos últimos anos (que só podia dar no que deu). Também repudio a cegueira intelectual que sempre impediu o PT e o próprio Lula – de enxergarem além do seu pragmatismo simplório, muito mais neoliberal do que tudo que o grupo elegeu como inimigo da classe trabalhadora.

Inúmeras vezes tentei me aproximar do PT, nas décadas passadas, para esclarecer ou ser esclarecido. Não tive, obviamente, a atitude esperada de um intelectual petista, traduzida, em alguns casos, por uma disciplina típica do esquerdismo – presunçosa e sectária – em outros, pela paciência zebuína que vi muitos colegas esculpirem pacientemente para se inserir nos quadros do PT ou nos governos por ele conquistados. Como a minha visão também não cabia no lado oposto (partidos liberais, conservadores e assemelhados), restava-me a Banda de Ipanema.

É com base nisso que lamento duas vítimas desse final de campanha eleitoral, além do povo brasileiro e do melhor presidente que o Brasil nunca teve (segundo o Economist), claro: o Dorival Júnior, ex-técnico do Santos FC – que aqui homenageio pela coerência – e o Arnaldo Jabor, ex-comentarista da Globo. O primeiro, vencido pelo fisiologismo asqueroso que já não cabe nas comportas do poder – ganhar, não importa como – e acaba contaminando tudo o que nos cerca; o segundo, por uma pequena derrota para a máquina que ele mesmo ajudou a legitimar, em seus anos de vacância como cineasta – e que, no momento, não tem dado muito espaço para o seu filme recente, A Suprema Felicidade.

Assim que vi o Jabor – fragilizado pela epifânia de sua obra – quedar-se atônito diante do corte abrupto de uma de suas perorações acerca dos destinos do cinema mundial, ontem (21) no programa Globonews Em Pauta, fiquei preocupado.
O contexto era totalmente adverso: ao longo do programa, o entrevistado parecia implorar: – Levem-me ao seu líder. O Globonews em Pauta, por sua vez – como boa parte da imprensa brasileira que nada em liberdade, segundo o José Dirceu – não tem conseguido disfarçar o desconforto diante da desesperança que contamina a classe pensante do país. Isso dói mais do que a infantilização da arte de Lumière pelos produtores norte-americanos – como denunciou o Jabor – ou a ludicidade sobreposta às Artes Plásticas nesta 29ª Bienal – como digo eu.

Sobre a demissão do Dorival Jr, hoje, 22,
vou torcer muito pelo Corinthians, o que nos permitirá saborear, amanhã, a derrota de um esquema inspirado no jogo político, que não teme sacrificar o respeito e a ética por alguns trocados. A demissão do treinador bate de frente com todo o arcabouço institucional que sustenta competições como o Campeonato Brasileiro de Futebol, nele incluídos: a hierarquia de uma equipe que pressupõe comando e conjunto e a dignidade de seu comandante. Tudo isso, em nome da possibilidade de um ou três pontos a mais numa partida. - Quem vai ajudar esses pobres garotos milionários como o Neymar a se transformarem em adultos?

Voltando ao cineasta, com ou sem divulgação, não escaparemos de acrescentar mais algumas figurinhas de sua nova coleção de fotogramas aos nossos álbuns, a partir do filme que estréia em 29 de outubro, como ele conseguiu anunciar, antes de ouvir, constrangido:

- Infelizmente, Jabor, o nosso tempo acabou.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Disputado Tiririca


Fundo musical: 17a. Beeth, 3 mov. A Tempestade: http://www.youtube.com/watch?v=gVVcKutRAiw

Não sei se os mineiros do Chile estão assim tão mal. Os do Brasil têm que escolher entre o Hélio Costa e o Antonio Anastásia. Além disso, serão governados pela conterrânea, Dilma Roussef (muito brava, segundo o Serra), com a graça de Deus, na opinião de José Alencar, ou a de Elenice Guerra, segundo a Veja (13 a 18/9). Na Câmara Federal, Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, deve ser o disputado (não é preconceito, ele é disputado mesmo) mais votado, devendo carregar consigo o Valdemar da Costa Neto (fundador do Mensalão, de acordo com Christina Mendes Caldeira, a ex) e mais três, como lembrou o colunista J.Roberto de Toledo, no Estadão de hoje: - Quem é o palhaço?

Mas nem os mineiros do Chile, nem os de Minas podem nos invejar: nós, paulistas, vamos eleger senadores, a Martha e o Netinho. Ela, entre outros destemperos, quando ministra do Turismo, disse que os passageiros massacrados nos aeroportos tinham que relaxar e gozar – Lembram-se? - Ele, foi acusado de ter agredido a socos a então companheira, a decoradora Sandra Mendes de Figueiredo Crunfli, de 36 anos, na residência do casal (Alphaville-SP), há cinco anos. O BO está registrado na 52a Delegacia de Polícia da Capital e ela passou por corpo de delito no IML. Sou do tempo em que o maior crime do Lula, para as feministas, era ter mandado o Jair Meneghelli sossegar o facho e voltar para a ex, em vez de assumir a nova relação com uma colega jornalista, burguesa demais para um metalúrgico.

Você ainda acha que exagerei, quando, no penúltimo post deste blog, prenunciei a tempestade? – Na semana passada, a PF prendeu os candidatos a governador e a senador pelo Amapá, Pedro Paulo Dias e Waldez Góes, que iam ficar na mesma cela do José Roberto Arruda, herdeiro do Roriz, que vem a ser o candidato mais cotado para reassumir o governo do DF! – Em Dourados-MS, a Justiça teve que assumir a prefeitura porque não havia vereadores idôneos para votar a cassação do prefeito, Ari Artuzi que, segundo o MPE, recebia um mensalão das empreiteiras da ordem de R$ 500 mil mensais (fora R$ 80 mil para cada vereador).

No último sábado, interrompi um colega que não devo identificar (apresentador de TV) que perguntava a um grupo de amigos o que faria alguém gastar R$ 5 milhões numa campanha, para receber de volta R$ 1 milhão em quatro anos, somados salários por volta de R$ 20 mil mensais: - É fácil, meu amigo – eu interrompi, para estragar a piada: - Os R$ 5 milhões não são dele, e a remuneração aos R$ 5 milhões, muito menos. Sobram quatro anos de boa vida e mais R$ 1 milhão no bolso, por baixo, para o nosso personagem.Vale tudo, certo? - Inclusive dançar homem com homem e mulher com mulher, como o velho Tim não previu.

Apesar de todas discussões, folclore e argumentação, quero dizer: - Vem chuva por aí. A Rita Lee, que foi obrigada a sair do Twitter, na semana passada, por falar mal da casa nova do Timão, já avisou: vai votar nulo, desta vez. E o Marcelo Tas postou, cabisbaixo, no seu bloguinho: - Sinto que entre a ditadura e o Tiririca, alguma coisa se perdeu.

Calma, pessoal. Política é assim mesmo. Como no futebol, muitas vezes, a paixão fala mais alto. Vai dizer a um santista que o Neymar não vale R$ 1 milhão por mês! – Vi o esforço do SportTV, neste domingo (12/9), para preencher o espaço deixado pela final do US Open (eles não têm quadra coberta, lá nos Estados Unidos) com um interessante debate sobre Ética e Esporte, com a participação luxuosa dos filósofos Roberto Romano e Demétrio Magnoli. O Tierry Henry foi massacrado: aquela mãozinha que eliminou a Irlanda da última Copa apagou a memória até do gol do Maradona. Mas a frase enjoada dele sobre futebol e Educação, no Brasil, eu não consigo esquecer.

Tomara que, com ou sem tique, pior não fique: segundo a OCDE – lembra-me o Otávio Costa – 61% da população brasileira de 25 a 45 anos não tem o Ensino Médio completo (dados de 2008) e o Brasil já tombou do 79. para o 87. lugar no ranking mundial da Educação. Com 14 milhões de analfabetos (não apenas funcionais) no país e professores com pouca inspiração (não apenas no quesito salário, que me perdoe a minha própria família de mestres e mestras), muita água ainda há de rolar, antes que o nosso horizonte se acalme.

