Bruna Linzemayer, protagonista da nova novela das seis (Foto Divulgação)
Um cinegrafista amador gravou as imagens sem as quais, os nossos trogloditas jamais se dariam conta da desumanidade de sua própria violência.
Estive com meu pai de quase 90 anos, no último fim de
semana. Em sua cabeceira, além daquele volumão do Fernando Morais, “Chatô” e
do último livro do Mário Prata (saudades de você, Ruth), “James Lins” (abandonado), encontrei “Os
Sermões”, de Vieira, e sua leitura mais recente, “Uma Prova do Céu”, de Eben
Alexander III, o neurologista harvardiano que, durante um coma, afirma ter batido às
portas do paraíso, assim como o Bob Dylan, o Axl Rose e o Zé Ramalho (Knocking on havens door). Na música,
Dylan pede à mãe que lhe tire o distintivo (badge) - ele não pode mais usar -
assim como as armas, com as quais ele nunca mais vai conseguir atirar.
No Rio, o advogado Marcos Espínola, que defende um dos PM
acusados pelo homicídio e maus tratos à auxiliar de Serviços Gerais Cláudia
Ferreira, sargento Alex Sandro da Silva Alves, ajuizou ontem (18/3) um pedido
de liberdade provisória para seu cliente. "A pena prevista no crime
militar pelo qual os policiais são acusados vai de 3 meses a um ano de detenção”,
argumentou. “Ou seja, mesmo que ele seja condenado, não ficará na cadeia. Por
isso não há motivo para mantê-lo preso preventivamente."
Enquanto o meu velho calcula suas chances (boas) de alcançar
o paradesha, também conhecido como Jardim do Éden, decidi voltar a Cormac
McCarthy, The Road (“A Estrada”- Prêmio Pullitzer de 2006), por ter lido, há
pouco tempo, a novela mais badalada do autor, Blood Meridian (“Meridiano de
Sangue”-1985): “A Estrada” tem sido o meu breviário, nos últimos dias. Em
adição a isso, nos finais de tarde, em vez de dar uma volta pelo pátio do
mosteiro, tenho assistido de três a cinco minutos de Datena (não dá para
suportar mais que isso), tudo visando enfrentar a realidade do mundo que nos
cerca.
Antes de dormir, cinzas, frio, fome. Mergulho nas paisagens
desoladoras de McCarthy, onde pai e filho, sobreviventes de uma guerra nuclear,
arrastam um carrinho de supermercado, com suas parcas provisões, perseguidos por
um bando de canibais: “Vultos enlameados de cidades inundadas até a linha
d’água”. “Luz de cor de água suja se petrificando nos vidros imundos da
janela”.
McCarthy tornou-se mais conhecido, no Brasil, depois que seu
No Country for Old Man (“Onde os Fracos Não Têm Vez”) chegou à telona, mas o
texto impecável do artesão, bem como a sua estética apocalíptica são reconhecidos,
nos Estados Unidos, desde quando “O Meridiano” entrou na lista dos então 100
melhores romances de língua inglesa da Time e do New York Times de 2003. Harold
Bloom referiu-se a esse livro como o maior romance norte-americano depois de As I
Lay Dying (“Enquanto Agonizo”), de William Faulkner, pai dessa geração que sucedeu o Newjornalism (Norman Mailler, Truman Capote), também formada por Phillip
Roth, Don De Lillo e Thomas Pynchon. Desculpem o tom de resenha.
O meu primeiro Faulkner foi The Wild Palms, (“Palmeiras
Selvagens”-1939), história entremeada por outra, The Old, “O Velho”, que tem,
como pano de fundo, uma enchente do Mississipi: durante um traslado de
caminhão, numa fazenda penal, um detento é arrastado pelas águas. Depois,
tenta, desesperadamente, voltar ao presídio, único espaço que lhe dá sentido.
Sempre que consegue chegar perto de algum lugar, na tentativa de ajudar uma
mulher grávida que encontrou no rio, é afastado a tiros, por causa do uniforme
da colônia penal. Aqui, em São Paulo, minha rua, a Roque Petroni Júnior, enche
quase todo dia. “A mãe natureza, diante da qual o homem se move incerto sobre
uma casca de noz”.
A personagem do livro (ou o personagem, como preferirem) consegue, por fim, fazer o parto da mulher
grávida numa ilhota onde os dois tentam se proteger da enchente. Quando,
finalmente, o homem consegue se entregar à polícia, celebra os 10 anos
adicionais de pena recebidos por “tentativa de fuga” e um charuto que ganhou de
presente do diretor da prisão. Alguma semelhança com a nossa realidade?
Estou sendo muito americano, na minha amargura? – Pode ser.
Tentei a moça de “De Gados e Homens” e “Entre Rinhas de Cachorros e Porcos
Abatidos”, mas encontrei Tarantino e Sérgio Leone. Procurei o Dostoievsky que
alguns críticos afirmam ter visto passeando por esses textos, mas a minha bateia deve ser muito rasa. Foi
divertido, Ana, mas eu passei pelo Tropicalismo quando jovem. Um pré
pós-modernismo. Ouvir Caetano, aliás, me faz bem, e Chico. Contudo, o segundo
movimento do Concerto em Fá Maior do Bach, em alguns momentos, pode ser melhor.
Ou, na definição do filósofo Nelson Rubens, “diferente”, pensamento sujeito à ressalva de outro filósofo nacional, o Juarez Soares: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa
é outra coisa”.
Como não possuo (mais) nenhuma motocicleta de 500 cilindradas para
cruzar as avenidas desertas do planalto central, à noite, disfarçado de
mandatário(a) da República, só assim tenho conseguido alguma paz.
Da produção brasileira voltada ao nosso tema, a solidão,
aguardo a estréia de “Um Homem Só”, produzido pela bela Mariana Ximenes, que
faz o papel de uma gerente de cemitério de cachorro. Cheguei a pensar que essas
obras – “O Cheiro do Ralo” (romance de Lourenço
Mutarelli), “Amarelo Manga”, “Baixio das Bestas” (filmes de Cláudio
Assis) – há muitas outras – me cansariam, pela insistência do tema. Devem ter
estimulado a criação de “Meu Pedacinho de Céu” (de Benedito Ruy Barbosa), nova
novela da Vênus Platinada, mas não, não me cansaram. A nossa verdade tem cara de jornal Extra,
foto de caixão e contraste em branco e preto.
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