quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Diário das Trevas


Em vez de desperdiçar o seu talento na tarefa de produzir uma campanha de contra-informação destinada a conter o desgaste de imagem do principal líder de seu partido, o ex-presidente Lula, o presidente do PT, Ruy Falcão, que dirigiu a revista Exame durante quatro anos, poderia usar a sua experiência política, como assessor de comunicação da ex-prefeita Martha Suplicy, para propor, no 5º. Congresso Nacional do Partido, previsto para fevereiro de 2014, um resgate do antigo arcabouço ideológico de seu partido, que incluía a ética e a transparência na administração pública. Falcão poderia articular a criação de uma nova ala da agremiação, que se chamaria, por exemplo, PT Autêntico.

A tarefa da intelectualidade petista, motivada pela condenação de alguns colaboradores do ex-presidente pelo Supremo Tribunal Federal, no processo do Mensalão, tornou-se mais delicada diante da intenção anunciada hoje (9/1/2013) pelo Ministério Público Federal de investigar o próprio Lula. Mas já não era fácil, considerando todos os escândalos de que se alastraram pelas administrações petistas, nos últimos anos, dos casos mais antigos e escabrosos – como os assassinatos dos ex-prefeitos Antonio da Costa Santos (Toninho do PT), de Campinas-SP, em 2001, e Celso Daniel, de Santo André-SP, em 2002 – aos mais recentes e rasteiros, como os do prefeito de Porto Velho (R0), Roberto Eduardo Sobrinho, o do prefeito de Senador Pompeu (CE), Lauriberto Braga, que fugiu de ônibus, e do prefeito de Palmas (TO), Raul de Jesus de Paiva Filho (todos em 2012).

A lista poderia incluir os episódios que envolveram medalhões do partido nos píncaros da República, como os ex-ministros Benedita Silva, Luís Gushiken, José Dirceu, Agnelo Queiroz (Operação Shaolin) e Antonio Palocci, seus aliados, os senadores José Sarney, Romero Jucá e Renan Calheiros, os ex-ministros, Mário Negromonte, Orlando Silva, Wagner Rossi, Pedro Novais, Silas Rondeau e Alfredo Nascimento, entre outros. Desses casos, eu me lembro bem (apesar da memória péssima), sem ter que consultar o (Ricardo) Noblat: afinal, este não é um blog de política.

Do ponto de vista do PT, João Goulart e Getúlio Vargas – que fundou a base da indústria nacional e se aliou aos nazistas, num certo período – foram combatidos por terem promovido a emancipação do proletariado, o mesmo extrato social que o PT, atualmente, denomina de “nova classe média” e que, segundo o ex-presidente Lula, na véspera das eleições municipais, não está interessado em política, e sim nas ofertas das Casas Bahia, coisa de país emergente. Nada demais, se isso não excluísse outros interesses, como o resgate da própria cidadania, que, por enquanto, o povo só consegue aprender com o Zeca Pagodinho.

Os inimigos de outrora, a “classe dominante”, secundada pelas “forças da reação” viraram mídia burguesa, a serviço das elites, ambas interessadas em desestabilizar o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores. O mesmo projeto de poder que, não fosse a operação Porto Seguro, da PF, já teria instalado um “nosso porto” em Ilhabela-SP, projetado pela criativa prancheta dos irmãos Paulo e Rubens Vieira, da Agência Nacional de Águas e da Agência Nacional de Aviação Civil, respectivamente, em parceria com o senador Gilberto Miranda e com a ex-secretária da Presidência da República em SP, Rose Noronha. Afinal, se o companheiro Palocci pode ter um apê de 5 milhões nos Jardins, porque um dirigente da ANA não haveria de possuir oito imóveis, entre Brasília e São Paulo-Capital?

Se levarmos em conta que o patrimonialismo, o compadrio e a corrupção (esses vícios universais) sempre contaminaram o Estado brasileiro, como afirmam meus camaradas das antigas fileiras do PT, ficamos assim: quem não apóia o partido está contra ele, assim como, para o religioso fanático, quem não abraça a sua fé, seja ela cristã, judaica ou mulçumana, está possuído pelo demônio. E a incontável multidão de almas puras, bem intencionadas ou, simplesmente, desinformadas, continua servindo de massa de manobra aos vendedores de discursos populares, elixires milagrosos e terrenos no céu.