(17ª.Sinfonia de Beethoven, A Tempestade, terceiro movimento, tocada por uma criança)
http://www.youtube.com/watch?v=gVVcKutRAiw

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Atualidades Atlântida


Ontem, 24/08/2010, há 56 anos, morria Getúlio Vargas

Tirando o noticiário policial - a quadrilha que José Roberto Arruda diz ter herdado de Joaquim Roriz, a condenação de Anthony Garotinho e a invasão do Intercontinental pelo bonde do Nem - confesso não estar acompanhando as notícias da atualidade, como fazia, quando era garoto, uma vez por semana, no cinejornal acima citado: a baboseira das celebridades candidatas, a briga dos esclarecidos contra o tom pastel da campanha do Serra (claro, vi que o Estadão de ontem, 24, comparou o PT ao PRI mexicano), o ensaio da polícia no Maracanã para a Copa dos sem-estádio, a queda do avião da Embraer na China, a estupidez da polícia Indonésia, fatos tão próximos.

Se continuarem morrendo chineses – perguntam-me os meus vizinhos de condomínio – quem vai construir os estádios para a Copa e para a Olimpíada? – Segundo eles, os nordestinos desistiram de reconstruir São Paulo depois que o Bolsa-Família foi inventado pelo Jacob Bittar, alçado à condição de resposta social pelo Cristóvam Buarque e federalizado pelo FHC, embora nunca antes, neste país etc. Segundo os meus vizinhos, teremos que importar um caminhão, não, um navio de chineses para a Copa e para a Olimpíada.

Às notícias: temos as queimadas, responsabilidade do tempo seco. Segundo o JN, a candidata Dilma faria um comício, ontem à noite (24/8), justamente em Cuiabá, MT, onde Código Florestal é palavrão. Se as queimadas não passam do bloco das notícias sobre o tempo – e um servicinho para mães alvoroçadas pela própria televisão – imaginem onde ficam as pautas sobre a qualidade da Educação, sobre a fiscalização das famílias do Bolsa Família, sobre os planos de Saúde, sobre o peso da máquina administrativa, as reformas, a existência divina ou o consumismo exacerbado da nova classe média. Nem a fome do PMDB – que pode vir a governar o país, já pensaram nisso? – chega a preocupar. O que dizer da moralidade na política, da segurança, do transporte e da saúde públicas?

Não tenho ouvido falar desses temas tratados seriamente no debate eleitoral. Do pouco que vi, não sei o que é pior: se o pobre do Serra, arrastando o senhor Pedregulho numa visita ao metrô de São Paulo, ou a coitada da Dilma, vergada ao peso do nosso líder, que já admite saudades do poder e uma imensa disposição para ajudar.

Ainda sobre essas eleições, ignoro – e me envergonho disso – qualquer candidato ao(s) parlamento(s) e tive pena do Aloysio Nunes Ferreira – nada pessoal – último colocado numa lista com todos aqueles candidatos ao Senado por São Paulo – a jóia da coroa – da Martha Suplicy ao pagodeiro Netinho. Diverti-me, data venia, como todo mundo, com as propostas do Plínio, que já disputa com a Marina Silva aquele espaço no camafeu que as pessoas de bem costumavam carregar sobre o peito, no tempo do Machadão.

A seleção terminou, o Galvão já até deu entrevista à Mônica Bérgamo dizendo que mora em Mônaco por conveniência (a Educação do filho mais novo, nada a ver com o Imposto de Renda), o Neymar resolveu permanecer no Santos e o novo telejornal que a Globonews criou para preencher aquele espaço do horário político nas casas brasileiras com tinta e reboco – chamado Em Pauta – entrevistou, no primeiro programa, o correspondente da BBC, Tim Vickery, no segundo, o ex-jogador Leonardo e no terceiro, a ginasta-bailarina Debora Kolker. Respeito o Sérgio Aguiar e seus convidados, mas, em matéria de globais, sou mais a Maria Beltrão, a Astrid Fontenelle e o Tiago Leifert.

Resta-me, portanto, acompanhar as impressões trazidas por minha companheira, bacharel em Matemática, que sempre foi responsável, lá em casa, pelo senso, e hoje responde por uma parcelinha do censo, aqui nas imediações da Rede Globo e do shopping Morumbi. Nesse local, velhinhos que criam galinhas em seus quintais disputam paixões, aromas, sabores e recheios com velhinhas que criam cachorros nas casas ao lado, onde, ao mesmo tempo, derrubam-se centros de cirurgia plástica e erguem-se novos condomínios. Pelo menos, essas informações são verdadeiras e atuais.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Presciência


O caminhão carregado de aparas de grama, às sete horas da manhã, numa rua e num dia comuns (indicando que a manutenção das praças voltou); a neve que alegrou os turistas em São Joaquim, na semana passada; o bom humor dos entrevistados do CQC; os corredores de ônibus recém-pintados entre a periferia e os grandes escritórios, os pássaros calados, as árvores peladas, tremendo de frio, o ar assustado das pessoas: não há mais dúvidas, entramos na temporada das eleições. O carroceiro diz, no cartaz “gostaria de reciclar os políticos” - exagera, mas, coincidência ou não, no último domingo, cartazetes do Paulo Skaf foram espalhados nos bairros de São Paulo, por cujas calçadas tento andar.

O esquenta do Fernando Mitre e o pós-venda do CQC, na TV Bandeirantes, ontem (9/8) valeram mais do que o debate dos candidatos à Presidência da República – morno demais, apesar do jeitão do Boechat –, mas a sala da minha casa anda animada: - Quem estaria à esquerda do Netinho de Paula, do PC do B? – Sou do tempo do João Amazonas! – Mesmo assim, nossas discussões estão mais empolgantes do que a bancada do Jornal Nacional, diante da qual, Dilma e Fátima só faltaram trocar uma receita de cuca gaúcha por uma de sopa Leão Veloso, sob o olhar cada vez menos circunspecto do William Bonner.

Você, que não está no mailing dos assessores de imprensa, como eu, que um dia editei algumas publicações e nunca mais pude sair dessas listas, não perde por esperar: vêm aí os levisfidelis, emayels e toda aquela plêiade de candidatos – nanicos e pesadões – dos quais, como Caronte, nunca haveremos de nos livrar. Tudo por esses cargos e algumas funções que nos recusamos a assumir, mesmo quando precisamos fazer umas comprichas no Paraguai, mandar a sogra para a Europa ou um brother para os EUA, com a cueca recheada de dólares. A ficha limpa vai depurar um pouco o processo? – Esperemos que sim, mas vai depender daqueles senhores de capas pretas, que já foram mais dos holofotes.

Pense que, pelo menos, dentro de alguns dias, você vai poder trocar as bobagens dos anúncios de carros e cervejas por outras, políticas, prometendo consertar as calçadas, enquadrar prestadoras de serviços e planos de saúde, fomentar a Educação, criar empregos que ninguém vai preencher por falta de qualificação, construir novas pontes, rodoanéis e viadutos para desafogar o trânsito (é mais barato do que o metrô), polícias pacificadoras, saneamento nas favelas, acabar com o desmatamento e com a praga do crack no campo, hidrelétricas que não incomodem sapos e quilombolas e tudo o mais que você está acostumado a ouvir nessas ocasiões. Mudam as moscas.

