quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Caio no Fórum de Tecnologia


Acordo às cinco da manhã, numa quitinete do bairro de Olinda, em Nilópolis (RJ), passo uma água na cara e penso em correr para a estação da Supervia (Japeri-Santa Cruz), a fim chegar antes das sete ao hospital, em Campo Grande, onde trabalho como auxiliar de limpeza. Esfrego os olhos e vejo que estive sonhando. Tenho 23 anos e me chamo Caio Silva de Souza. Estou numa cela de Bangu 1 (já tinha ouvido falar disso aqui) e sou o assassino do cinegrafista Santiago Andrade, como dizem os noticiários da TV e as manchetes dos jornais, em todo o Brasil. Ele não merecia esse destino, e acho que nem eu.

A Folha de S. Paulo tenta investigar as ligações do garoto cujo gesto impensado tirou a vida de Santiago Andrade, um profissional dedicado e talentoso, homem de família. Caio, por sua vez, pretendia “melhorar o país”; queria “mais saúde, mais educação”. Cresceu numa casa de taipa, feita de alvenaria, num subúrbio de Nilópolis, baixada fluminense. Um rapaz tranquilo: quase ninguém ouvia a sua voz. Nos protestos, virava um leão. Alguns de nós éramos assim. Eu fui assim. Alguns anos depois, frequentei um curso de direção defensiva, na multinacional Nestlé, onde fui trabalhar, depois da greve dos jornalistas, em 1979.
Dizem que o Caio Silva de Souza era patrocinado por partidos de extrema esquerda. Participam dessa investigação, além da polícia do Rio, subordinada ao governo Sérgio Cabral, mentor do alcaide Eduardo Paes, antípoda de Marcelo Freixo, do PSOL, os solertes repórteres da Folha de S. Paulo e seu portal de noticias, o Uol. Caio teve medo de ser linchado, e a ideia de tirar um pouco do peso da responsabilidade pela morte do jornalista de suas costas já faz parte da estratégia de defesa do advogado, Jonas Tadeu Nunes. A suspeita pode vir a ser comprovada, mas isso vem ao caso?

No meu edifício de classe média alta, todo mundo acha que o garoto é bandido, mensagem transmitida, com toda a competência, pelos telejornais de ontem (12/2). Não vou dizer que Caio não teve escolha, que é fruto do meio. Não apoio a violência, nem a irresponsabilidade, nem a imprudência. E, como todo mundo, lamento a morte de um profissional talentoso, no exercício de sua função, e o fato de o ministro que um dia recebeu o meu voto para um mandato de vereador, não ter dado atenção ao projeto do secretário da Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, que poderia ter evitado a tragédia.
Acho até engraçada a proposta de proibição de porretes, facas e explosivos nas manifestações. Imaginei que isso estivesse claro para toda a gente. Afinal, a desordem pública não é mais punida com a roda alta há muitos anos.

Roda Alta: o réu era colocado nu, com os pés e as mãos fixados numa roda de carroça. Em seguida, o carrasco, com um enorme martelo, esmagava os ossos dos braços e pernas do condenado, com o especial cuidado de não desferir golpes mortais. Se os golpes quebrassem os ossos e não rompessem a pele, o verdugo era aplaudido pela multidão. Quando os ossos estavam totalmente quebrados, os membros eram enrolados na roda e esta era suspendida numa estaca, onde o réu era deixado por vários dias, até morrer. 
Somos civilizados. Na programação de hoje (13/2/2014) do SAP Fórum (empresa de TI), o presidente executivo  do Grupo Abril, Fábio Barbosa, disse que nossos filhos já são melhores do que nós. E mais críticos. Lembrou que seu pai jogava papel no chão, que ele aprendeu a não fazer isso e que sua filha, hoje, briga com quem ainda tem essa atitude. “Tem gente lavando calçada com a mangueira, em pleno racionamento de água aqui na Capital” observou Fábio, com razão.  A proposta do palestrante: deixar filhos melhores para o mundo, em vez de apenas dotá-los de um mundo melhor.

