O queijo do Outro
Estando na
Fazenda Velha, Pedra do Picu (símbolo de Itamonte, MG), a 15 km do centro da
cidade (latitude 22º16 Sul, longitude 44º87 Oeste), você só precisa percorrer
50 km de estrada – a maior parte de ‘chão’ – para chegar à loja-sede do famoso
Queijo D’Alagoa.
Em Itamonte,
entre na avenida mais importante da cidade, a Campos Elíseos, que não se parece
com a homônima parisiense, mas abriga a prefeitura, o fórum e o cartório. E a farmácia
Leone, a eletrotécnica Ita e o mercado da Pedra do Picu, seguidos pelo Walton
Chaveiro, lanchonete Hora do Lanche, loja do Meu Avô (ervas medicinais), Agro
Cem e Casa de Carnes Marciano. Depois da Essencial Moda Íntima e da Império das
Embalagens, no fim da rua, vire à esquerda: uma plaquinha empoeirada apontará o
próximo destino: Alagoa-MG.
A estrada
começa bem, de mão dupla e asfalto razoável. Menos de cinco quilômetros depois,
começa a buraqueira, trechos em obras, nenhuma sinalização e muita poeira,
porém com paisagens de tirar o fôlego. Placas dissidentes mostram que você está
chegando, ou se afastando: 12 km percorridos, ou 14 km até chegar? – Menos de
100 metros separam uma da outra. Mais alguns sacolejos e surge um grande
out-door, diante de um abismo: Bem Vindo a Alagoa! O visitante tem que parar
para entender. É apenas um mirante sobre a Mantiqueira: o meio é a mensagem.
Depois você
vê algumas casas, galinhas, cachorros e umas poucas vacas num pasto maltratado
pela seca. A cidade está perto. Se o Waze se perder do satélite, basta você perguntar
ao primeiro vivente que encontrar pelo caminho:
- Onde fica
aquele queijo premiado na França? – O interrogado deve responder com outra
pergunta:
- Aquele da
televisão? – Esse mez – você pode responder, referindo-se a uma reportagem mais
ou menos recente do Globo Repórter sobre queijos de Minas.
A orientação
será suficiente para se chegar à Rua José Luiz Siqueira, 352, no centro da
cidade de Alagoa, mas se você for curioso, ou desconfiado, como um mineiro, vai
notar que muita gente, no entorno da cidade, tenta tirar uma casquinha no irmão
que ganhou notoriedade em terras de Maria Antonieta e Napoleão: Medalha de
Prata no ‘Mondial du Fromage’ de Tours, no Vale do Loire, ‘a capital mundial do
queijo’ (segundo eles), a 240 km de Paris.
Mais
aclimatado, vai perceber – mesmo não tendo estudado Sociologia na USP, nos anos
1970, ou na PUC, nos anos 1990 – que o buraco é mais em baixo: todo mundo faz
queijo em Alagoa-MG. As placas se multiplicam: Nozinho, Minas Padrão, Queijo,
Mel e Artesanato. Se assuntar um pouquinho, vai ouvir que fulano, no fim da rua
da Nhá Chica, faz um queijo tão bão quanto o premiado, só que mais em conta.
Mas o buraco
também pode estar mais acima dos 1.520 m de altitude da Fazenda 2 M, de Márcio
Martins de Barros, o produtor premiado do Queijo D’Alagoa, “artesanal de leite
cru e fermentação natural, sabor picante, porém suave, intenso e persistente,
com aromas de ervas frescas e lácteos”, como explica o portal da empresa na
Internet: “O sabor mineiro da Mantiqueira”.
É que Márcio
tem um irmão, Jair, que mora a uns 8 km da cidade, no Sítio da Serra do Condado*,
a 1.650 m do nível do mar, em cujo pequeno laticínio, numa propriedade de 40
hectares (32 de mata nativa e 6 de pasto) fabrica 3 queijos por dia, para
clientes e amigos de diferentes regiões do país, que se aventuraram a conhecer
o produto que só pode ser encontrado ali, naquele único ponto de venda.