No mais, a democracia vai se consolidando e as coisas vão se ajeitando por conta própria, como os passageiros dos ônibus lotados. Afinal não carecemos de intermediários: os programas humorísticos da tevê não podem mais mexer com os políticos, mas quem precisa de humorista, nesta estação? - Para os amigos poetas, que me consideram meio ácido, às vezes, segue a versão de Presciência do Rilke:

Ich bin wie eine Fahne von Ferne umgeben.
Ich ahne die Winde, die kommen, und muss sie leben,
Wahrend die Dinge unten sich noch nicht rühren:
Die Türen schliessen noch sanft, und un den Kaminen ist Stille;
Die Fenster zittern noch nicht, und det Staub ist noch schwer
Da weiss ich die Stürme schon und bin erregt wie das Meer.
Und breite mich aus und falle in mich hinein
Und werfe mich ab und bin ganz allein
In dem grossen Sturm.

Sou como uma bandeira trazida de longe
Pressinto os ventos que vêm, devo vivê-los
Enquanto as coisas, lá embaixo, ainda não se movem:
As portas fecham-se sem ruído e as chaminés se aquietam;
As vidraças não tremem, ainda, e a poeira está pesada.
Mas eu já sei a tempestade e me agito como o mar.
Inflo-me e desfaleço e me lanço, completamente só,
Na grande tormenta.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Dia de Sorte


Raramente eu me felicito por estar afastado do jornalismo, mas ontem (28/7) foi um desses dias. Imaginem se eu trabalhasse no Uol e tivesse que entrevistar o Russomano ou o Paulo Skaf! – E se a minha pauta fosse repercutir o vexame da Ferrari junto ao Barrichello (Fellini gostava mais da Maserati, mas Nino Rotta musicou o Poderoso Chefão 3 –seria este um argumento?). E que tal escrever sobre a morte do Rafael Mascarenhas, no Rio – como me cobraram – sabendo, de antemão, tudo o que aconteceu nos bastidores, desde o momento em que a primeira notícia foi transmitida, e por quanto tempo essas ocorrências terão que se repetir, nesses trópicos?

Que me perdoem os doutores Nize Iamaguti e Artur Katz, oncologistas de peso, Michael Christensen e Wellington Nogueira (clows care’s), soldados norte-coreanos, iogues indianos, meninas balinesas, modelos famintas, marronzinhos de São Paulo, professores (as) de alemão e de matemática, bóias-frias das queimadas da palha de cana, polícias montadas canadenses, cocheiros em contos russos – vida de jornalista também não é fácil. Dirigir um Roda-Viva sobre o fim da palmada, falando reservadamente com todos, como o meu amigo HB, na última segunda-feira (26/7), ou cobrir o fim do matrimônio do Celulari (alô, Bauru!) com a Cláudia Raia, convenhamos, não são tarefas desafiadoras.

Se eu fosse da imprensa esportiva, não poderia ter comentado, como comentei, no sábado (24), que o Mano já ia tarde, por ser teimoso e não apostar no Jucilei, que ele acabou escalando, no domingo (25), quando o Corínthians voltou à liderança do brasileirão e, em seguida, convocando para a seleção. Já se trabalhasse num caderno de Cotidiano (ou de Cultura), teria que registrar o sucesso de vendas do DVD pornô-pirata da Elisa Samudio na feira do último domingo, no Brooklin (bairro de classe média alta), pau a pau com as cópias do filme sobre o Chico Xavier.

Em NY, não sei se teria alcançado a Newyorker ou estaria trabalhando na emissora do prefeito, como dezenas de coleguinhas daqui – Pior: em vez de discutir a soberania do Afeganistão, conseguiria repercutir o vazamento (the lick) dos informes do Pentágono sobre a guerra, como o coitado do Paquinha? (perdão, Luiz Fernando Silva Pinto): - A senhora aí, do cachorro-quente, acha justo informar ao cidadão comum quantos civís foram sacrificados nas montanhas de Hindu Kush, em nome da teoria de poder norte-americana de expansão igual à segurança? - Consultem Surprise, security and the american experience, de John Lewis Gaddis.

Ok, se fosse espanhol, poderia estar comentando a proibição da corrida de touros na Catalunha – tema capital, hoje, no país mais antigo da Europa – e, se fosse da TV5 Monde, talvez estivesse escrevendo mais um capítulo de um desenho animado explicando aos garotos canadenses como funciona um congresso, ou ainda, quem sabe, o roteiro de um documentário sobre a opressão da mulher através dos séculos nos contos de fada.

Tudo isso passou pela tevê por assinatura, entre ontem e hoje. Por isso, posso me considerar um cara de sorte. Infelizmente, essa alegria não vai durar: hoje, a seqüência de reportagens sobre os programas sócio-educativos do Criança Esperança, deve me devolver a nostalgia das grandes redações, embora o ideal seria que esses projetos virassem regra, em vez de exceção. Esta sim, seria uma sorte para ninguém botar defeito.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Futebol é coisa séria



Lula avisou ao parceirão: não vai admitir São Paulo fora da Copa do Mundo – sinal de que o Piritubão deve mesmo sair, para alegria dos cariocas, que se divertem com esses aumentativos paulistanos. O presidente mais envolvido com o esporte bretão desde Garrastazu Médici tem seus motivos: “Nada está pronto para 2014”, esperneou Josef Blatter, amigo e correligionário suíço do centenário João Havelange, dono da Cometa e sogro de Ricardo Teixeira.

Um bilhão de outros motivos – equivalentes ao orçamento do estádio – explicaria o entusiasmo dos envolvidos no projeto, que tem apoio até do Juca Kfouri, tradicional opositor do presidente da CBF. Nessa novela, aliás, Teixeira finge-se de morto. E lembra que a renovação total do futebol brasileiro – argumento que lhe serviu de açoite da própria cria – precisa de mais estádios e novos talentos, razão pela qual a CBF decidiu antecipar a “janela” pela qual entram em cena, desde agora, as novas esperanças do Brasileirão: Beletti, Keirrison, Tinga, Rafael Sobis.

Mas por que o espanto? - Muitos de nós vivemos do esporte mais fascinante do globo, da Globo e não só dela, não é verdade? – Há, nesse bandejão, espaço para tudo, da salada do Roberto Avallone à carne de braço do Zé Trajano, passando pelo picadinho de Luciano do Valle, o ossobuco da TV Gazeta, a limonada da CBN e o feijão com arroz da da Eldorado com a ESPN, do estudioso PVC.

Pelo menos, as estatísticas do PVC têm um alcance mais amplo e mais profundo: ele é capaz de lembrar que a escola dos centroavantes rompedores iniciada por Vavá só prosperou porque Orlando, e não Bellini, o mentor intelectual de Brito, Moisés e Abelão, aquele que quebrou o Zico – garantia tudo lá atrás, exceto quando o zagueiro insistia em jogar com a unha do dedo grande inflamada. Bem melhor do que os números do Mauro Naves, que, às vezes, não fecham: “Eu quero lembrar que o São Paulo, em 29 anos, nunca venceu o Corinthians jogando de meias azuis. O detalhe, Galvão, é que o São Paulo nunca jogou de meias azuis”.

Futebol é coisa séria, como pontificou o filósofo contemporâneo, Caio Decousseau Ribeiro, ao simpático Serginho Groissman, um dos raros ex-estudantes do Equipe que não faz média com ninguém. Ok, mas e o jogo de bola, que a gente gosta (gostava, no meu caso) de praticar e de assistir, desde tempo em que o samba não se aprendia no colégio (ninguém jogava no Andaraí) e que US$ 100 mil eram uma soma inimaginável de dinheiro, e não apenas o salário de goleiros descompensados como o Fábio Costa (hoje no Atlético) ou o Felipe, do Timão?

Bem, por enquanto, as novidades são essas, já que, depois do primeiro CQC, eu nunca mais assisti aos teoremas de Arnaldo César Coelho no barzinho do Galvão. Levantem as mãos para o céu. A Copa não passou de um traque, a tragédia de BrunoSheakespeareé outro departamento, como diria o presidente Lula, e o show precisa continuar.
Tudo isso prova que as mulheres nos ultrapassaram, de fato: para elas, a única razão do torcer são as pernas do Júlio César e a carinha do Kaká que, com o perdão da bispa Sônia, de santo, não tem nada. Talvez por isso o mundo feminino venha sofrendo tanta violência, como Dr. Sigismundo, certamente, explicaria.