Enquanto isso (parte que eu adorava nas histórias que mamãe botava para ouvirmos, em sua vitrola de pés de palito, nos anos 50), num outro país emergente, hordas de selvagens atacam mulheres indefesas, como aconteceu em Nova Délhi, na Índia (Sonia Faleiros, do NYT, conta que até hoje não consegue se vestir de forma atraente, depois de ter morado na cidade por 24 anos). Lá, o líder do Partido do Congresso do Estado de Andhra Pradesh, Botsa Satyanarayana, afirmou: “Somente porque a Índia conseguiu a liberdade para as mulheres não significa que elas possam se aventurar a sair depois do anoitecer”. Reflexos de uma cultura patriarcal misógina? – Nada: sombras de uma sociedade arcaica, apodrecida na brutalidade e na ignorância que nós, turistas ocidentais, fingimos ignorar.

Não faz muito tempo, num outro  emergente, cujo grande líder desfila de Harley Davidson e casaco de couro, na véspera das eleições, como um Fernando Collor ou um Nelson Jobim, meninas de uma banda de rock, as Pussy Riot, foram para a cadeia por terem cantado, num altar da Igreja de Cristo Salvador, em Moscou (ao qual só aos homens é permitido o acesso) “Maria, mãe de Deus, tire o Putin do poder”. (“Os harleiros adentraram a cidade portuária de Novorossiysk, que comemorava sua libertação durante a Segunda Guerra Mundial. A multidão, consta, curtiu a cena animada pelo hino dos motoqueiros, os Night Wolves. No seu discurso, Putin chamou os bikers de “irmãos patriotas”. Só faltou cantar Born to be Wild “(Gianni Carta, Carta Capital, 21/12/2011).

Na China, o secretário geral do Partido Comunista, Xi Jinping, promete redesenhar a legitimidade de seu governo, baseado em três caminhos: o do pão, o da anticorrupção e o da renovação da nação chinesa, este baseado no apoio geral do povo ao governo e em recursos materiais abundantes. Nada diferente do lema de Mao Tsé Tung, “Se a água sobe até o grande rio, o pequeno rio estará cheio”, convertido, por Deng Xiao Ping, em “Se o país é forte, as pessoas serão felizes”. O problema é que, na atualidade, a nação forte corresponde a algumas pessoas privilegiadas estarem felizes.

A segunda fragilidade do projeto está na supressão dos direitos do povo: os protestos em massa, na China, aumentaram para cerca de 200 mil, nos últimos 12 anos. O regime não enfrentará o fato de que o PCC perdeu completamente a confiança do povo e que o sistema político é a causa desses conflitos. O outro elo frágil do projeto, segundo a oposição chinesa ao governo, está na dependência da China aos recursos externos: 50% do petróleo consumido no país vem de fora, assim como 56% da soja (90% dos alimentos). O país importou, em 2012, 90 milhões de toneladas de carvão e 40% da produção mundial de cobre.

No outro prato dessa balança, enquanto o presidente (reeleito) Barak Obama enfrentava a pressão republicana contra os impostos dos mais ricos, para evitar o colapso fiscal do país, um desmiolado assassinava 27 pessoas, na maioria crianças de uma escola elementar, (14/12/2013, Newtown, Connecticut). Os gênios da Associação Nacional do Rifle (NRA) propuseram, como contra-informação, que os professores americanos passassem a andar armados, como forma de proteger os alunos e suas próprias vidas (contra os milhões de malucos que conseguem comprar livremente armas e munição em qualquer loja de ferragens dos Estados Unidos). Dias depois, o diretor da Associação dos Donos de Armas, Larry Pratt, afirmou, em entrevista ao âncora Piers Morgan, da CNN, que nos países onde a venda de armas foi regulada, a violência aumentou. Desmarcarado ao vivo, o lobista articulou um movimento pela deportação do jornalista. Como se vê, a mentira e a manipulação não são privilégio dos países emergentes.

De volta ao nosso tijolinho, que Jorge Amado apelidou de País do Carnaval (já se comemora) vamos contornando os apagões e maquiando as continhas do Estado, para fechar 2012 com superávit fiscal, já que o PIB virou pibinho. Mas estou solidário com a nossa gerente, mulher de coragem, que enfrenta uma campanha de desestabilização dentro de seu próprio partido, o PT, que abriu a nossa conversa de hoje.

Coragem na vida pública, essa virtude masculina, aliás, platônica (ao lado da justiça, da temperança e da prudência), foi o tema da excelente Lúcia Guimarães em sua coluna desta segunda-feira, no Estadão (7/1), focada na campanha do doublé de empresário e político , Michael Bloomberg, depois que o presidente Barak Obama delegou ao seu parceiro, Joe Biden, a tarefa de se posicionar no debate quanto ao controle das armas nos Estados Unidos. Como se vê, Direita e Esquerda nunca estiveram tão perto, como neste horrível clichê.