sexta-feira, 30 de abril de 2010

O possível e o provável


Se você não tem 24 horas para voar à Xangai que resistiu ao massacre de prostitutas da revolução cultural, nem as míseras 12 horas que o separam da mostra do sul-africano William Kentdrige, no Moma-NY (foto) - uma excêntrica exibição de arte engajada, em plena era pós-moderna - ouso recomendar, baseado na frase colhida de um caminhão, há pouco ("Todos me perseguem, Deus me acompanha"), o seguinte roteiro: o lado B do meu amigo Robinson Machado, na galeria Mali Villas Boas, no Itaim Bibi -Tabapuã, 838; os óleos das duas bicicletas e três cadeiras de praia da exposição organizada por Andre Peticov, no espaço cultural do Empório Michelângelo (Fradique Coutinho, 798 -V. Madalena) e, diretamente do Guia da Folha, as colagens de Max Ernst no Masp e o Flávio de Carvalho do Mam-Ibirapuera. Essas duas últimas dicas dão direito, respectivamente, a uma esticada impressionista ao segundo andar do Masp e à mostra paralela do Mam, O homem nu. Entre o Masp e o Mam-Ibirapuera, você pode passar pelo mural de Eduardo Kobra, na 23 de maio. Sobre o lado B do meu amigo Robinson, no vértice da pop com a optical art, tenho observado que a atividade principal das pessoas, por mais que se aproxime do seu sentido da vida, já não basta para acomodar todas as suas inquietações, nessa era da sustentabilidade, que nos exige uma dose maior de autenticidade. Seja como for, a ilusão do eco -fornecida por este meio - reconforta e a expressão vira adrenalina. É provável que você me condene, mas é possível que aproveite um roteiro que para mim, neste fim de semana, tornou-se inviável.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Web-dia



Palavra que eu não recebi nenhum jabá da companhia aérea, até porque não sou um blogger famoso. Aliás, essa história de blogger-jabá é lenda urbana. Mas vamos à história: só no fim do dia entendi porque o Mano Menezes não quis responder às minhas três perguntas extra-futebol no vôo SP-Rio pela econômica Webjet, hoje (27/04), véspera do badalado confronto com o Flamengo. A entrevista poderia me transformar num blogger famoso, com acesso a todas aquelas vantagens-lendas inerentes a essa destacada posição nas mídias sociais.

Vejam as perguntas:

1) Você maneja bem as palavras, em suas entrevistas. É treino ou jeito para a coisa? - Muito Fernando Veríssimo? - Que jornais e revistas você lê, ou não lê? - Que rádios jornalísticas e telejornais vê/escuta? - E os sites e blogs? Quem ensinou você a manejar o twitter?

2) Os programas de Responsabilidade Social dos quais você participa (hospitais em SP e no RS) vêm de uma tradição familiar religiosa ou de uma formação política? - Existe, na sua opinião, vida inteligente (no sentido ético/estético) dentro do planeta futebol? - Quem são seus ídolos?

3) Vantagens e desvantagens de enfrentar, logo de cara, o Flamengo, depois de tanto esforço para chegar a esta fase, em primeiro lugar?

Obviamente, eu não perguntaria ao Mano Menezes se ele levaria o Neymar à África do Sul porque esta é uma prerrogativa do Dunga, como a imprensa esportiva já concluiu. O clima, no vôo, foi ameno, apesar da ameaça de cancelamento, na cabeceira da pista, por uma alegada pane geral nas telecomunicações do Santos Dumont e do assédio sonolento dos fãs - principalmente ao lateral Roberto Carlos - na econômica viagem que começou às 7h40, em Guarulhos.

Perto da aterrisagem, a tiração de sarro de praxe tomou conta do ambiente, depois das web-boasvindas e web-bomdias das comissárias: a web-pista que não chegava, a web-água da baía de Guanabara, o web-Cristo, o web-Pão de Açúcar. A razão pela qual a entrevista foi negada, portanto, não foi a TPM do jogo, nem o marketing (esse tormento contemporâneo) do mau humor, até porque essa marca já foi encampada pelo Muricy.

