quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Miudezas

Nada mais fútil do que aqueles kits de emergência que ficam nos banheiros dos hotéis, com agulhas, seis tipos de linha, dois botões e um alfinete de fralda do tamanho de uma mosca varejeira: tenho três desses no armário do escritório, há anos. O nome é vanity pack. Guardo, ainda, um sewing kit (conjunto de coser, ou costurar), um midnight recover (máscara reparadora noturna), um protetor auricular e uma calçadeira de plástico, sem falar nos hidratantes, óleos de banho e uma infinidade de outros pacotinhos feitos para brincar com a nossa tara por brindes e miniaturas.

Descubro, pela Internet, que tem muita gente ganhando dinheiro com isso, enquanto eu me preocupo com essas porcarias quando viajo, sempre a trabalho. Também coleciono artigos de cultura inútil das revistas de empresas aéreas, como “Nosso poder de digestão segue o ciclo do sol”; “Cinco palestras imperdíveis”; “A conferência que quer mudar o mundo” (falando sobre o TED-Technology, Entertainment, Design, de Harvard), e “Insensatez”, sobre a falta que fazem casas de bossa nova no Brasil, como as de tango, na Argentina, ou as de jazz, em Chicago.


O diabo mora mesmo nos detalhes: não consigo pagar R$ 25,00 ou US$ 14 por um drinque nos bares dos hotéis; atravesso a rua para beber mais barato, em vez de procurar a loura misteriosa que distrai a imaginação de executivos de camisa amassada nesses lugares de pouso. Às vezes, compensa: um passeio de algumas quadras no bairro de Palermo, em Buenos Aires, pode revelar letreiros interessantes: Alma Secreta (estética integral), No somos santos (bistrô), Demorate aqui (joias), Atempo-hotel.

Acho engraçado receber um release falando de um novo tira-manchas à base de frutas cítricas – devolvo, sugerindo à remetente enviar ao pessoal que cobre o Mensalão – mas não absorvo premissas óbvias como: não tentar sair de Curitiba de avião, no inverno, antes das dez da manhã. Na semana passada, acordei, mais uma vez, de madrugada, para pegar um vôo às 8h30, que na minha chegada ao aeroporto, às 7h15, tinha sido cancelado.

As empresas aéreas, embora também estejam na mira da Grande Gerente, como as de telefonia e as de saúde, adoram reacomodar seus passageiros de dois ou três vôos cancelados num terceiro, que geralmente sai lotado, muito mais tarde, levando clientes que passaram horas espremidos nas salas horríveis dos aeroportos (o limite de atraso dessas empresas, antes que a brincadeira saia caro, é de quatro horas). A culpa é quase sempre do clima, mas chover no molhado é falar da Infraero, cujo sinal de Internet, no aeroporto de Curitiba (como na maioria dos demais), funciona menos do que a própria Infraero.

Pedi ao pessoal da Transportes Aéreos Marília que me liberasse o sinal de wi-fi da sala vip da empresa (mostrei o meu cartão de embarque, mas não tinha o cartão azul, de quem já aguentou 50 mil milhas, nos últimos meses). O burocrata do check-in me respondeu, feliz: “Não podemos”, no exato momento em que o Marco Bologna disputava uma partida de pólo em Porto Feliz, a convite do famoso champagne francês.

Longe de minha parceira, de cujo modem costumo me aproveitar, nessas ocasiões, fui até a Sala Vip, onde uma funcionária mais adequada ao seu público me concedeu uma hora de sinal grátis, a título de promoção. Passei novamente pelo raio x da PF que, nesse dia, estava trabalhando normalmente, mas, de volta à sala de embarque, o sinal parou de funcionar, afugentado pelo cheiro de manteiga rançosa que tomava conta do ambiente.

O aroma da lanchonete me fez lembrar da história ouvida na véspera de um colega, Humberto Pintado de Souza, que tem uma agência de notícias no Rio, e que foi procurar escola para os filhos, na semana passada, tendo sido convidado por uma das grandes empresas do setor a conhecer as suas instalações, começando pela praça de alimentação que, de acordo com a coordenadora pedagógica, contará, a partir do ano que vem, com restaurantes das bandeiras mais famosas do mundo. Perto de mim, o Humberto é um santo: avisou, educadamente, à moçoila, que entraria em contato, na primeira oportunidade.

Curitiba tem um ar laico, ou menos católico, que me atrai: conheço uma igreja que virou depósito de materiais numa área industrial, depois que a comunidade do entorno foi devidamente compensada pela construção de um novo templo. A mesma empresa mantém uma boa área de mata nativa, onde velhas araucárias resistem à fúria paranaense do soja.

Os traços da imigração européia estão na pele clara, nos cabelos alourados e nos gestos contidos, mas a ilusão de civilização cosmopolita que é vendida aos migrantes de Cascavel, Guarapuava e Cornélio Procópio, cessam aí: Ratinho Júnior, filho do Carlos Massa (aquela mistura de Mazzaropi com o Cão Detetive Rabugento) é o primeiro colocado nas pesquisas para a eleição do novo prefeito. O que posso dizer, como paulistano (adotado), se o Russomano bom para as partes divide, com o Serra e o Fernando Haddad, as preferências do nosso eleitorado? Pelo menos, penso, em São Paulo, casais que frequentam restaurantes não se sentam separados por gênero, como aqui: meninas de um lado, meninos do outro.

Tem mais: no restaurante em que me encontro, a senhora da mesa ao lado (que tem um ar de juíza) paga a conta do casal de namorados, e pergunta ao filho pelo pai dele, seu marido. O garoto explica, com um risinho irônico, que o velho não pôde vir por estar assistindo à novela das nove; essa mesma novela ganhou uma página do segundo caderno do Estadão de ontem (28/8) porque o diretor leu Dostoievsky. Convenhamos: os plágios não são perceptíveis à maioria das pessoas, e ele soube eleger a Débora Falabella, que faz todo mundo em volta brilhar, e José Abreu, egresso do bom teatro curitibano.

Nas ruas dos bairros de classe média de Curitiba por onde passei, nesta visita (Água Verde, Batel, Bigorrilho, Centro Cívico) o tráfego é veloz, sem compaixão para com os pedestres: aproveitem, vocês estão a dois passos de se arrastar pelas ruas, como nós, cariocas e paulistanos. Moto, nem pensar: aqui, quando não morremos atropelados por madames de Land Rover, somos autuados por marronzinhos escondidos nas sombras, com pistolas-radares.

Mas os paranaenses em Curitiba trabalham duro e são bons comerciantes: o atendimento, nas lojas e empresas de serviços, é impecável. Penso nisso quando o mâitre do restaurante onde descanso do dia pesado se aproxima, para anunciar, solícito: “Nós vamos se mudar. O nome do endereço eu esqueci; não, espera: é Teixeira Coelho”. O vinho e a comida estavam ótimos, mas não posso recomendar o local, com medo de apanhar.