terça-feira, 18 de junho de 2013

Pula a fogueira, Iaiá!


Não tenho nada de profeta (além desta barba branca), mas viajei num trem da CPTM, no trecho da Linha 9-Esmeralda que vai da estação Morumbi à de Jurubatuba, na Zona Sul de S. Paulo, por volta de seis da tarde, na véspera da primeira manifestação convocada pelo Movimento Catraca Livre (5/6). Ficamos por 10 minutos, na estação Santo Amaro, esperando socorro para uma passageira desfalecida. A pressão era forte. Eu pensava naquela logística absurda, quando uma mulher corpulenta, aparentando uns 30 anos, sugeriu que todo mundo aderisse ao protesto do dia seguinte, lembrando que as nossas reclamações, naquele espaço e naquelas circunstâncias, só serviriam para aumentar o próprio desconforto e indignação.

Embora use o transporte público muito raramente, percebi, naquele momento, que alguma coisa havia mudado, em relação à atitude daquelas pessoas que costumo encontrar nas filas, ônibus, metrôs e corredores da cidade. Ninguém rechaçou o convite da passageira rebelde, ao contrário: ouvi, isto sim, murmúrios de aprovação (pena que você não ande mais de trem, Clóvis Carvalho).

O que aconteceu a seguir foi o que a imprensa cobriu (mal): uma sequência de protestos aparentemente descoordenados, quase sem controle, que pegaram de surpresa as autoridades e redações amortecidas pelos sucessivos golpes do dragão da cauda longa, e expuseram a falência da política tradicional (nenhuma liderança ofereceu-se para tentar negociar com os manifestantes), as deficiências de um aparato de segurança voltado quase que exclusivamente para o crime, e as entranhas de nossa maior vulnerabilidade: um povo sofrido, acuado, cansado de sua própria miserabilidade e que, como exibiram cartazes das manifestações, decidiu acordar, em seu “berço explêndido”, para assumir a condição de “um filho seu não foge à luta”.

Tardia e simultaneamente, hoje (18/6), doze dias depois da explosão de insatisfação pública, que acarretou desde mudanças nos horários de expediente das empresas até esquemas de vigilância autônomos nas lojas do comércio, artistas pintando a cara, insegurança nas ruas e adesão da(s) classe(s) média(s) aos protestos – com direito a expurgo público de bandeiras partidárias – governos municipal e federal deram a entender que começam a ouvir o eco das massas e se mostraram dispostos a negociar com os manifestantes.

“Queremos  viver”, disse um manifestante. “O Brasil é um país maravilhoso, mas aqui, estamos sempre acuados, com medo”, resumiu um outro. Ouvi pessoas comuns, ambulantes, trabalhadores de fábricas, vendedoras de lojas – como as que estavam no meu comboio, dias atrás – dizerem que o povo não aguenta mais: não reclamavam da falta de emprego ou do salário baixo, mas de viver num país onde nada funciona.

Não falavam da infraestrutura deficiente que afasta o investimento na produção, nem dos altos impostos, nem do dólar a R$ 2,20 e da volta da inflação, mas sim, da desfaçatez dos políticos profissionais e da corrupção (inclusive dos costumes). Sabiamente, todas essas mazelas estão sendo associadas, pelo povão (que, segundo o Lula, só quer saber de sua TV de tela plana das Casas Bahia) à mesma origem, e não necessariamente a este, ou àquele partido político.

“Estou cansada desse estado de coisas, moço”, me confidenciou uma  senhora, numa fila da Caixa. “Eles fazem muita propaganda”, ela disse. Não resisti e contei-lhe todo o trabalho que tive, nas últimas semanas, para portar o meu crédito imobiliário para essa mesma Caixa que, segundo minha gerente, “não pôde fechar o negócio porque a Lei 12.703/2012, não foi regulamentada”. Para fazer a portabilidade, hoje, a CEF exige uma aberração jurídica intitulada “Termo de Interveniente Quitante”, que os bancos privados não aceitam porque, se estão se vendo livres do antigo cliente, não têm mais nada a ver com o novo financiamento (o que está correto).