A nós, homens, restou a saudade de um futebol do qual a atual campeã do mundo não passa de uma pálida lembrança – capaz de fazer corar Diego, Francisco, Domenikos, Salvador, Pablo e Juan (daria um time de futsal) e curtir imagens reveladoras da pin up paraguaia Larissa Riquelme no Twitter em seu aperitivo de ensaio fotográfico para uma revista masculina, algo que o kindle jamais alcançará. Foto: Jogando no Quintal (divulgação)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Zico, multiplique-se!


Quem sou eu para julgar um profissional que ganha R$ 200 mil por mês, que faz tanto sucesso com as mulheres e que tornou-se ídolo de homens, jovens e crianças? – Não farei isso. No entanto, gostaria de recomendar ao goleiro Bruno, em vez de prece, arrependimento ou contrição - sentimentos que possivelmente o assaltarão - a leitura dos versos que se seguem, quando ele tiver esquecido a esperança de ser convocado para a Copa de quatorze, como deixou escapar, na ante-sala da delegacia à qual entregou-se, na última terça-feira (7).

São versos de uma peça cuja leitura completa eu recomendo, fragmentos emprestados a um respeitável senhor medieval e a uma respeitabilíssima senhora do século passado que, talvez, se tivessem chegado a conhecimento do jogador no tempo certo, teriam, quem sabe, evitado a sua própria tragédia. Imagens de anúncios descoloridos pela derrota do nosso time na Copa desfilam pela tevê enquanto escrevo, garotos pobres batendo bola tristemente, por um tênis ou por uma cola, tão frágeis quanto a fera abatida que ilustra a cena principal, igualmente alheios à própria arte.

Você, Bruno, não matou apenas aquela garota, tão desamparada quanto você, inclusive pela ambição que os aproximou: você deixou uma nação perplexa, manchou uma reputação que não ajudou a construir, ao contrário dos homens que tentou humilhar, como o ex-técnico Andrade, e o atual, Zico (a quem peço multiplicar-se, no título acima) – meninos pobres como você, mas que cresceram e iluminaram os seus iguais; que abriram, com passes de mágica, brechas incríveis entre o sórdido e o sublime, entre variadas dimensões da vida. Vida que você, Bruno, tocado pelo ódio, ou pelo desespero, desprezou. Veja que triste, para um artista da bola: nem isso você inventou.

Apaga, estrela, para a luz não ver meus desígnios negros,
Fique o olho cego à mão, porém insisto
Que o que ele teme, feito, seja visto.

Vinde, espíritos das idéias mortais, tirai-me o sexo,
Inundai-me, dos pés até a coroa,
De vil crueldade. Dai-me o sangue grosso
Que impede e corta o acesso do remorso,
Não me visitem culpas naturais
Para abalar meu sórdido propósito;

Espreita e serve o mal. Vem, negra noite!
Apaga-te na bruma dos infernos,
Para não ver minha faca o próprio golpe;
Nem o céu poder varar o escuro para gritar-me: Pára! Pára!

Ficasse feito o feito, então seria
Melhor fazê-lo logo: se o matar
Trancasse as conseqüências e alcançasse
Com seu cessar, sucesso; se este golpe
Pudesse ter um fim de tudo aqui,
E só aqui, nesta margem do tempo,
Riscava-se o futuro.

Que fera, então
Levou-te a sugerir-me tal empresa?
Quando o ousaste é que foste um homem.
E para vir a ser mais do que foste
Devias ser mais homem. Eu já amamentei
E sei quanto é doce o sugar do neném;
Mas poderia, enquanto me sorria,
Roubar-lhe o seio da gengiva mole
E arrebentar-lhe o cérebro, se houvesse
Jurado que o faria.

Quando o rei dormir
Ao que a dura viagem deste dia
Há de chamá-lo – seus dois camareiros
Hei de embalar com tanta e tal bebida
Que a guardiã do cérebro, a memória,
Fará, com seus vapores, da razão,
Mero alambique.

Não hão de julgar todos,
Se cobrirmos com sangue os camareiros,
Dormindo junto às armas que usaremos,
Que foram eles?

Fiz o feito. Não ouviste os barulhos?
(Olhando as mãos) É uma visão triste
Que tolice dizer que é visão triste.

Dá-me os punhais. Os que dormem e os mortos
São só quadros. Só quem é criança
Vê o que temer em diabo pintado.

Quem bateu?
Por que todo ruído me apavora?
Quem mãos são essas que me arrancam os olhos?
Será que o vasto oceano de Netuno
Pode lavar o sangue destas mãos?
(trechos escolhidos de Macbeth, Sheakespeare, 1606, traduzidos por Bárbara Heliodora)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cardápio do povo



Uma cerimônia austera marcou a 37ª. Edição de Melhores e Maiores de Exame, na última segunda-feira (5): nenhuma gota de álcool, um caldo quente no final e um discurso comedido do presidente do grupo Abril, Roberto Civita, na linha do vamos melhorar o que está bom. Henrique Meirelles, do BC, foi o único representante do governo, que as publicações da Casa costumam surrar à vontade.
Doutor Roberto não deixou de mencionar a complexidade tributária e a infra-estrutura deficiente do país, além de “uma classe política pouco sensível às reformas de que necessitamos”.
No entanto, vez de criticar as mazelas políticas, atribuiu à elite, as responsabilidades da elite, seja lá o que isso for. A minha, por exemplo, enquanto elite, poderia ser simplesmente testar os pratos do Manacá, em Camburi-SP, que o dono da festa também aprecia.

Melhores e Maiores 2010 foi a publicação de maior peso na história da Abril, segundo seu próprio editor: 1,114 kg de estatísticas, boas reportagens e pesquisas. Um empresário com negócios na Ásia justificou-me, à boca pequena, estar ali apenas para colher a revista, cujas informações começariam a ser digeridas na mesma noite, para gerar indicadores em seus prospects no Sol Nascente. Páginas e páginas de publicidade rechearam o prato de resistência do evento. A Hering, que eu preferia basic em vez fashion (como a cidade pediu), foi eleita a Melhor Empresa do Ano.

Tudo certo, tudo previsível. Só faltou o Caio Decousseau como mestre de cerimônias, em vez da Mônica Waldvogel. Ele teria dito: “Se o país está crescendo, Galvão, é sinal de que as empresas estão ganhando dinheiro!”.

Tanta obviedade me deixou, como dizia minha avó, com a pulga atrás da orelha: -Quanto tempo vão durar as grandes promoções e mega-eventos das publicações impressas de prestígio, como Exame, Valor, Isto É e Carta Capital, considerando-se as atuais perspectivas da informação remunerada, no Brasil e no mundo? – Qual a importância comercial e política desses encontros, hoje, no budget de seus patrocinadores, ou na cauda longa de seus grandes títulos? – Notei, melancólico, a ausência daqueles velhinhos que costumavam penetrar nesses coquetéis: traços de um cotidiano mais complexo ou sombras de um passado de fausto?

A única notícia que a revista me trouxe – respeitando os colegas que batalharam na sua elaboração – foi a mudança de perfil da chamada produção nacional, algo que já vem se desenhando há algum tempo, na própria Exame e publicações concorrentes: empresários novos e mais ricos, não necessariamente nesta ordem, numa nação que, afinal, dobrou de tamanho nas últimas décadas, mas que, na contramão da propaganda oficial, embora esteja comendo pouco mais, continua carente de Educação e de oportunidades à altura de suas necessidades.