Mano Menezes já se autodenominara o porta-voz do dia, como me revelariam os radiojornalistas esportivos no final da tarde. "Não é hora de falar", decretou o comandante, em sua coletiva, com o objetivo explícito de "evitar a pressão da torcida carioca contra o Ronaldo". Segundo o primeiro ministro do Timão, o fenômeno tentaria aproveitar a oportunidade única de marcar, pela primeira vez, no Maracanã, lacuna imperdoável na carreira de alguém que já se consagrou como um dos maiores craques do país, em todos os tempos.

A imprensa teve que se contentar com essas duas frases de efeito. Nada de discutir a falta de heróis da nação brasileira ou a indisciplina que levou o Flamengo à situação atual e, muito menos, a impronunciável exegese dessa triste condição. Tampouco se pode discutir o penoso resgate do craque – hoje pesado e trôpego - que tanto nos deu e tanto levou de patrocinadores obesos e jovens talentos da equipe, passando pela heróica defesa da qual, o corinthiano, hoje, ousa duvidar.

Chegando ao Rio, o meu web-dia prosseguiu: o mouse do meu notebook resolveu me deixar na mão no início da apresentação para a qual eu me preparara durante um mês. Depois, fiquei sabendo por meu futuro ex-cliente que o meu concorrente vem oferecendo um produto tecnologicamente mais avançado. Em seguida, a reunião foi interrompida porque encontraram contrabando num dos navios da empresa.

Para me recompor, decidi almoçar no Sentai - um sujinho da Central do Brasil especializado em lagosta - e passei pela casa do Marechal Deodoro, pichada com 120 anos de atraso, mas não consegui atravessar a Presidente Vargas por causa de um incêndio no camelódromo local. Vaguei pelo Santo Cristo sob 36 graus e almocei correndo, mas não consegui pegar o vôo das 13h45. Enquanto esperava pelo próximo vôo, presenciei um pequeno tumulto causado por um sujeito que furou a fila do chek-in, administrado pela web-funcionária de terra com a pitoresca frase: "Vocês que se entendam".

Fui para a sala Vip tentar trabalhar um pouco, mas o cabo de internet deles não funcionava e não havia pendrive disponível. Fui a um quiosque comprar a memoriazinha, mas o web-vendedor, solidário, emprestou-me o dele por entender que os seus preços estavam muito salgados: cinqüenta reais por 2 GB. A prostituta que se apaixona, o traficante que usa a droga, os bancos que não aceitam cheques.

Não consegui transferir o arquivo do meu computador para o da sala Vip porque entre as facilities disponibilizadas aos portadores do cartão ficam escondidos por trás de uma parede de madeira para evitar roubos, fraudes, panes e demais riscos. Tentei minha web-conexão Vivo, mas o celular não funcionou, tampouco o callcenter da dita operadora, em três exaustivas tentativas.

Depois de matar todo esse tempo, tomei o web-vôo das 16h20, cuja turbulência causada por ventos de 160 km/h foram saudados pelo web-comandante como capaz de balançar um pouquinho o gelo de nossos copos ou embalar o nosso sono. Depois de nos tranqüilizar quanto ao horário da chegada, o moço informou que atingíramos nove mil metros de altura, a 760 quilômetros por hora, com uma temperatura externa de quarenta graus negativos, "razão pela qual", como assinalou, "eu recomendo aos senhores que permaneçam do lado de dentro da aeronave".

Uma web-viagem, enfim, divertida, mas que teria sido de pouca serventia, não fosse pela expressão carioca que ouvi numa banca de jornal da rua Santa Luzia, lembrando um espírito que - creio - não morrerá jamais naquela cidade: "Estou mais enrolado do que bacalhau de cobra".

Foto OESP na coletiva de hoje, 27/4/2010