terça-feira, 10 de agosto de 2010

Presciência


O caminhão carregado de aparas de grama, às sete horas da manhã, numa rua e num dia comuns (indicando que a manutenção das praças voltou); a neve que alegrou os turistas em São Joaquim, na semana passada; o bom humor dos entrevistados do CQC; os corredores de ônibus recém-pintados entre a periferia e os grandes escritórios, os pássaros calados, as árvores peladas, tremendo de frio, o ar assustado das pessoas: não há mais dúvidas, entramos na temporada das eleições. O carroceiro diz, no cartaz “gostaria de reciclar os políticos” - exagera, mas, coincidência ou não, no último domingo, cartazetes do Paulo Skaf foram espalhados nos bairros de São Paulo, por cujas calçadas tento andar.

O esquenta do Fernando Mitre e o pós-venda do CQC, na TV Bandeirantes, ontem (9/8) valeram mais do que o debate dos candidatos à Presidência da República – morno demais, apesar do jeitão do Boechat –, mas a sala da minha casa anda animada: - Quem estaria à esquerda do Netinho de Paula, do PC do B? – Sou do tempo do João Amazonas! – Mesmo assim, nossas discussões estão mais empolgantes do que a bancada do Jornal Nacional, diante da qual, Dilma e Fátima só faltaram trocar uma receita de cuca gaúcha por uma de sopa Leão Veloso, sob o olhar cada vez menos circunspecto do William Bonner.

Você, que não está no mailing dos assessores de imprensa, como eu, que um dia editei algumas publicações e nunca mais pude sair dessas listas, não perde por esperar: vêm aí os levisfidelis, emayels e toda aquela plêiade de candidatos – nanicos e pesadões – dos quais, como Caronte, nunca haveremos de nos livrar. Tudo por esses cargos e algumas funções que nos recusamos a assumir, mesmo quando precisamos fazer umas comprichas no Paraguai, mandar a sogra para a Europa ou um brother para os EUA, com a cueca recheada de dólares. A ficha limpa vai depurar um pouco o processo? – Esperemos que sim, mas vai depender daqueles senhores de capas pretas, que já foram mais dos holofotes.

Pense que, pelo menos, dentro de alguns dias, você vai poder trocar as bobagens dos anúncios de carros e cervejas por outras, políticas, prometendo consertar as calçadas, enquadrar prestadoras de serviços e planos de saúde, fomentar a Educação, criar empregos que ninguém vai preencher por falta de qualificação, construir novas pontes, rodoanéis e viadutos para desafogar o trânsito (é mais barato do que o metrô), polícias pacificadoras, saneamento nas favelas, acabar com o desmatamento e com a praga do crack no campo, hidrelétricas que não incomodem sapos e quilombolas e tudo o mais que você está acostumado a ouvir nessas ocasiões. Mudam as moscas.

No mais, a democracia vai se consolidando e as coisas vão se ajeitando por conta própria, como os passageiros dos ônibus lotados. Afinal não carecemos de intermediários: os programas humorísticos da tevê não podem mais mexer com os políticos, mas quem precisa de humorista, nesta estação? - Para os amigos poetas, que me consideram meio ácido, às vezes, segue a versão de Presciência do Rilke:

Ich bin wie eine Fahne von Ferne umgeben.
Ich ahne die Winde, die kommen, und muss sie leben,
Wahrend die Dinge unten sich noch nicht rühren:
Die Türen schliessen noch sanft, und un den Kaminen ist Stille;
Die Fenster zittern noch nicht, und det Staub ist noch schwer
Da weiss ich die Stürme schon und bin erregt wie das Meer.
Und breite mich aus und falle in mich hinein
Und werfe mich ab und bin ganz allein
In dem grossen Sturm.

Sou como uma bandeira trazida de longe
Pressinto os ventos que vêm, devo vivê-los
Enquanto as coisas, lá embaixo, ainda não se movem:
As portas fecham-se sem ruído e as chaminés se aquietam;
As vidraças não tremem, ainda, e a poeira está pesada.
Mas eu já sei a tempestade e me agito como o mar.
Inflo-me e desfaleço e me lanço, completamente só,
Na grande tormenta.