Eu, por exemplo, paguei um mico ontem, na oficina de manutenção do meu notebook, por desconhecer um simples comando que restaura as funções do mouse acoplado ao teclado do equipamento. A oficina, a propósito, fica em frente a uma igreja Universal. Fui até lá para sacar dinheiro: no pátio interno, há uma lanchonete de uma dessas redes famosas e dois caixas automáticos: um do Bradesco e um do BB. O prédio - situado na avenida João Dias, em São Paulo, capital que não é nenhum Fauburg Saint Honoré – como diria o Caio Decousseau, tem o mesmo porte de uma Notre Dame de Paris.

Será que se acrescentasse um pouco de Educação (formal) às propostas de governo dos candidatos que ontem foram para as ruas (como a av. João Dias), ou às responsabilidades da elite que compareceu ao Monte Líbano-SP, anteontem, melhoraríamos o nosso cardápio? - Cartas para o meu novo ídolo filosófico, acima citado.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Notícias de ontem



Além da brincadeira infeliz de Sandra Anemberg no jornal Hoje (TV Globo) de que São Pedro estragou o São João, no nordeste (45 mortos, 600 desaparecidos, 150 mil desalojados), a principal notícia de ontem (23) virou manchete dos jornais de hoje: Dilma lidera as pesquisas. Mas os fatos novos vieram da crítica de Serra à política econômica (debate Uol, comentários de Elio Gáspari na Folha de SP) – e na frase de Marina Silva em entrevista à Globonews de Míriam Leitão (O Globo), afirmando ser ela a melhor opção dos produtores rurais nas próximas eleições – opção sustentável, ela esqueceu-se de dizer.

Na mesma entrevista, Marina lembrou bem: o governo decidiu promover o etanol em vez de certificá-lo junto aos interessados, os mesmos que acabaram banhando o golfo do México de petróleo, essa commodity fora de moda que, segundo o editorial do Estadão também de ontem, tem sido o maior cabo eleitoral da candidata governista. Já em Belo Monte, nem Lula, com toda a sua popularidade, conseguiu evitar os protestos.

A crítica de Serra: “O Brasil tem três ou quatro recordes dos quais eu me envergonho: as altas taxas de juros e impostos, a "lanterninha" nos investimentos governamentais e a maior hipervalorização da moeda no mundo. Tem um certo arranjo aí que não funciona, e que eu me proponho a consertar". Enunciado desse jeito – observou Gaspari – move poucos votos, mas significa o seguinte: com a taxa de juros a 10,25% ao ano, o Brasil continua a ser o país do mundo onde mais se ganha dinheiro sem precisar trabalhar, emprestando-o ao governo. Finalmente, o real sobrevalorizado barateia as compras em Miami, mas dificulta as exportações.

Correto, mas e o vice do candidato, que não sai? – A militância do PSDB, esse paradoxo, acusa o seu candidato de improvisação e voluntarismo, mas não seriam estas, justamente, as suas principais qualidades, considerando as opções disponíveis no cenário nacional? – Se vivermos, veremos. A propósito da morte, esse medo já não me aflige. Do jeito que andam os meios de comunicação, tenho mais medo da fama: no outro dia, a apresentadora do Metrópolis, da TV Cultura, chamou o Tomzé de cantor baiano e o Ziraldo de autor infanto-juvenil. No TV Fama, a esposa do Kaká disse que a crise de 2008 foi providencial, para que todo o dinheiro do mundo fosse para o no Real Madrid, a fim de que este contratasse o seu marido. Ela não estava brincando: justificou o fato como intervenção divina. Não sei se está no Youtube, mas se estiver, vale a pena.

Finalmente, além da tristeza do Bonner e da Fátima – diariamente, antes da novela – o dia de ontem trouxe, também, a notícia da abobrinha verde e amarela (foto) desenvolvida pelo Embrapa para a Copa do Mundo (Bandnews, 23/6). O que os pesquisadores do órgão não imaginavam era que o Dunga e a Rede Globo resolveriam brigar, bem nessa hora. Competição mais dura do que o jogo desta sexta-feira (25/6), entre Brasil e Portugal.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Chegou a hora


Marina Silva perdeu a chance de antecipar o discurso de Barak Obama, ontem (15), sinalizando uma nova era na matriz energética mundial, em face do desastre no Golfo do México. Na audiência do Congresso norte-americano, hoje, 16, só faltou José Sérgio Gabrielli, da Petrobras. CEO’s da Exxon, Shell e Chevron – que já investem em fontes renováveis de energia há alguns anos – fingiram jogar a toalha, admitindo a mudança de paradigmas proposta por Obama, depois, é claro, de circunscrever a responsabilidade pelo acidente e suas conseqüências à petroleira britânica.

Pode ser que a Petrobras, líder mundial na exploração de óleo em águas profundas, esteja imune a uma ocorrência semelhante. Mas imprensa brasileira repercutiu timidamente a questão, ao contrário do espaço dedicado à briga pelos royalties do Pré-Sal. Também é possível que as previsões de Obama estejam exageradas, em face do petróleo que o mundo deve consumir, nos próximos 50 anos. Mas não se pode ignorar as transformações que as pessoas vêm operando em seus próprios hábitos – independentemente de ideologia – nem os reflexos da consciência ambiental na educação, na cultura, na produção e na própria esfera política: Marina Silva é uma prova disso.

Na euforia de Copa do Mundo (a justificativa do momento é que o brasileiro gosta muito de futebol), os meios de comunicação formais não têm dado atenção ao debate da energia, assim como a outros temas deixados ao relento: o reajuste dos aposentados (sem o fator previdenciário), a greve do judiciário paulista (lembro-me da surpresa de uma amiga, há poucos dias, ao constatar a existência de um curso de Administração Judiciária nos EUA), os fantasmas do Senado e, sobretudo, o debate político, que continua longe das reformas de que o país necessita de fato (hoje tem Marina no Uol, sábado às 15 horas, Serra no Roda Viva pela web).

Sobre a Copa, recomendo o artigo de Fernando Barros e Silva, na FSP de hoje (16): “Medíocre, sem brilho, apático, previsível. O Brasil fez uma estréia sofrível na Copa do Mundo. Tostão e Paulo Vinícius Coelho saberão explicar mais e melhor as deficiências dessa seleção de gladiadores. Mas mesmo aí, nessa identidade de guerreiros da pátria que foi forjada, com a mão de Dunga, para fins de mercado, há um abismo entre o que a propaganda vende e a mercadoria que foi entregue em campo”.

Enquanto isso, fiz questão de assistir ao noticiário da TVE, neste dia de estréia da Fúria (lembrando o último post deste blog, Cuenta Atrás). O principal tema de Ana Pastor foi o debate do aumento de 4% que Zapatero está propondo na tarifa de energia elétrica; o segundo, a reforma trabalhista, enquanto o país vive a ameaça de uma greve geral; o terceiro, o ajuste de E 19 bi que Bruxelas exige da Espanha. A Fúria, que no momento em que escrevo, joga contra a Suíça, não ganhou mais de 30 segundos na TVE, sob a seguinte palavra de ordem: prudência. Além, é claro das manchetes esportivas dos jornais da península, um dos quais dedicou sua manchete de hoje ao Bloody Sunday (Londonderry, 30/01/1972), pelo qual o premier britânico, ontem, pediu desculpas à nação.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cuenta atrás


Ana Pastor, da TVE (Los Desayunos): experimente
A entrevista de Juan Luis Cebrian, fundador do El País – jornal que redescobriu a democracia na Espanha pré-Almodóvar, no fim dos anos 70 – a Elizabeth Magalhães, da Globonews (31/5, link abaixo) tinha o propósito de discutir o papel do jornalismo clássico diante das novas mídias. A conversa desviou-se (felizmente) para a ética da comunicação. Na opinião do autor de O pianista no bordel, o jornalismo sempre serviu aos interesses da elite e do poder, com raros intervalos de um anarquismo saudável que, eventualmente, produziu mudanças como a imprensa nanica, no Brasil dos mesmos anos 70.

