segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Colômbia


Elizabeth, a I, tornou-se A Rainha Virgem, mas era apaixonada por Felipe II e deu a Drake o título de sir.

No Brasil, chamaríamos aquilo de lojinha de doces. Uma cubo forrado de prateleiras com embalagens coloridas, na esquina de um dos shoppings mais caros da cidade, o Avenida Chile. O balcão frigorífico forma um ângulo reto com seu vizinho, seco e mais antigo; em cima deste, dois mostruários com arepas (massa de milho) e buñuelos (bolinhos de queijo); em seguida uma vitrine e um guichê servindo de caixa. Todo o conjunto não ocupa mais de 15 metros quadrados. Lanches prontos saem mais. Um sujeito de meia idade, com cara de gerente, faz o troco. Outro, atarracado e feliz, corre de um lado para o outro. Uma bela jovem nativa enfeita a face externa dos balcões.

Pensei que fosse freqüentadora. Resistiu, quando pedi para fotografá-la em primeiro plano. Lembrei-me do daguerreótipo de Melquíades, nos 100 anos de Solidão. Na Colômbia, as diferenças de classe não saltam aos olhos, como no Chile ou no Peru. O povo lembra vagamente o argentino, com aquela dignidade indecifrável que invejamos em segredo. A cultura é espanhola. Os cafés Juan Valdéz (rede colombiana) substituem os Starbucks que se vê no Chile. Fuma-se, ainda, e joga-se muito na loteria, mas os cassinos parecem navios-fantasmas.

Bogotá se divide em duas, ao longo da cordilheira, que fica a leste da cidade: o norte rico e o centro degradado, cercado, ao sul, por um cinturão de pobreza que se distingue facilmente, nos dias claros, do alto do funicular que leva ao cerro Monserrate, uma espécie de Penha carioca, com sua igreja do senhor caído.

A polícia está em toda parte e se confunde com o exército em seus macacões de camuflagem. O crime é menos evidente, mas os resquícios autoritários do último governo, sucedido por um militar liberal, me transmitiram uma nostalgia incômoda, com suas notícias de “subversivos” versus “autoridades”.

As feridas ainda estão abertas: a morte de 40 frequentadores do Club El Nogal, em 2003, chocou muita gente, assim com outros ataques das FARC, nos últimos anos. Mas o contraste entre as zonas G (gourmet) e T (calçadão vizinho ao shopping Andino) e os casebres e galpões abandonados da zona sul, assim como aqui, parecem não incomodar ninguém. Já os colombianos ricos não têm receio de ostentar o seu poder.

Mono Jojoy, um dos últimos chefes das FARC, foi morto três meses antes da minha passagem por Bogotá. Ele se tornou mais conhecido no fim dos anos 90, ao participar das negociações de paz no governo Andrés Pastrana (1998-2002). No último Natal, foi a vez de Pedro Guerrero, El Cuchillo, chefe do Eparc (Ejército Revolucionário Popular Antiterrorista Colombiano), extrema direita que já foi ligada ao governo mas que, ultimamente, aliou-se às FARC, em busca de uma saída para a fronteira com o Brasil.

Nenhuma dessas facções tem o apoio da população. Apesar da corrupção não poupar nenhum dos três poderes (afirma a imprensa local), o governo de Manuel Santos tem a chance inédita de pacificar o país e de promover a redução de suas desigualdades, se agir com a prudência que marcou seus primeiros movimentos na sucessão de Álvaro Uribe. Ele também vai precisar de muita cautela com seus dois vizinhos de muro, conhecidos populistas de esquerda, para não falar da colega mais poderosa da região, vejam só, uma ex-guerrilheira.

A frequência, na tal bodega, é feita de bancários e assistentes das clínicas vizinhas, além dos empregados do shopping. Como no Brasil, há uma espécie de comércio vicinal dos grandes centros comerciais, como eles os chamam (em vez de shopping centers). Essas biroscas atendem às necessidades dos que servem os poderosos. Nenhuma relação com os ambulantes do centro, com seus tentáculos de aparelhos celulares algemados à roupa, como polvos, para evitar os furtos, e que vendem ligações locais, nacionais e internacionais nas barbas das grandes operadoras.

Na zona norte ou no centro, o que mais me fascinou, em Bogotá, foram as busetas, que se pronunciam buzetas (pequenos buzes). Deixam a cidade mais alegre, com suas cores e decoração naíf. Por dentro, revelam-se incrivelmente zen, apesar da barulheira da rumba que envolve corpos cansados demais para bailar. Elas surgem do nada e páram em qualquer lugar. São o meio de transporte mais eficiente da cidade, cujas ruas secundárias estão sempre engasgadas, como as daqui.

Tudo o que para nós é Rumba, para eles é Porro, Salsa ou Bambuco. Eu também não sei distinguir o sertanejo raiz do romântico ou do universitário. As casas noturnas ou baladas, como se diz, ficam nas cercanias da zona T, entre as ruas 79 e 85. Vale a pena conhecer a zona T, assim como o Parque 93, ambos repleto de bares e restaurantes animados. Como turista acidental, eu sugeriria, antes de tudo, um passeio a pé pelo centro (Candelária), onde ficam o Museo del Oro e o de Botero.

Vi missas lotadas, mas a fé católica parece esgarçada, flutuando nas abóbodas de velhas igrejas. Nem sinal da febre pentecostal que assola o Brasil. Em compensação, a praça Bolívar é uma viagem arquitetônica. Ao lado, o palácio do governo, com sua imensa bandeira e sentinelas que parecem soldadinhos de chumbo, são bem divertidos.

Também fui a Cartagena, cujo centro amurallado é imperdível, assim como o Museo Naval del Caribe, que me inspirou um reveillon de penetra no Café del Mar (não havia mais ingressos), na muralha mais atacada pelos piratas. No século XVI, eles obrigaram a coroa espanhola a construir 14 fortes na cidade para defender o ouro roubado dos inca, dos tairona e dos zenu. Foi minha singela homenagem a Francis Drake. Fiz um ar de pânico ao perguntar ao Felipe Andreoli se o CQC estaria gravando na festa. A contragosto, ele entendeu a piada. Não é má pessoa, mas a companhia dele era muito melhor.

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