quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Esquerda e Direita


Olha aí, Azenha, que fim levou a sua Perestroika
Eu e o Ramón, meu amigo de Bauru-SP, estamos perdendo uma boa parte da Mostra Internacional de Cinema de SP, quer dizer: eu consegui ver, no domingo 26/10, Uma Casa para o Natal, do norueguês Bent Hamer (ótimo); no sábado, 31/10, o maluco Tio Boonmee, do tailandês Joe Weerasethakul (Palma de Ouro de Cannes deste ano), além das quase seis horas de Carlos, de Oliver Assayas, cujo ator principal, Edgar Ramirez, causou frisson na platéia do shopping Frei Caneca. Pretendo assistir ainda, pelo menos: Vênus Negra, Aprendiz de Alfaiate e Rosas a Crédito, de Amos Gitai, que a monitora do festival com quem conversei achou “parado”.

Um lugar qualquer, de Sofia Coppola, Você vai conhecer o homem de seus sonhos, de Woody Allen e Bróder, de Jéferson De, vão chegar ao circuito comercial. Mas perdemos: Turnê, de Mathieu Amairic e Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami. No meu caso, por culpa da correria da metrópole; no do Ramón, por desfrutar da relativa tranqüilidade da cidade sem limites (no bounderies), que nos deu Pelé e um belo sanduíche, mas fica longe da capital. Eu e ele gostamos de cinema. Somos amigos há mais de cinco décadas, apesar dos intervalos impostos pela vida e pela morte. Mas eu, dificilmente seria rotulado como um sujeito de direita e ele, de esquerda.

Se algum desses rótulos nos coubesse, talvez tenhamos sido um pouco beats, no início da estrada, por conta do Kerouak que um amigo levou da capital (eu também morava em Bauru); três ou quatro poemas de Guinsberg e umas crônicas de Burroughs, além, é claro, do som dos Stones de Brian Jones x Mick Jagger, numa época em que julgávamos os Beatles meio caretas, exceto, talvez, pelo John. Passar uma noite na fila para ouvir o Paul McCartney era algo impensável, assim como imaginar o Keith Jarret estrelando Piratas do Caribe, seja no mundo macarthista de Walter Elias Disney, seja no pós-moderno de Justin Beaver.

Isso, para mim, é muito mais relevante do que pensar que o primeiro repórter a entrevistar o Michail Gorbatchev, da Perestroyka (pela Rede Globo) foi o Luiz Carlos Azenha, nosso foca no Diário de Bauru e hoje um dos principais jornalistas engajados no PT, ou que o jornalista brasileiro que cobriu a queda do Muro de Berlim foi o Pedro Bial, apresentador do Big Brother e ex da Renée Castelo Branco, musa das assembléias comandadas pelo Fernando Pacheco Jordão, no Sindicato dos Jornalistas, logo depois do assassinato do Vladimir Herzog.

Essa questão, de direita ou esquerda, me foi trazida, aliás, por um outro amigo, num desabafo sobre o novo sócio: “Eu sou de esquerda, ele, de direita, não concordamos em nada”. Eles podem divergir em tudo, mas não sei se cabe essa diferenciação. Há um terceiro amigo que pertenceu ao mesmo grupo dos que odiavam os Beatles e amavam os Rolling Stones. Ele é pecuarista e produtor de cana e laranja, atualmente. Considera o novo Código Florestal, do Aldo Rebelo (PCdoB) como um avanço e votou no PT. Já eu, vejo o novo Código como um perigo e não declaro o meu voto.
“É a realidade”, ele argumenta, “só vamos legalizar o que já está feito”. Mas, nos anos 60, 90% das araucárias do Paraná foram arrastadas pelas correntes da soja: você tinha que preservar 20% da sua área, mas só precisava vender esse pedaço a um cunhado para desmatar 80% daqueles 20%. Brigamos, bebemos e mudamos de assunto. Não sei mais quem é de direita ou de esquerda.
Na véspera do segundo turno, aliás, as perspectivas eram tão óbvias que até os institutos de pesquisa acertaram o resultado. O curioso é que tanto Dilma, quanto Serra tiveram a mesma formação de esquerda (marxista-leninista). Para um lado, os vícios do sindicalismo de Vargas (de origem facista), os escândalos de corrupção, a gestão neoliberal da economia e o desenvolvimentismo desautorizavam a bandeira da revolução social. Para o outro, Serra, além ser palmeirense, traria a elite de volta ao poder, apesar de sua origem e realizações, como o genérico, as vacinas para os idosos e a luta contra o cigarro.

No sentido original do termo, no parlamento francês, ambos pertenceriam à ala da esquerda, que defendia os pobres, hoje chamados de nova classe média. Enquanto isso, os novos ricos tornaram-se ídolos da classe média: Cláudia Leite, Ronaldinho Gaúcho, Felipe Massa, Abílio Diniz; dos aristocratas com algum espírito, só restaram os que estão no filme do Jabor; conservadores e liberais praticamente caíram na clandestinidade. Nem a religiosidade serve mais como parâmetro: ateus ou agnósticos, estão (estamos) completamente fora de moda, tanto à esquerda, como à direita.

Falemos então sobre o tea party, que, no bom programa da Maria Cristina Poli, o novo Jornal da Cultura, um comentarista associou erradamente à Guerra da Secessão, em vez da Guerra da Independência, onde tudo começou por causa dos impostos que os ingleses cobravam sobre o chá, entre outros produtos. Liderados pela Sarah Palin, aquela pantera, eles continuam contra os impostos, mas também não gostam de homossexuais, imigrantes e pobres em geral. Defendem a supremacia dos EUA, Deus, a família e a propriedade. E acabam de chegar ao Congresso. Mais uma vez, portanto, os norte-americanos estão à nossa frente: lá, pelo menos, eu teria inimigos que valeria a pena combater.

3 comentários:

  1. Roberto, eu vi algumas coisas interessantes, mas fiz uma agenda inversa às filas. Apostei em uns filmes desconhecidos e acabei vendo alguns manjados por pura questão de horário. Mas com o fim da mostra hoje já começa a me dar uma leve depressão... Vi um filme fantástico de uma diretora nova iorquina de origem iraniana que me valeu a Mostra toda - e depois conversei com a moça longamente. Chama-se "A Vizinha",acho.

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  2. Boa dica, esse vazio é complicado. Torço para que mais filmes cheguem ao circuito. Abraço.

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  3. Só li o artigo hoje, Roberto. Com esses parágrafos que mudam de assunto sem mudar o foco. Sempre muito bom de ler... Também me põe a lembrar como estou limitado nesta city of no boundaries - nem sabia que chopp misto era "carioca", como o cafezinho; nem da cachaça Nêga Fulô... Abraço.

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