Naquela segunda-feira (31/5), a TV aberta exibiu um Roda Viva com Fanny Ardent – artista que interpretou Maria Callas no teatro e no cinema, e que odeia ser conhecida como a ex de François Truffaut – e o primeiro CQC pós-polêmica do jornalista-humorista Danilo Gentile contra as ONGs que o acusaram de racismo (a polêmica comeu solta no Twitter). Nesse dia, somente as produções do Superpop e do Todo Seu dão deram bola para as transições da informação e da cultura contemporâneas.

Ainda no dia 31/5, Lúcia Guimarães, a vida inteligente que havia na conexão Manhanttan, comemorou a compra do seu iPad em sua coluna no Estadão, mas o assunto em pauta continuou sendo a produção de conteúdo que corre por fora da pipeline da mídia oficial.

No domingo, 1/06 (Dia da Imprensa, para o Correio Braziliense), passei os olhos pela revista Veja que se pode folhear gratuitamente na biblioteca do parque do Ibirapuera e descobri que uma salsicha tem as mesmas 400 calorias que duas colheres grandes de feijão, meio prato de salada em 120 gramas de filé de frango grelhado. Mudou a minha vida, mas, logo depois, no feriado de Corpus Christi (3/6), depois de perder a carteira e de me achar com dez reais no bolso, descobri uma farmácia do Litoral que vende Omeprazol no varejo.

No último fim de semana, tive que me render, finalmente, à histeria da Copa: a Época trouxe matéria de capa sobre pesquisas científicas provando que os jogadores de futebol não apenas têm cérebro, como dele se valem para destacar-se na sua prática profissional. Comentando a notícia com outro passante que pescava as manchetes na banca de jornais (hábito relaxante, depois de anos de internet), chegamos à conclusão de os nossos convocados são milagres ambulantes, considerando a sua origem humilde e demais obstáculos de um país como o nosso.


A divina Fanny Ardent, por exemplo, nasceu na França e cresceu no principado de Mônaco; ingressou na faculdade de Ciências Sociais (Ais-en-Provence) aos 16, curso que trocaria pelo de Arte Dramática, aos 18. Aos 21, estreou no teatro e aos 26, no cinema (Marie Poupée, 1976). Aos 30 anos, conheceu Truffaut. Um ano depois, recebeu sua primeira indicação ao Cesar – prêmio anual do cinema francês.

Frases da atriz (atual diretora), que nasceu e viveu na elite européia: “Eu admiro mais as mulheres livres, mas posso compreender que uma mulher ame a um só homem em sua vida. Tive o exemplo de minha mãe e de minhas avós, que foram livres ao amar seus homens"; "Eu amo as pessoas que ajudam os outros. Odeio fanatismo, detesto disciplina, ordem, hierarquia"; "O mundo está cada vez menos livre, cada vez com mais medo. E prefere segurança, em vez de liberdade”.

Como nas velhas rodas-gigantes e nos contos de Pirandello, às vezes, o que está em cima vai para baixo, as aparências enganam e o que parece muito importante, vira circunstância. Que o espírito da atriz ilumine os nossos jogadores já que, de hoje em diante, a nação entra na contagem regressiva daquilo que a minha musa jornalística, Ana Pastor (Los Desayunos, TVE, na foto acima) chamou hoje (9/5) de aventura africana, em sua nota sobre a Copa: Cuenta Atrás.

http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1597101-17665,00-JORNALISTA+JUAN+LUIS+CEBRIAN+FALA+SOBRE+A+SOBREVIVENCIA+DOS+JORNAIS+DE+PAPE.html

sexta-feira, 28 de maio de 2010

São João


(Se beber, não dirija)

Por que razão uma quadrilha vestindo rosa-choque e uma bandinha com cara de fome batucam e dançam para uma câmera da Globonews, às sete horas da manhã? – Para ilustrar matéria sobre a abertura oficial das festas juninas em Caruaru-PE, com aquele texto-padrão que deveria exalar euforia, como recomendava a Leilane Neubarth, em seus media training: “Vai ter isso e aquilo, prêmios, diversão para toda a família, talvez o próprio São João reencarnado gritando: - Olha a cobra! –É mentira”.

Mas o texto que acompanha as imagens é um amontoado de mesmices burocraticamente expelidas sem nenhum entusiasmo. Reflexo do que se transformaram as próprias festas juninas no Nordeste, atacadas sem piedade pela indústria de bebidas, nos últimos anos como, aliás, a maioria das outras comemorações populares do país.

E por que as emissoras de TV cumprem, sem questionar, esse ritual, ano após ano? – Primeiro, porque os fabricantes de bebidas estão entre os seus maiores anunciantes, claro. Depois, porque a falsa alegria evita que as pessoas pensem na descaracterização de seus costumes, na educação precária, na violência e nas drogas, na poluição, nos descaminhos das religiões, nas desigualdades e em todas essas outras chatices que não enchem barriga. Nem os olhos.

Mas as novas festas juninas, se é que cabe a classificação, também interessam ao comércio, à indústria do turismo e, em ano eleitoral, àquela politiquinha de cabresto que sempre dá um jeito de aparecer nos eventos populares, nem que seja para sair numa fotinho, ao lado de um famoso, numa Caras local.

O texto da notícia de hoje (28/5), na Globonews, não deixou de informar a presença de nossos grandes artistas em Pernambuco. Todos devidamente patrocinados pelas marcas de bebidas e de cartões de crédito, também presentes nos outros carnavais. E, mais uma vez, milhares de pessoas vão lotar as praças e avenidas com a sua boa vontade, barulho, lixo e embriaguez, para realimentar a sua própria frustração, até o próximo ano, quando as lembranças já se terão esvaído, deixando um gostinho de saudade.

Pois é. A minha saudade é outra, mas não me envergonho dela. Independentemente da colheita, do solstício e das bruxas do norte, que não voltam mais, continuo preferindo o pé-de-moleque e a batata doce da fogueira, o som da sanfona caipira e, principalmente, o quentão de pinga e gengibre, em vez de Cuba Libre e Capeta.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Dunga, Mestre e Zangado



Não conheço os detalhes – não sou religioso, nem no futebol – mas agradeci aos deuses o relativo silêncio das emissoras (principalmente), sites e jornais (relativamente) em torno da seleção brasileira, neste fim de semana. Com o perdão dos amigos fanáticos – dois deles, seguidores deste blog, para minha honra e gáudio – estou na contramão da contagem da Globo: por mim, a Copa começaria às 11 horas do dia 11 de junho, a contar do apito inicial de México x África do Sul, em Johannesburgo.

Achei engraçada, a matéria da Sports Ilustrated (O samba está morto), associando a rigidez do nosso treinador ao novo perfil sócioeconômico do país (eu, se pudesse, iria à Brodway uma vez por ano); percebo as necessidades da mídia-negócio e entendo a afirmação do comentarista Edmundo (que se tornou conhecido como o Animal, enquanto jogador), ao rechaçar o mito de que a seleção entregou o jogo à França em troca de sediar o mundial de 2010: “O Brasil não tem educação nem cultura, só o futebol - por isso, somos obrigados a conviver com essas coisas”. Eu não iria tão longe.

No entanto, gostei da trava imposta pelo Dunga ao treino da seleção brasileira (OG, 22/05) porque, afinal, foram menos 48 horas de Mesa Redonda, Futebol Debate, em todos os canais de informação do país. Imaginem se a Veja resolvesse repercutir o fato, entrevistando a Sabrina Sato, do Pânico, em suas páginas amarelas, Ou se a Marília Gabriela tivesse que inquirir o Augusto Nunes e o Paulinho Moreira Leite sobre a ausência de meias na seleção, ontem (23/05) no GNT. O Augusto batia uma bolinha de vez em quando, mas o Paulinho acharia que os chineses estão boicotando a entrega de material esportivo à seleção. E montaria uma tese instantânea a respeito.

