- Por que não temos filmes pop, este ano? – perguntou uma coleguinha, durante a entrevista coletiva da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (18 a 31/10), no último sábado (4/10), no Cinesesc Augusta. Quase não chego, porque o moço pintou faixas exclusivas de ônibus pela cidade, e, naquele fim de semana, todo mundo resolveu ficar na aldeia, curtindo o friozinho fora de época. A curadora da Mostra, Renata Cakof, foi simpática com a jornalista, que é boa gente, segundo me contaram mais tarde.
- Você quer dizer, filmes populares – esclareceu. – Nós temos os
filmes do Kubrick, que estão na retrospectiva – informou. Tentei me lembrar de
Laranja Mecânica (1971, minha época),
Glória Feita de Sangue (de 1957), Spartacus (1960), Dr. Fantástico (1963), O Iluminado
(1980). Mas não consegui deixar de pensar numa pergunta sobre o bóson de Higgs
(partícula de Deus, pastor Feliciano, prêmio Nobel de Física deste ano) na
coletiva de encerramento de A Fazenda,
ou um questionamento acerca da influência de Wittgenstein na carreira dos
irmãos Coen, numa entrevista de Adriane Galisteu ao Jornal da Record, emissora
que acaba de contratá-la. Galvão Bueno inquirindo Felipe Massa sobre a abrangência
emocional das Variações Goldberg também seria bacana.
Mas a paciente e generosa Renata deixou de lembrar à minha colega que
a graça de se exibir filmes de diferentes culturas, paixões e orçamentos, em
poucos dias, está, justamente, em dar acesso às pessoas a obras que teriam poucas
chances de ser apreciadas, por assim dizer, por terem uma essência menos filosófica que o Super Homem e o Homem de
Ferro, concebidos, respectivamente, por Nietzche e Demócrito de Abdera. Alguém perguntou, a
propósito, se a Mostra temia as manifestações públicas. A curadora respondeu
que o evento não deixa de ser manifestação pública (dois a
zero).
A segunda melhor pergunta da coletiva, contudo – e não vou
comentar se, nesse momento, o cinema estava meio cheio ou meio vazio – foi
quanto ao porquê de tantos filmes asiáticos. Desta vez, a resposta foi que há
muitos filmes asiáticos interessantes. Lembrei-me da entrevista do Ronnie
Von a Marina Person, na véspera, sobre a reedição de três LP da fase psicodélica do cantor, que, na época,
chegou a brigar com Gilberto Gil – este havia participado de uma passeata contra as guitarras elétricas –
mas soube perdoá-lo e convencê-lo a tocar Procissão
com os Mutantes. Ronnie, no entanto, decidiu não seguir essa turma e acabou cantando “A mesma praça”,
de Carlos Imperial, como o “Príncipe” da Jovem Guarda.
A questão dos coreanos permitiu à curadora falar um pouco
sobre o Foco Coréia, que terá 10
filmes de jovens realizadores daquele país, e celebrará a assinatura de um
termo de cooperação entre o Kofic (agência promotora do cinema coreano) e a brasileira
Ancine.
Falou-se, também, na coletiva, sobre a vinda de Amos Gitai
ao Brasil (Ana Arábia), sobre a homenagem a Eduardo Coutinho (Edifício Master, Cabra Marcado para Morrer,
Peões) e sobre o convite emocionado de Renata Cakof a Etore Scola, que,
provavelmente, não virá assistir à exibição de seu Scola Conta Fellini, no encerramento da mostra (31/10). Aos 80
anos, o velho cineasta decidiu não empreender mais viagens de longa
duração.
Espero que a coletiva da mostra tenha refletido o preparo da
equipe de divulgação e dos entrevistados, incluindo os que dividiram a mesa de
abertura do evento. Era sábado, fazia frio e a cultura sempre intimida, exceto
àquela meia dúzia que cobre o evento para a chamada grande imprensa, cada vez mais rala,
mas que ainda serve de guia à chamada agenda nacional.