A fama do queijo
“melhor que o premiado” se esgueira pelas esquinas da cidade mineira como um
cochicho. Chegar até a propriedade de Jair são outros quinhentos. Começamos, eu
e Dona Cecília, com uma simples direção: “Vire à direita na rua da Matriz e
atravesse a ponte até chegar ao outro lado do rio”.
O ‘Outro
Lado do Rio’ (Aiuruoca) é nome de um bairro. Consta de poucas casas, nas quais,
na hora do almoço, não se vê ninguém. Numa delas, encontrei um casal de idosos,
que devem ter almoçado mais cedo, sentados à sombra de um roseiral. Perguntei
do Jair, do Condado.
- Tem três
Jair no Condado – disse o senhorzinho.
- Aquele que
faz queijo – insisti.
- Todos os três
fazem queijo – ele arrematou. Hesitei por uns segundos, mas arrisquei:
- O irmão
daquele do queijo premiado.
- Deve ser o
Jair do Jaime – disse a senhorinha, dirigindo-se ao marido.
- O senhor
volta para a estrada e segue ela até o fim – indicou o senhorzinho. Até o fim?
– pensei. Mas não quis estragar a boa notícia. Seguimos em frente. Mais alguns
quilômetros de buraqueira e muito pó, pedi nova indicação a um homem de chapéu
que conduzia duas vacas malhadas.
- Fica muito
longe – ele informou. – É a última casa da estrada – acrescentou, como quem
diz: melhor não arriscar. Para um mineiro, um povo que costuma encurtar as
distâncias com um “é logo ali”, a resposta não poderia ser mais
desencorajadora. Tive mais duas indicações semelhantes, ao longo do caminho.
Pensei em desistir. Duas horas da tarde, e não tínhamos parado para almoçar. No
carro, três queijos D’Alagoa – dois eram para presentes – e um litro d’água.
Dona
Cecília, que me conhece melhor do que eu, me esperançou:
- Para quem
veio até aqui... – Vamos em frente – concluí. Cada casa que aparecia depois de
cada curva, tinha que ser a última. Não era. A viagem demorou, pelo menos, mais
uma hora. Mas chegamos. Três cachorros amistosos vieram nos receber.
- Ô, de
casa! – gritei duas ou três vezes.
Dona Fátima,
esposa de Sô Jair, veio até nós. Dentro da casa, na mesa da cozinha, uma festança
em torno de um queijão de 5kg com cara de antigo. Um casal de paulistanos,
felizes proprietários da iguaria – que dividiram conosco algumas lascas da
peça, encomendada e paga há um ano – o autor do produto, curado ao longo de 9
meses, seu filho, Fábio, devidamente inserido nas artes da queijaria, Dona
Fátima, e as filhas dos compradores. Todo mundo feliz com o aroma e sabor
picante e adocicado daquele parente do Grana Padano (primo do Parmesão), até
nos pequenos detalhes, como cristais que preenchem a massa e explodem na boca.
Maravilha da natureza, moldada pelo menino Jair, de 75 anos, um metro e noventa
de altura, gentileza e saúde, irmão de Márcio e igualmente herdeiro da fórmula
ensinada à família pelo pioneiro italiano, Paschoal Poppa, há mais de 100 anos.
(*) A Serra
do Condado fica, ‘do outro lado do rio’ Aiuruoca (‘casa do papagaio de peito
roxo’), que atravessa Alagoa (cavidade remanescente da mineração de ouro e
pedras preciosas iniciada pelos bandeirantes, em 1722), a oeste do Parque
Nacional da Serra do Papagaio. O município tem, hoje, 3 mil habitantes, o que
equivale a uma densidade habitacional de 16 pessoas por km2.
Nenhum comentário:
Postar um comentário