Pouco depois, no mesmo Fórum, participei de uma entrevista coletiva sobre o projeto SAP Expoentes, com cinco jovens proprietários de startups promissoras: a primeira, voltada à melhoria da produção rural; a segunda, à rastreabilidade de alimentos (saudáveis); a terceira, criada para dar suporte comercial a artesãos brasileiros; a quarta, para combater doenças endêmicas, e a quinta, focada na empregabilidade de jovens de classes C e D, via mobilidade.
O garoto Caio Silva de Souza, ex-auxiliar de limpeza do hospital Rocha Faria, em Campo Grande-RJ, desempregado e cuja imprudência (burrice) matou o cinegrafista, identificava ou era recrutado para as manifestações de rua por meio de seu celular. Segundo sua mãe, Marilene Mendonça, ele não tinha computador, mas vivia conectado às redes sociais, por meio de seu smartphone.

Tenho a certeza de que meus filhos, a filha do Santiago (vale a pena ler sua carta de despedida) e esses meninos premiados pelo projeto SAP Endeavor – e que, talvez sejam instrumentos de uma futura melhoria social do país – tiveram mais computadores, mais celulares e boas chances de ser pessoas mais críticas,  e melhores do que nós, seus pais.
Talvez o sacrifício de Santiago Andrade e de seus executores (equivocados quanto ao método, mas não quanto aos objetivos), afinal, nos sirva de alguma coisa. Talvez a alternância no poder seja capaz de melhorar nossas chances de uma vida mais civilizada. Talvez não. Pode ser que outros meninos, revolucionários, reformistas ou pequeno-burgueses, aprendam com esse trágico episódio, pode ser que não.

Os fatos recentes – inclusive a morte de Santiago Andrade – serão suficientes para mudar a mentalidade dos nossos representantes no Congresso, ou de encorajar as reformas das quais necessitamos? - Política, previdenciária, trabalhista, jurídica? – Ou, pelo menos, serão capazes de mudar a nossa atitude, a partir do nosso próprio entorno, como sugeriu o Fábio Barbosa, hoje, recuperando Gramsci?  No mínimo, e, nisso, concordo com ele, seremos muito mais felizes se adotarmos uma nova atitude, já que a felicidade, como ele também disse, roubando Garcia Lorca, está no caminho, e não no destino.

E já que o Fábio Barbosa pode se inspirar nas ideias de outros pensadores, vou roubar uma nota da Mônica Bérgamo, da FSP que acabo de criticar (referindo-me ao grosso da imprensa brasileira, na cobertura da prisão do principal acusado pela morte de Santiago Andrade), em sua coluna de hoje, falando da festa dos 83 anos do Cauby Peixoto, cujo microfone falhou duas vezes, durante a interpretação de “New York, New York”, ontem (12/2), em Mauá-SP:
Ângela Maria fez a alegria dos fotógrafos que lamentavam a falta de celebridades. Questionada sobre o que acha da funkeira Anitta, a artista respondeu: "Quem é essa? Não gosto de funk. Das novas, que conheço pelo programa do Faustão, só gosto da Paula Fernandes".

Fevereiro curto, crônica curta, com uma observação: citei uma empresa à qual deixei de prestar serviços em dezembro do ano passado.

3 comentários:

  1. Tenho horror e combato como posso a violência, mas hoje acordei triste com o destino de Caio e de Fábio.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu também, Tojal. Tudo igual. Obrigado pela leitura, é uma honra. Quando estiver por aí, vamos matar as saudades do Relatório Reservado e da Senhor. Abraço grande.

      Excluir
  2. Bob, o Santiago Andrade muito provavelmente estaria vivo hoje se a TV Bandeirantes, por motivos de custos, não houvesse suprimido a figura do auxiliar de filmagem (também conhecido como pau-de fogo) e tivesse equipado o cinegrafista com colete e capacete de segurança, como se protegem seus colegas, correspondentes de emissoras estrangeiras. Aparelhagem para cobertura de guerra, isso mesmo. Tinha vários deles assim naquele dia, naquela cobertura, inclusive o da agência russa que filmou o atentado ao pobre Santiago, atentado de morte bem "sucedido", executado pelo Caio, que vai responder pelo crime. Enéas Macedo

    ResponderExcluir