Naquele sábado, aliás,
o país vivia o saboroso impacto da adesão da candidata à presidência de James Cameron
ao PSB do neto de Miguel Arraes. Como pano de fundo, a greve dos professores do
Rio, profissionais, que precisam, sim, ganhar mais e estudar mais. Ter,
enfim, uma carreira equivalente à de seus colegas do ensino particular. Sem ter
que, necessariamente, passar pelo Lindberg Farias ou pelo Marcelo Freixo para alcançar
esses objetivos. Por muito menos, Witggenstein aplicou dois belos cascudos num
de seus alunos e teve que largar a profissão.
As reivindicações dos professores são mais importantes do que o eventual
estreitamento da mídia, que deveria alargar a visão daquelas pessoas que também
se alimentam de luz. Mas, data venia, ainda pretendo assistir, nessa mostra, ao brasileiro Serra Pelada, por exemplo: preciso dizer a mim mesmo que
o Brasil do Ratinho tem Heitor Dhalia, Sebastião Salgado e Juca Martins
(fotógrafos com os quais o diretor conversou, antes de começar a filmagem); o genial
Martin Grimache (designer argentino), além, é claro, dos brilhantes Wagner
Moura, Juliano Cazarré, Sophie Charlotte e Júlio Andrade, devidamente preparados
por Chico Accioly para esse Encouraçado
Potemkin do cinema nacional (que assim seja).
Enquanto Serra não vem (o filme), vou me esgueirando pelas bordas da Mostra, começando por Inside Llyan
Davis (Llyan Davis por dentro, numa tradução livre), um Bob Dylan que não
deu certo, filmado com a mesma competência dos Coen de “Onde os fracos não têm
vez”, embora muito distante da estética de violência de Corman Mc Arthy. Eu e a meia dúzia de jornalistas que não conseguiram ver a estréia de Serra, no Rio, hoje (9/10), saímos acachapados, ontem (8/10) de Tempos de Lobo, de Aran Hugues, com quase duas horas de sombra e céu de chumbo. Mas o que representam os rostos precocemente envelhecidos daqueles pastores de cabras gregos, minha cara Tuna Dwek , diante de 60% de conterrâneos que vivem no esgoto, crianças enterradas no crack e professores que não podem nem sequer se manifestar livremente?
Mais tarde, no noticiário da noite, o FMI anunciava que o
Brasil terá o menor crescimento do ano, entre os emergentes (será?); o primeiro
ministro canadense expressava “preocupação” com a espionagem de seu país sobre
o nosso Ministério das Minas e Energia (chefiado pelo ministro Lobão); a
polícia carioca prendia um casal de vândalos com base na Lei de Segurança
Nacional, e a gauchada bloqueava os caminhões argentinos por causa das
barreiras que já causaram prejuízos de R$ 60 milhões à indústria de calçadista.
General (Néinha), larga São Luís do Paraitinga por alguns
dias, e venha ver alguns filmes da Mostra, o único evento coberto, anualmente, por este blog. Você pode se hospedar na casa do Teodoro (ele é nervoso, mas
não morde), seu antigo parceiro de Folha. Ou lá em casa, claro, se não se
importar em comer mal, durante alguns dias. Quem sabe, a gente convence o Moura
Reis (cinéfilo-mor), o Sarrafo (desculpe a irreverência, antigo chefe), o
Gaúcho e quem mais aparecer, daquela turminha da São Luís aqui de Piratininga.
Filmes “confirmados”, para seu governo: Cães Errantes (Tsai Ming Liang), GP de
Veneza; Pais e Filhos (Hirokazu kore Eda) Cannes, 2013; Ilo Ilo (Antony Chen),
Câmera D’Or de Cannes; La Jaula de Oro (Diego Quemada), prêmio especial de
elenco em Cannes; Childs’s Pose (Calin Peter Netzer), Urso de Ouro em Berlim;
Um toque de pecado (Jia Zhang-Ke) Roteiro em Cannes; Pardé/Closed Curtain
(Jafar Panahi), Urso de Prata em Berlim, Lições de Harmonia (Emir Baigazin),
outro Urso de Prata em Berlim (Contribuição Artística); Club Sandwich (Fernando
Eimbcke), San Sebastian, O Lobo atrás da porta (Fernando Coimbra), San
Sebastian e Desigualdade para Todos (Jacob Kornbluth), Sundance Festival –
entre outros. Espero você.
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