Se você visita este blog de vez em quando, tem razão de reclamar da escassez de posts neste mês de outubro. Mas em vez de comentar táticas de guerra como o corte da água dos palestinos ou a morte de inocentes no Paquistão, prefiro me indignar e chamar atenção para a importância política da morte violenta de Evandro João da Silva, do Afroreggae, ONG que tem feito diferença em Vigário Geral, RJ, desde 1993. Os matadores chegaram a comprar dois PM com um par de tênis e um blusão, num escambo de embrulhar o estômago de quem viu as imagens captadas por uma câmera de vigilância.
Essa é a nossa guerra: - Quem tem a coragem de encarar a realidade para tentar mudá-la, leva esse tipo de troco. Vamos continuar gramisciando.
E para amenizar a batalha, recomendo a leitura da Folha de S.Paulo de hoje, embora a de ontem tenha apanhado tanto da Record e seus bispos, na última sexta-feira, 23. Como o Edir Macedo não foi nenhum guerrilheiro, na ditadura, recomendo a leitura de artigo do mestre Gaspari, na Folha de hoje (28), sobre Dilma, que o foi. É a democracia, moçada. Também da edição de hoje, a charge de Jean, lenitivo para a violência. É por isso que ainda vale a pena ler jornal.
Élio Gaspari
De Frances.Perkins@org para D.Rousseff@gov
Não vacile, ministra, comecei minha militância com os larápios e eles nunca me decepcionaram
PREZADA MINISTRA Dilma Rousseff,
Quase certamente a senhora nunca ouviu falar de mim. Chamei-me Frances Perkins e fui a primeira mulher a ocupar um ministério no governo americano. Fui secretária do Trabalho de 1933 a 1945, entrei com Franklin Roosevelt e saí quando ele morreu.
Escrevo-lhe porque meu chefe pediu. Ele tem muito interesse pelo trabalho do seu presidente e soube que vocês trabalham numa Consolidação das Leis Sociais. Também acredito que posso lhe dar algumas sugestões.
Vá fundo ministra. Faça logo tudo o que se quer fazer. Quando eu cheguei à Casa Branca, as vendedoras do Bloomingdale's cumpriam jornadas de 14 a 16 horas. Os Estados Unidos não tinham salário mínimo, Previdência pública, seguro-desemprego nem plano de saúde universal. Quando saí, a jornada era de oito horas, os trabalhadores tinham aposentadoria e proteção no desemprego. Deixamos o plano de saúde para depois e deu no que deu.
Essas coisas não saíram a preço de custo. A Corte Suprema se tornara um estábulo do patronato. A Previdência era coisa de socialista e o vice-presidente quis mandar o Exército acabar com uma greve a bala. Diziam que não era Frances Perkins, mas Mathilda Watsky, nem seria americana e protestante, mas judia e russa.
Dona Dilma, minha militância social começou na tarde de 25 de março de 1911. Eu estava tomando chá no palacete de uma amiga e ouvimos a sirene dos bombeiros. Fomos ver incêndio e presenciamos a tragédia da Fábrica Triângulo. Morreram 146 operárias, quase todas italianas ou judias. As moças se atiravam do nono andar. Eu vi.
Passei a vida negociando com empresários e líderes sindicais. Sempre tive um fraco por gente rica. Minhas amigas progressistas eram chamadas de "Brigada do Vison". Nesse sentido, acho que a senhora circula pouco na área atapetada. Erro. Eu consegui que o empresariado aceitasse a sindicalização dos trabalhadores e quem me ajudou foi o presidente da US Steel. Depois ele foi nomeado embaixador no Vaticano. Quero lhe confessar que nunca gostei de sindicalistas, mas negociei umas 200 greves, algumas das quais com mortos, e uma delas com dinamite.
Sei que acusam a senhora de mal-humorada. É coisa de homem. Pegue mais pesado. Quando fui assumir a secretaria, o meu antecessor disse que eu deveria esperar, pois ele tinha um compromisso para o almoço. Respondi que estava muito bem, pois assim teríamos tempo para tirar as coisas dele da sala. Tenho horror a jornalistas e acho que vivi melhor assim. Eu adorava mentir para eles. (Aliás, meu nome não era Frances, mas Fannie.)
Faça a Consolidação das Leis Sociais ampliando os programas que já existem e crie outros. O Getúlio Vargas, que é amigo do meu chefe e detesta o seu, diz que o Bolsa Família é demagogia, mas gosta do ProUni. Eu gosto de todos.
