quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Funk no Japão


Embora a briga dos pastores – Edir Macedo e Valdemiro Santiago – tenha o seu interesse, um dos prêmios Petrobras de Jornalismo (entregues na noite de 22/10) foi para a fotojornalista Míriam Fichtner, por seu trabalho sobre o candomblé gaúcho. Outro fato religioso me chamou a atenção, ontem (23/10): a suspensão do bispo alemão Franz-Peter Tebartz-van Elst, de Lindenburg, que cometeu o pecado da gula (?), avaliada em cerca de E$ 31 milhões. Mas foi uma quarta notícia, nada religiosa, que virou manchete do Uol, ontem, 23/10, durante várias horas: “Falta de interesse de jovens por sexo preocupa o Japão”.

Nada de se debruçar sobre o tripé do câmbio flutuante, das metas de inflação e do superávit primário (que, aliás, já foi para o vinagre, por conta do ano eleitoral), nem de análises sofisticadas como a de Luis Sérgio Guimarães, no Brasil Econômico (22/10), acerca da “especulação do bem” (aproveitar a variação da Selic, enquanto o BC se esforça para conter a inflação), nem de críticas ao falso dilema da presidente Dilma, entre “partilha” e “privatização” (ato falho, cara Presidente), ou suítes da guerra entre biógrafos e biografados, contemplados, anteontem(21/10), com um projeto de Lei, novinho em folha, do deputado do DEM, Ronaldo Caiado.
A história do Uol tratou do desinteresse dos japoneses por sexo. Eu, preocupado com a derrocada do Corinthians no Brasileirão e com meus herdeiros – esses meninos anarquistas pós-modernos que, em vez de cara e coração, exibem apenas instinto – e o governo japonês, coitado, amargando uma das menores taxas de natalidade do mundo, com uma população de 126 milhões de pessoas que deve encolher para apenas 88 milhões, nas próximas décadas, segundo projeções feitas no país. Claro: 61% dos homens e 49% das mulheres entre 18 e 35 anos de lá nem sequer mantêm qualquer tipo de relação romântica com outra pessoa. Imaginem essa notícia chegando ao comitê da Rede Sustentabilidade, onde, para todos os efeitos, o matrimônio é uma sociedade entre homem e mulher, “construída ao longo de milhares de anos”: pânico geral. 

"Recebo mais homens, mas a presença das mulheres está aumentando", disse a consultora, Ai Aoyama, 52, colega da ministra Marta Suplicy na Sexologia. Ex-dominatrix, Ayoama afirma usar terapias como ioga e hipnose para relaxar as pessoas e ajudá-las a entender o modo como o corpo do ser humano funciona. “As vezes, por uma taxa extra”,admite, “posso ficar nua para clientes do sexo masculino, a fim de guiá-los fisicamente em torno da forma feminina”. A consultora cita um cliente de 30 anos, virgem, que só fica excitado com robôs femininos, algo semelhante àqueles da série Power Rangers. “As pessoas não sabem para onde ir", diz. "Elas vêm até mim porque pensam que, por querer algo diferente, há algo de errado com elas".

Do lado de cá, apenas 40% de nós podemos contar com uma infra-estrutura de saneamento básico, e a nossa taxa de analfabetismo voltou a subir, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, (de 8,6% da população com mais de 15 anos, em 2011, para 8,7%, em 2012). Mas temos o funk, o samba e o axé, as musas Cláudia Leite e Ivete Sangalo, só para começar. Podemos sugerir, tranquilamente, à Associação do Planejamento Familiar do Japão, que promova um roadshow com a Tati Quebra-Barraco, a Anitta e a Valeska Popozuda, embora elas sejam consideradas feministas marrentas. O próprio Uol poderia montar um time de Belas da Torcida para promover um workshop virtual.
Ninguém se atreveria a propor um programa no estilo "Mais Médicos" para o Japão, por causa da nossa fama complicada, nesse ramo de exportação de pessoas. Mas poderíamos sugerir a reprodução de imagens das nossas mulheres-frutas em papéis de bandeja de shushis fast food, sem falar nos posters, álbuns de figurinhas e cartazes para o metrô. 
Pode parecer gozação, mas tenho muito respeito por alguns valores culturais trazidos pelos imigrantes japoneses para o Brasil, e gostaria de retribuir, de alguma forma: a excelente culinária japonesa, as boas maneiras, as técnicas agrícolas, a ponkã, o Nacional Kid e, mais adiante, as motos que me levaram a lugares incríveis, assim como os mestres do cinema, Kurozawa, Hirokazu Kore-Eda, Yoji Yamada. Aliás, não consegui rever os filmes desses dois últimos na 37ª.Mostra Internacional de São Paulo, embora tenha me esforçado para isso. Desta vez, a engrenagem me engoliu. Deve ser a maldição do último post neste blog, no qual antecipei a minha agenda para a exposição.

Mas aproveitei bem a minha presença na entrega do Prêmio Petrobras de Jornalismo (este ano, falhei no Prêmio Vladimir Herzog), onde conheci produtos de uma atividade hoje tão desgastada pela internet e pelo desinteresse da moçada na casa dos 30: além da matéria citada, sobre as religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Sul (O Globo), o jornal gaúcho Zero Hora bancou uma reportagem para cuja produção, a jornalista Letícia Duarte acompanhou três anos da vida de uma criança em situação de rua (Filho da Rua). A matéria foi publicada em 16 páginas impressas, em plena era do Twitter.
Jorge Pontual, da Globonews, premiado com matéria sobre a alternativa energética do gás de xisto, me disse que lá, nos Estados Unidos, onde o preço da BTU proveniente dessa fonte de energia caiu para US$ 6,  tornou-se impossível controlar os efeitos ambientais da exploração do gás de xisto pelo processo de fratura rochosa conhecido como “fracking”. Também fiquei sabendo que a matéria do Estadão – vencedora numa categoria regional –a “Família Imperial – Uma nova história” levou três dias para migrar do portal para as páginas impressas do veículo.

Mas o jornalismo regional mostrou força. A reportagem “MBP” (Música Brasileira Popular), do Estado de Minas (Ana Clara Brandt) venceu na categoria Cultural, enquanto a matéria “Rede de corrupção no seguro da pesca”, do mesmo jornal (Mateus Parreira e Luiz Ribeiro) ganhou na categoria Responsabilidade Socioambiental. “Por sua vez” destacou, hoje, o Estado de Minas, "a 35ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos - Categoria Especial - foi para a série de reportagens “Jornalistas assassinados no Vale do Aço”, de autoria de Mateus Parreiras, Landercy Hemerson, Pedro Ferreira, Guilherme Paranaiba e Junia Oliveira.

Reportagens sobre folclore paraense, na Rádio Amazonas, sobre o abandono de atletas da baixada fluminense que haviam recebido incentivo para disputar Jogos Panamericanos do Rio (jornal Extra), sobre a “Literatura da Periferia – vozes das quebradas”, da TVT (canal alternativo do ABCD paulista, filho da imprensa sindical), e “Auxílio criado para financiar atletas banca empresário, vereador e até padre”, de Carlos Petrocilo e Ozair Júnior, do Diário da Região, de Ribeirão Preto, reforçaram a impressão de que a imprensa regional passa bem.

Meu mestre, Zarcillo Barbosa (ex-Última Hora), no Diário de Bauru (anos 60) – com quem tive o prazer de beber um trago, no último fim de semana - já me havia prevenido: jornalões sérios, como El País – sua leitura diária – e informativos locais, que colocam as pessoas a par de onde vai tocar o trio formado pelo irmão da mulher do seu vizinho, ainda vão sobreviver por um bom tempo.