E o Manhatan Conection? – Será que o Obama, depois de solapar o Lula na questão do Irã, teria armado uma conspiração para tirar o Ganso (já nem se fala do Neimar) do escrete canarinho? – O que diriam o Caio Blinder e o Diogo Mainardi? – E o Matinas Suzuki, que anda sumido, mas prefaciou a terceira edição brasileira de Hiroshima, de John Hersey? (livro essencial). Bela salada, concordam?

– Enfim, graças ao Dunga, tivemos um fim de semana mais reflexivo, com tempo para sopesar as análises da crise européia, o equilíbrio de forças na campanha eleitoral, o veto presidencial ao fator previdenciário, a habilidade do secretário Nacional de Justiça no Nintendo iiiiiih, a vitória daquele tailandês no Festival de Cannes (encomenda do Tim Burton aos jornalistas brasileiros, que jamais conseguiram pronunciar o nome do vulcão islandês, o Eyjafjallajoekull).
Isso, entre outras questões relevantes, como o próprio bloqueio do Dunga à seleção (que não durou dois dias): - Afinal, o técnico está certo ou errado de evitar o assédio capaz de comprometer a performance do nosso time nessa competição sui generis que é a Copa do Mundo?

terça-feira, 18 de maio de 2010

As lentes de Miguilim


Cena do filme Mutum - Divulgação

Os casos de violência contra crianças, nas últimas semanas, meses, me assustam. De todos os tipos: do maníaco de Luziânia, no DF e Isabela Nardoni, em SP, ao menino assassinado por roubar um cavalo para dar um passeio, ontem (17/05), num subúrbio carioca (Emerson Pontes, 13 anos). Sem falar na pro-espancadora e na festa do netinho do vereador Luiz Gallo, de Niterói (RJ), que acabou em pancadaria. Ou na pesquisa do bullying, que desfilou pela grande imprensa, no mês passado, sem deixar rastro quase nenhum.

A doença social é um clichê, mas lembrei-me de Pai, “ralhando com Nhanina por querer empobrecer a gente ligeiro, com tanto açúcar gasto com porcaria de doces e comidas de luxo só porque os meninos e Miguilim gostavam”. E da surra no filho que levou o Pai a endoidecer e se enforcar com um cipó, com medo de haver matado o menino. Bons tempos do Rosa, dos livros. O que temos que rever? – A educação das crianças, a escola ou a qualidade dos pais?

Meus filhos não me dão netos, os filhos de quatro anos do meu vizinho de baixo brincam na academia de ginástica, os garotos do Serginho Groismann passam altas horas na Internet, o videogame já desbancou a Band e o SBT em tempo de audiência (Uol, 11/05) e temos os garotos da cracolândia, os mortos na caixa d’água, os que cheiram cola, os que dançam com malabares e toda essa ladainha que estamos cansados de ver e ouvir desde o tempo em que o disco se podia virar.

Alguns dirão que a resposta está na (ausência) da fé – pelo jeito, até dentro da Igreja – outros na matriz social, os psicanalíticos, na solidão, os economistas, na hipermodernidade de Lipovetsky (a cultura do excesso), a Palmirinha (TV Gazeta-SP, das 13 às 14 h), na falta do amor, o Hugo Possolo, no pouco incentivo à cultura – uma única virada por ano –, o presidente do Jockey, no azar de quem não apostou no Sal Grosso, no último domingo, nem ouviu o coral da Rede Globo cantando o Hino Nacional.

Eu – e, tenho certeza, uma legião de outros fãs – recomendaria uma releitura do mundo pelos óculos que Rosa emprestou a Miguilim, no desfecho de Campo Grande, lembrado acima e na bonificação que se segue, de amostra grátis: “O dia estava quente, o Grivo esbarrou para escutar a gaitinha do Liovaldo – nunca tinha avistado aquilo – e aproveitou, punha os patos para beber água num pocinho sobrado da chuva...”.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

O possível e o provável


Se você não tem 24 horas para voar à Xangai que resistiu ao massacre de prostitutas da revolução cultural, nem as míseras 12 horas que o separam da mostra do sul-africano William Kentdrige, no Moma-NY (foto) - uma excêntrica exibição de arte engajada, em plena era pós-moderna - ouso recomendar, baseado na frase colhida de um caminhão, há pouco ("Todos me perseguem, Deus me acompanha"), o seguinte roteiro: o lado B do meu amigo Robinson Machado, na galeria Mali Villas Boas, no Itaim Bibi -Tabapuã, 838; os óleos das duas bicicletas e três cadeiras de praia da exposição organizada por Andre Peticov, no espaço cultural do Empório Michelângelo (Fradique Coutinho, 798 -V. Madalena) e, diretamente do Guia da Folha, as colagens de Max Ernst no Masp e o Flávio de Carvalho do Mam-Ibirapuera. Essas duas últimas dicas dão direito, respectivamente, a uma esticada impressionista ao segundo andar do Masp e à mostra paralela do Mam, O homem nu. Entre o Masp e o Mam-Ibirapuera, você pode passar pelo mural de Eduardo Kobra, na 23 de maio. Sobre o lado B do meu amigo Robinson, no vértice da pop com a optical art, tenho observado que a atividade principal das pessoas, por mais que se aproxime do seu sentido da vida, já não basta para acomodar todas as suas inquietações, nessa era da sustentabilidade, que nos exige uma dose maior de autenticidade. Seja como for, a ilusão do eco -fornecida por este meio - reconforta e a expressão vira adrenalina. É provável que você me condene, mas é possível que aproveite um roteiro que para mim, neste fim de semana, tornou-se inviável.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Web-dia



Palavra que eu não recebi nenhum jabá da companhia aérea, até porque não sou um blogger famoso. Aliás, essa história de blogger-jabá é lenda urbana. Mas vamos à história: só no fim do dia entendi porque o Mano Menezes não quis responder às minhas três perguntas extra-futebol no vôo SP-Rio pela econômica Webjet, hoje (27/04), véspera do badalado confronto com o Flamengo. A entrevista poderia me transformar num blogger famoso, com acesso a todas aquelas vantagens-lendas inerentes a essa destacada posição nas mídias sociais.

Vejam as perguntas:

1) Você maneja bem as palavras, em suas entrevistas. É treino ou jeito para a coisa? - Muito Fernando Veríssimo? - Que jornais e revistas você lê, ou não lê? - Que rádios jornalísticas e telejornais vê/escuta? - E os sites e blogs? Quem ensinou você a manejar o twitter?

2) Os programas de Responsabilidade Social dos quais você participa (hospitais em SP e no RS) vêm de uma tradição familiar religiosa ou de uma formação política? - Existe, na sua opinião, vida inteligente (no sentido ético/estético) dentro do planeta futebol? - Quem são seus ídolos?

3) Vantagens e desvantagens de enfrentar, logo de cara, o Flamengo, depois de tanto esforço para chegar a esta fase, em primeiro lugar?

Obviamente, eu não perguntaria ao Mano Menezes se ele levaria o Neymar à África do Sul porque esta é uma prerrogativa do Dunga, como a imprensa esportiva já concluiu. O clima, no vôo, foi ameno, apesar da ameaça de cancelamento, na cabeceira da pista, por uma alegada pane geral nas telecomunicações do Santos Dumont e do assédio sonolento dos fãs - principalmente ao lateral Roberto Carlos - na econômica viagem que começou às 7h40, em Guarulhos.

Perto da aterrisagem, a tiração de sarro de praxe tomou conta do ambiente, depois das web-boasvindas e web-bomdias das comissárias: a web-pista que não chegava, a web-água da baía de Guanabara, o web-Cristo, o web-Pão de Açúcar. A razão pela qual a entrevista foi negada, portanto, não foi a TPM do jogo, nem o marketing (esse tormento contemporâneo) do mau humor, até porque essa marca já foi encampada pelo Muricy.