Sei que a senhora é candidata a presidente da República e que está sendo acusada de buscar alianças com larápios. Faz muito bem. Quando o corrupto vem para o nosso lado, podemos confiar na sua lealdade. Eles nunca me decepcionaram.
Finalmente, um conselho: procure economizar. Eu conheço o seu patrimônio. É menor que o meu quando fui para o governo. Pois até vir para cá, em 1965, aos 85 anos, eu morava de favor na Universidade de Cornell. Muito cordialmente, Frances Perkins.
Élio Gaspari
De Frances.Perkins@org para D.Rousseff@gov
Não vacile, ministra, comecei minha militância com os larápios e eles nunca me decepcionaram
PREZADA MINISTRA Dilma Rousseff,
Quase certamente a senhora nunca ouviu falar de mim. Chamei-me Frances Perkins e fui a primeira mulher a ocupar um ministério no governo americano. Fui secretária do Trabalho de 1933 a 1945, entrei com Franklin Roosevelt e saí quando ele morreu.
Escrevo-lhe porque meu chefe pediu. Ele tem muito interesse pelo trabalho do seu presidente e soube que vocês trabalham numa Consolidação das Leis Sociais. Também acredito que posso lhe dar algumas sugestões.
Vá fundo ministra. Faça logo tudo o que se quer fazer. Quando eu cheguei à Casa Branca, as vendedoras do Bloomingdale's cumpriam jornadas de 14 a 16 horas. Os Estados Unidos não tinham salário mínimo, Previdência pública, seguro-desemprego nem plano de saúde universal. Quando saí, a jornada era de oito horas, os trabalhadores tinham aposentadoria e proteção no desemprego. Deixamos o plano de saúde para depois e deu no que deu.
Essas coisas não saíram a preço de custo. A Corte Suprema se tornara um estábulo do patronato. A Previdência era coisa de socialista e o vice-presidente quis mandar o Exército acabar com uma greve a bala. Diziam que não era Frances Perkins, mas Mathilda Watsky, nem seria americana e protestante, mas judia e russa.
Dona Dilma, minha militância social começou na tarde de 25 de março de 1911. Eu estava tomando chá no palacete de uma amiga e ouvimos a sirene dos bombeiros. Fomos ver incêndio e presenciamos a tragédia da Fábrica Triângulo. Morreram 146 operárias, quase todas italianas ou judias. As moças se atiravam do nono andar. Eu vi.
Passei a vida negociando com empresários e líderes sindicais. Sempre tive um fraco por gente rica. Minhas amigas progressistas eram chamadas de "Brigada do Vison". Nesse sentido, acho que a senhora circula pouco na área atapetada. Erro. Eu consegui que o empresariado aceitasse a sindicalização dos trabalhadores e quem me ajudou foi o presidente da US Steel. Depois ele foi nomeado embaixador no Vaticano. Quero lhe confessar que nunca gostei de sindicalistas, mas negociei umas 200 greves, algumas das quais com mortos, e uma delas com dinamite.
Sei que acusam a senhora de mal-humorada. É coisa de homem. Pegue mais pesado. Quando fui assumir a secretaria, o meu antecessor disse que eu deveria esperar, pois ele tinha um compromisso para o almoço. Respondi que estava muito bem, pois assim teríamos tempo para tirar as coisas dele da sala. Tenho horror a jornalistas e acho que vivi melhor assim. Eu adorava mentir para eles. (Aliás, meu nome não era Frances, mas Fannie.)
Faça a Consolidação das Leis Sociais ampliando os programas que já existem e crie outros. O Getúlio Vargas, que é amigo do meu chefe e detesta o seu, diz que o Bolsa Família é demagogia, mas gosta do ProUni. Eu gosto de todos.
Sei que a senhora é candidata a presidente da República e que está sendo acusada de buscar alianças com larápios. Faz muito bem. Quando o corrupto vem para o nosso lado, podemos confiar na sua lealdade. Eles nunca me decepcionaram.
Finalmente, um conselho: procure economizar. Eu conheço o seu patrimônio. É menor que o meu quando fui para o governo. Pois até vir para cá, em 1965, aos 85 anos, eu morava de favor na Universidade de Cornell. Muito cordialmente, Frances Perkins.
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