Foi, aliás, esse mesmo estado de coisas que impediu a grande empresa de comunicação do país de entender rapidamente o que se passava, no início das manifestações, como se exige de um telejornalismo que nunca desliga (exceto o som, durante alguma vaia endereçada à presidente da República). A emissora quer dar a impressão de estar logo alí,  atrás das grandes redes internacionais, mas acaba sendo vaiada nas ruas por uma vocação ancestral de adesismo e pela imobilidade característica dos grandes transatlânticos.

A Globo cobriu muito mal as primeiras manifestações, não por parti-pris, mas por falta de flexibilidade, o que, considerando a natureza de sua atividade, pode se resumir simplesmente no emprego de uma linguagem excessivamente conservadora, antiquada, enferrujada, pouco flexível. Enquanto a âncora da Globonews, Leilane Neubarth, atribuia a “meia dúzia de punks” a tentativa de ocupação do Congresso, ontem (17/6), em Brasília, cerca de 100 pessoas (pelo menos) invadia o teto do edifício e uma segunda multidão acessava a ponte sobre o espelho d’água que cerca o Legislativo.

No Bom Dia Brasil de hoje, a emissora vangloriou-se de ter conseguido infiltrar uma repórter na Assembléia do Rio, durante a última madrugada, como se isso fosse importante. Em seguida, um certo capitão Rodrigo – visivelmente deslocado – emitia opiniões sobre o comportamento policial mais ou menos adequado em passeatas. Matéria de serviço para quem, cara-pálida? 

Quem se deu bem e quem se deu mal, na cobertura das manifestações, aliás, foi a principal diversão dos jornalistas, nos últimos dias, e muitos se surpreenderam com a perspicácia do tradicional brucutu, José Luís Datena, que ficou ao lado do povo, desde o primeiro dia da mobilização: “Gandhi”, citou, em seu Brasil Urgente, “construiu uma revolução a partir de protestos pacíficos”. Enquanto isso, cardeais, como o Arnaldo Jabor, eram obrigados a se contradizer. Aquele sujeito da Veja, o Reinaldo Azevedo, naufragou na história toda, com o estardalhaço habitual.

Alguns temeram pela falta de rumos do movimento (esquecendo que a ocupação de Wall Street teve, sim, consequências), mas o Uol, onde, diariamente somos obrigados a atravessar um mar de baboseiras antes de chegar à via dos fatos, fez, na minha opinião, a melhor cobertura dos últimos dias, tendo conseguido resumir, inclusive, os principais objetivos da mobilização, fora o preço das passagens: “Somos contra a corrupção, contra a PEC 37 (Proposta de Emenda Constitucional) que tira poderes de investigação do Ministério Público e contra os gastos na Copa do Mundo", reproduziu. 

A verdade é que a tevê por assinatura, o celular, a fila e o financiamento da Caixa, o trem, o metrô, a polícia, o eletrodoméstico importado e as Casas Bahia, – tudo isso é muito bom – quando funciona. O pós-venda é que são elas, dona Maria Luísa, e tem mais gente aprendendo mais sobre tudo isso.

Possivelmente, os protestos não vão abalar as chances de reeleição da presidente Dilma, segundo a qual, a sua geração (nossa) “sabe o quanto custou mudar o país”. Talvez por isso, ela tenha declarado, hoje (18/6): “O meu governo está ouvindo essas vozes por mudanças”. No entanto, de acordo com o secretário Geral da Presidência - um dos 39 ministros da presidente Dilma, também hoje (18/6)  “o governo não entendeu o que está ocorrendo ainda. São novas formas de organização e mobilização que ainda não compreendemos”.

Coincidência ou não, há alguns dias, o empresário de jogo do bicho, Carlinhos Cachoeira, que se sentiu ofendido pela assessoria do governador Marconi Perillo, de Goiás, prometeu que a caixa de Pandora seria "brincadeira de criança" diante do que ele poderia perpetrar para defender a sua dignidade e a de sua família. Será que essa movimentação toda surgiu daí? Pelo sim, pelo não, Josef Blatter, da Fifa, já profetizou: “Quando a bola começar a rolar, isso tudo vai acabar, porque o futebol é maior que a insatisfação das pessoas”. A conferir.