Mano Menezes já se autodenominara o porta-voz do dia, como me revelariam os radiojornalistas esportivos no final da tarde. "Não é hora de falar", decretou o comandante, em sua coletiva, com o objetivo explícito de "evitar a pressão da torcida carioca contra o Ronaldo". Segundo o primeiro ministro do Timão, o fenômeno tentaria aproveitar a oportunidade única de marcar, pela primeira vez, no Maracanã, lacuna imperdoável na carreira de alguém que já se consagrou como um dos maiores craques do país, em todos os tempos.

A imprensa teve que se contentar com essas duas frases de efeito. Nada de discutir a falta de heróis da nação brasileira ou a indisciplina que levou o Flamengo à situação atual e, muito menos, a impronunciável exegese dessa triste condição. Tampouco se pode discutir o penoso resgate do craque – hoje pesado e trôpego - que tanto nos deu e tanto levou de patrocinadores obesos e jovens talentos da equipe, passando pela heróica defesa da qual, o corinthiano, hoje, ousa duvidar.

Chegando ao Rio, o meu web-dia prosseguiu: o mouse do meu notebook resolveu me deixar na mão no início da apresentação para a qual eu me preparara durante um mês. Depois, fiquei sabendo por meu futuro ex-cliente que o meu concorrente vem oferecendo um produto tecnologicamente mais avançado. Em seguida, a reunião foi interrompida porque encontraram contrabando num dos navios da empresa.

Para me recompor, decidi almoçar no Sentai - um sujinho da Central do Brasil especializado em lagosta - e passei pela casa do Marechal Deodoro, pichada com 120 anos de atraso, mas não consegui atravessar a Presidente Vargas por causa de um incêndio no camelódromo local. Vaguei pelo Santo Cristo sob 36 graus e almocei correndo, mas não consegui pegar o vôo das 13h45. Enquanto esperava pelo próximo vôo, presenciei um pequeno tumulto causado por um sujeito que furou a fila do chek-in, administrado pela web-funcionária de terra com a pitoresca frase: "Vocês que se entendam".

Fui para a sala Vip tentar trabalhar um pouco, mas o cabo de internet deles não funcionava e não havia pendrive disponível. Fui a um quiosque comprar a memoriazinha, mas o web-vendedor, solidário, emprestou-me o dele por entender que os seus preços estavam muito salgados: cinqüenta reais por 2 GB. A prostituta que se apaixona, o traficante que usa a droga, os bancos que não aceitam cheques.

Não consegui transferir o arquivo do meu computador para o da sala Vip porque entre as facilities disponibilizadas aos portadores do cartão ficam escondidos por trás de uma parede de madeira para evitar roubos, fraudes, panes e demais riscos. Tentei minha web-conexão Vivo, mas o celular não funcionou, tampouco o callcenter da dita operadora, em três exaustivas tentativas.

Depois de matar todo esse tempo, tomei o web-vôo das 16h20, cuja turbulência causada por ventos de 160 km/h foram saudados pelo web-comandante como capaz de balançar um pouquinho o gelo de nossos copos ou embalar o nosso sono. Depois de nos tranqüilizar quanto ao horário da chegada, o moço informou que atingíramos nove mil metros de altura, a 760 quilômetros por hora, com uma temperatura externa de quarenta graus negativos, "razão pela qual", como assinalou, "eu recomendo aos senhores que permaneçam do lado de dentro da aeronave".

Uma web-viagem, enfim, divertida, mas que teria sido de pouca serventia, não fosse pela expressão carioca que ouvi numa banca de jornal da rua Santa Luzia, lembrando um espírito que - creio - não morrerá jamais naquela cidade: "Estou mais enrolado do que bacalhau de cobra".

Foto OESP na coletiva de hoje, 27/4/2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Tchaikovsky na Cracolândia



Cheguei atrasado à estação Júlio Prestes, depois de pegar uma José Paulino recém-anestesiada pelo sábado à tarde (17/4); passei pelo fantasma da velha rodoviária, contornei o finalzinho da Duque de Caxias, mas esperei como um novaiorquino por quatro angustiantes minutos, das 16h10 até o primeiro sinal do concerto, quando finalmente transpus a cancela do estacionamento que serve, tanto à Sala São Paulo, como à Estação Pinacoteca. Retirei o par de ingressos que me aguardava na recepção em tempo de ouvir o maldito Descartes berrar nos meus ouvidos:

- Você ficou de ver as serigrafias do Andy Warhool, antes!

Pensei “deve ser por isso que os franceses adoram o Brasil”, atravessei o espaço entre os dois edifícios com passada de agrimensor, subi as escadas como um macaco e varri com os olhos os retratos das rainhas daquela década – Marilyn, ele, Jackie Kennedy – e corri de volta ao concerto que inexistiu, do momento em que botei os olhos na velha estação da Sorocabana transformada em monumento à cultura e os primeiros acordes daqueles músicos magníficos assoando seus instrumentos antes do show.

Senti o peso de olhares pouco elogiosos a meus trajes inadequados - jeans e camiseta - e acomodei-me nas dobras da poltrona, antegozando o que viria.

A abertura da Clemência de Tito, de Mozart pela OSESP, foi inatacável, assim como o regente convidado, Louis Langrée. O concerto para trompete de Hummel – apresentando o solista norueguês, Ole Antonsen – levou-me à fanfarra de Ochelsis Laureano, meu professor de Música do ginásio, em Bauru-SP, onde conheci brevemente as agruras do trompete, e de lá, ao grande Miles. O concertino de Regis Jolivet, por sua vez, foi um quadro de Picasso.

Depois do intervalo, veio a 6ª. Sinfonia, cujo primeiro movimento você não vai sossegar enquanto não ouvir de novo, e que, depois, vai lhe parecer familiar, mesmo que você nunca o tenha ouvido, como tudo o que esse russo escreveu.

Pyotr Ilich Tchaikovsky (1840-1893) tentou o suicídio depois de um casamento frustrado que durou poucos meses; foi humilhado pelo mestre que entrou para a história por definir o seu concerto em Si bemol como “impraticável” e, segundo o crítico Robert Cummins (All Music Guide), não morreu de cólera, mas da ingestão de um veneno imposto pela Escola de Jurisprudência de Moscou, que se sentiu envergonhada com um episódio que expôs a homossexualidade do compositor.

Júlio Prestes concluiu a ferrovia que trouxe o café à praça onde hoje se distribui sopa a uma centena de moradores de rua da Cracolândia. Foi primeiro paulista eleito presidente da República Federativa do Brasil, mas nunca assumiu o cargo, impedido pela Revolução de 30, de Getúlio Vargas, nosso primeiro ditador. Impossível escapar das analogias, ou da idéia do que Tchaikovsky poderia fazer pelas pessoas do lado de fora, se elas tivessem a chance de ouvi-lo.

Fernando Henrique Cardoso, primeiro presidente oriundo de São Paulo depois de Júlio Prestes, embora tenha nascido no Rio, onde Vargas cometeu o suicídio, preside o conselho da Orquestra. Agradeci a ele em silêncio, ao entrar na Sala São Paulo, ao entender a orquestra. Não concordo com muitas das idéias do ex-presidente. A primeira frase que li, aliás, no verso do programa do concerto, dizia: “A música de concerto valoriza os detalhes e sons muito suaves – assim, manter o silêncio na platéia é muito importante”. Mas a frase, ou a coincidência, não passa de detalhe, numa obra respeitável. Que alimenta muitas almas do lado de dentro da estação.

A Patética me arrancou duas lágrimas e uma vontade danada de abraçar cada um daqueles músicos, mas não me impediu de comentar, antes do início do concerto, com uma vizinha de poltrona:

- Aquela garota do cello, de blusa branca, é muito boa.
- Como é que você sabe? – ela provocou.
- Estou vendo daqui – sussurrei, como um fradinho. Ela franziu o cenho e não me dirigiu mais palavra, no que fez muito bem.