sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Como caiar uma cerca




Até hoje não descobri o autor dessa sequência de imagens, feitas por um repórter do Paraná


A mudança das moscas, em Brasília, enquanto a governabilidade persiste, é menos importante do que o flagra do Enem na Educação do país, embora o assunto já tenha sumido do noticiário: o desempenho médio dos alunos subiu 1,91% em relação a 2010, para 511,21 pontos. O gancho da mídia foi o óbvio: das 100 escolas mais bem classificadas, apenas 13 eram públicas.


O ministro da Educação, Fernando Haddad, reconheceu que o investimento na escola particular chega a ser 10 vezes maior, como se admitisse a precariedade das instalações no ensino público. Mas não falou de salário, motivação dos professores, defasagem no aprendizado, nem da gestão pouco profissional que impede a escola de funcionar como uma fábrica de democracia, como sonhava o educador, Anísio Teixeira.


As análises críticas que vi, na mídia, ativeram-se às diferenças entre a qualidade do ensino no andar de cima e no andar de baixo, além das querelas políticas regionais de representantes de um e de outro partido trocando acusações vazias sobre o mau desempenho de seus respectivos Estados no ranking nacional do Ensino Médio.


Passando rapidamente pelo noticiário de uma emissora norte-americana, hoje (16), vi, de relance, o jornalista John Stossel, autor do documentário Stupid in America, comemorando uma pesquisa recente ilustrada por depoimentos de adolescentes norte-americanos que finalmente revelaram ser possível aprender se divertindo.


Um dos trechos que mais me chamou a atenção, no documentário de Stossel (produzido em 2006), foi a relação inversamente proporcional entre o investimento milionário feito numa escola do Kansas e o desempenho de seus alunos, um ano depois. A infra-estrutura da escola, mesmo antes do tal investimento, não se podia comparar com a de nossas escolas, mas o que a reportagem queria demonstrar era a inconsistência da relação investimento-desempenho, acima de um certo limite. Quando o dinheiro se cala, quem fala é o professor.


Na semana passada, uma coluna do Arnaldo Jabor, Tenho Saudades de Mim (que recomendo, apesar do narcisismo) lembrou o seu professor de Português, Luís Viana Filho, e me trouxe à memória os meus próprios mestres, num tempo em que a escola particular era o refúgio dos estúpidos (pagou-passou) e o ensino público era tão divertido que incluía Música, Educação Física, e Trabalhos Manuais.


Quando eu gravei um alto contraste de Che Guevara com carvão, na parede dos fundos de minha sala de aula, do chão até o teto, em 1965 (segundo ano da ditadura), fui obrigado a pintar novamente a parede, o que foi ainda mais educativo: eu já tinha aprendido, com Mark Twain, como caiar uma cerca, (As Aventuras de Tom Sawyer, Cap.2).


Mas quando um dos meus filhos, por volta dessa idade (15 anos), quebrou várias lâmpadas do corredor da escola em que estudava, a medida disciplinar foi uma suspensão pura e simples, até que eu sugeri, à coordenadora pedagógica, que lhe ordenassem uma pesquisa passível de avaliação, já que ajudar o eletricista a substituir as lâmpadas era impensável, por parte da direção da escola.


Tenho mais saudade do meu professor de Latim, com quem aprendi que a menor distância entre dois pontos nem sempre é uma reta, além da estreita relação entre o jardineiro do Lácio e sua última flor, inculta, bela e bárbara, com todas as suas conexões gregas e prefixos árabes, nada recomendável, portanto, à nossa atual diplomacia (Ahmajinejad que o diga).


Não posso negar, no entanto, que gostei da explicação fornecida à chefe da Nação, por algum assessor, há poucos dias, para desprender o seu pezinho da faxina (feixe de gravetos, em Latim) que alcançava rapidamenteo noticiário, na condição de segunda diferença importante de sua gestão para com a de seu antecessor: “Faxina é uma limpeza momentânea”, ela disse, “a nossa, será permanente”.


Mais recentemente ainda, nenhum colunista político inferiu a terceira diferença entre as gestões do imperador Lula e de sua sucessora, ao falar dos afagos ao PSDB paulista, traduzidos pelos bilhões para a hidrovia Paraná-Tietê e para a conclusão do Rodoanel, carinhos esses, devidamente abençoados pelo eterno príncipe, FHC, no contar de suas 80 primaveras.


Pois bem, eu costumava ludibriar meu professor de Latim, cuja sobrinha estonteante (repentinamente transferida para a nossa escola, por mau comportamento em antigo domicílio) eu desejava intensamente.


As chamadas orais desse professor, Anibal Campi, eram famosas e aterrorizantes. Alguns alunos eram sorteados, outros, intimados. Eu, claro, era presença obrigatória na lista dos intimados.


Se a minha ousadia, em forma de pitaco ou pilhéria, aflorasse no início da aula, eu tratava de traduzir o primeiro parágrafo do texto que ele sempre nos passava como lição para a aula seguinte. Para quem nunca estudou Latim, traduzir um parágrafo de um texto latino significa dissecá-lo. Se a minha bagunça surgia no meio da aula, eu cuidava de estudar os dois parágrafos do meio. Se vinha no fim, eu me dedicava ao parágrafo final. Nunca deu errado. Aníbal reforçava a minha atitude, comentando com os colegas que não conseguia “me pegar”.


Tremo de emoção ao me lembrar disso, porque só depois de me tornar adulto e de que ele nos deixou, obviamente, percebi a armadilha na qual eu me enredara, e da qual, até hoje, tiro o meu sustento: para facilitar a tarefa mínima a que eu me impunha, por orgulho e por diversão, eu sempre dava uma olhadinha no resto do texto, sem nunca admitir, para mim, ou para a minha platéia (a não ser hoje, a essa distância) que eu, afinal, estudava Latim.


Professores assim, construtores de gente, eram bem remunerados, respeitados pela comunidade, dignos; fazem muita falta. Mas mesmo hoje, diante dessa paisagem revelada pelo último Enen, ouço, de uma professora municipal, um relato animador. Ela pediu a seus alunos, de 8 a 9 anos, que trouxessem uma notícia de jornal, escolhida por eles. As notas sobre aumento de impostos e riscos ao meio ambiente renderam um puxão de orelha nos pais.


Três dessas notícias mereceram comentários da professora: a foto da deusa do funk trazida pelo garoto mais agitado da classe (cedo demais para isso, meu caro); o peixe ornamental cujo coração se auto-regenera, e pode trazer avanços no tratamento de moléstias cardiovasculares, e a notícia da cadela adotada por um soldado norte-americano, depois de evitar um ataque suicida, no Afeganistão, mas que acabou recolhida pela carrocinha e morta “por engano” num abrigo de cães de Phoenix, no Arizona. Essa garota, certamente, será psiquiatra, ou jornalista.


Ramon Portal Roldán (1950-13/09/2011): foi mais difícil escrever hoje, sabendo que você não vai comentar nada, pelo menos por enquanto.

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