quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Maurício Shogun x Winnie Mandela



Tina Brown, diretora da Newsweek (que deixa de circular este mês, no papel) disse, e a Folha de S. Paulo reproduziu, em sua edição de domingo passado (2/12): “Homem se sente ameaçado diante de mulher forte”. Verdade. Nos últimos dias, tenho visto aumentar o bando de brucutus que não conseguem reconhecer a hegemonia do poder feminino, e isso me preocupa mais do que a invasão de corinthianos no Japão. Autoridade não se questiona, acata-se, certo? - Índices que medem a inflação ou o valor adicionado (PIB), por exemplo, só servem para ajustar as expectativas de quem carrega nas costas a responsabilidade do comando, senão, viram uma coisa incômoda, corrosiva. Deixaram esse pessoal do IBGE fazer uma greve atrás da outra, e olha aí resultado: qualquer dia, vamos virar uma Argentina, onde a imprensa pode tudo. Temos que abrir os olhos.

E a elite que comprou aquele monte ações das estatais com o Fundo de Garantia? – Essa gente não entende que abrir mão de uma parte do lucro, às vezes, pode ajudar num projeto mais amplo, como o palácio de um deputado, numerário para a campanha de uma governadora maranhense que precise, ou uma viagem a Paris de um governador fluminense (ou sogra de um governador cearense). Essas coisas também significam um Brasil sem pobreza, estão pensando o quê? – Eu digo: deixem o povo reclamar, se eles podem comprar o carrinho básico deles por módicos trinta mil reais, sem pagar o IPI, por que nós não podemos ter o nosso Land Rover Evoque (ou Mitsubishi Pajero) na garagem? - Pedem uma Educação de qualidade: tem um monte de faculdade de Medicina por aí, formando profissionais cada vez mais competentes para prestar um serviço de saúde que melhora a cada dia: - Isso não conta?

Sim, mas Tina Brown (que dirigiu a Vanity Fair), autora da frase lá em cima, organiza a conferência Women in the World (Mulheres no Mundo), realizada pela primeira vez fora dos Estados Unidos, no último dia 4/12, em São Paulo, só para falar mal da homarada. Participaram Xuxa e a Condoleezza Rice, mas, ainda assim, foi melhor do que aquela convenção de peludos que o João Dória Jr promove, anualmente, em Águas de São Pedro, para garantir o leite maltado das crianças, e que agora tem transmissão ao vivo pelo SBT (a audiência do Sílvio Santos, no dia 11/12, deve ter adorado). Só tem um problema, dona Tina: com o seu viés jornalístico, a senhora tende a exagerar um a situação da mulher contemporânea que, em sua opinião, tornou-se complacente e passiva. “Nossas mulheres não marcham mais”, reclamou, numa péssima tradução da Folha, referindo-se a suas compatriotas.

Mrs Brown ficou decepcionada com a falta de mobilização de suas patrícias (não é trocadilho, moçada) em torno das políticas contraceptivas ameaçadas por uma eventual vitória republicana nas eleições presidenciais de seu país. “Havia um grande risco de um salto atrás na nossa política reprodutiva”, disse. E reclamou que, hoje, a consciência das mulheres norte-americanas (devidamente instaladas no pleno exercício de sua própria cidadania) limita-se a repudiar a proibição de dirigir às mulheres da Arábia Saudita, e a obrigatoriedade do xador, no Irã (burca é outra coisa: é o que a gente jogava em Bauru). “Hillary foi atirada no lixo pela mídia, e ninguém fez nada”, afirmou à FSP.

Na mesma edição, aliás, a Folha trouxe uma entrevista com a contra-almirante Dalva Mendes, a primeira a alcançar essa patente, em nosso país. Na opinião dela, a inclusão das mulheres na linha bélica demanda um estudo mais cuidadoso: “A gravidez é um problema”, assinalou. “Você já entrou num navio de guerra, com aquele cheiro de óleo?”, indagou à repórter, Damaris Giuliana. “Já pensou quem está grávida? E quem estiver amamentando?”. Ao que parece, a comandada discorda da comandante suprema, que, em agosto, assinou uma Lei obrigando o Exército a incluir mulheres na linha de frente, dentro de cinco anos. Mas o melhor trecho da entrevista foi a explicação (mantida pelo jornal) de que as primeiras fardas da Marinha tiveram que ser adaptadas, por terem sido feitas para manequins, não para mulheres “normais”.

Talvez, afinal, a contra-almirante Dalva Mendes se encaixasse na definição de “mulher forte” de Tina Brown, embora se mantenha casada, até hoje, com o sujeito que a tirou para dançar quando ela tinha apenas 14 anos. “Meu pai é cearense”, avisou ao pretendente, “e tem aquela mentalidade de filha minha, é no cabresto”. Mas o moço não teve medo. “Meu pai ficou tão desconcertado que o mandou ir lá em casa, no dia seguinte”.

Seria deselegante usar a frase de um célebre machista, para desqualificar a opinião da ativista norte-americana em relação aos homens que se defrontam com mulheres fortes, como ela disse (toda unanimidade é burra). Mas eu me permito discordar da frase dela, começando pela raiz: será que para ela, a sua xará, Tina Turner, não caberia na classificação de mulher forte? - E Hillary Clinton, sim? Marisa Monte seria frágil e Cassia Eller, forte? Irmã Dulce, Dilma Roussef ou Maitê Proença: – quem venceria essa disputa? - Lota de Macedo Soares, que projetou o Parque do Flamengo e suicidou-se por amor (como vai contar Bruno Barreto, em A Arte de Perder, com estréia prevista para fevereiro próximo, no Festival de Berlim), era forte ou frágil?

E quanto aos homens? O lateral direito Alessandro, do Corínthians, que acabo de ver, em partida contra o Al Alhy (time do qual ninguém mais vai se lembrar, daqui a meia hora) é mais forte ou mais fraco que, por exemplo, o Raí, que fala francês e dirige uma fundação de amparo à juventude? Quem você classificaria como o mais forte: Gandhi ou Churchill? – Oswaldo Cruz ou Anderson Silva? Mandela, Bill Clinton ou John Wayne? Machado ou Joaquim Nabuco? Jobim ou Vinícius?

E como seriam as relações entre esses homens e mulheres? Gandhi teria se casado com a Irmã Dulce ou teria preferido a Maitê Proença? E se Mandella tivesse se encontrado Dilma Roussef, antes de conhecer a Winnie? – Lota e Cassia Eller dariam liga? E a Marisa Monte, teria preferido o Alessandro ao Raí? Como Hillary reagiria a uma cantada do Vinícius, que Elizabeth Bishop adorou? Aliás, será que a poderosa secretária de Estado dos EUA, finalmente, perdoou Bill, depois da vitória dos democratas nas últimas eleições?

Todas essas combinações e conjecturas ficam boas demais no papel. Na vida "real", dou razão a quem coloca o feminismo dos sutiãs queimados na gaveta da história, e se preocupa mais com o crescimento desproporcional das religiões na sociedade contemporânea, inclusive do ponto de vista da mulher - no Islã, sim, mas também em Utah, em Nagoya (onde rolou o citado jogo do Corínthians) ou no Mississipi. E quanto o câncer, o que me dizem sobre o câncer? – E da violência doméstica contra a mulher? E da mão de obra infantil? (vi dezenas de meninos-flexas neste último fim de semana, nas esquinas do Brooklin, em São Paulo). – E que tal a falta de saneamento básico, na oitava economia do mundo, que, aliás, promete derrubar mais uma centena de casas penduradas em nossas encostas, neste verão?

Podem me criticar, mas é isso o que penso. As mulheres merecem todas as suas conquistas, mas precisam nos ajudar a combater mistificações como essas, de que continuam oprimidas, ou de que fazer oposição ao governo é ser de direita; temos que lutar conta a injustiça, contra a corrupção, as desigualdades, a nossa mania de confundir o público com o privado, de jogar lixo na rua, de dirigir bêbado e de desrespeitar a natureza: temos muito mais o que fazer juntos, mulheres e homens. Essa disputazinha de poder é coisa de novela, e, mesmo assim, requentada. Vale o talento da Irene Ravache e do Toni Ramos, no máximo. E, talvez, a barriguinha da irritadiça Luana Piovani.
Legenda: O "afiche" (Maio de 68) é uma beleza, mas eu trocaria pelo texto do Newton Moreno para Maria do Caritó

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