Marie Rucki, do Studio Berçot -Paris, ajudou a formar a rapaziada que hoje faz sucesso nas passarelas: Regina Dabdab (acessórios), Alexandre Herchcovitch, Orcimar Versolato, Glória Coelho, Reinaldo Lourenço, Marcia Gimenez. Francesíssima, gostava de chocar a burguesia com suas incursões ao Mappin, depois 25 de março, que sempre rendiam: informação, critério, estilo. Ela podia. Ela fazia.
De quebra, derrubava tabús, mostrava o que é Arte, e educava para a vida, como uma Nani McPhee daqueles garotos mimados, frágeis e arrogantes como o graveto de Kwai Chang Cane, personagem de David Carradine em Kung Fu, a emblemática série dos anos 70. Rucki mostrava como é enganadora a distância entre o erudito e o popular, independentemente do ângulo do qual se observa: o de Nazareth, Villa Lobos ou Jobim, o de Suassuna ou o de Câmara Cascudo, o de Machado ou o de Millor, no caso, sobre o subúrbio onde um dia vivemos. Uma cor, um acessório, um tecido, um jeito, e lá estava a composição. Somos o vaso que transforma, ela dizia.
Ontem (18/4), o Globonews em Pauta, que é um bom programa, recebeu o cantor sertanejo João Paulo e Daniel, sem o João Paulo, evidentemente, que já faleceu, mas que passeou pelos bastidores o tempo todo, como um Hamlet (pai). O tema central foi a tautologia de sempre, em forma de dicotomia entre erudito e popular, a elite e o povo, com seus falsos axiomas, ilustrados pelos clássicos questionamentos: Por que Era uma brincadeira, do Peninha, teria ficado de outro jeito, na voz de Caetano, sendo a mesma canção?
Tudo bem que a TV não discuta o controle da natalidade (planejamento familiar) em vez do aborto de anencéfalos, e que não relacione isso à oferta do diesel S50, nem à usina de Belo Monte, tudo bem. Ninguém vai falar dessa maneira, num país católico (evangélico?). Político que faça da Constituição a sua Bíblia, aliás, só em filme do George Clooney, como Ides
of March, no qual, o personagem acaba papando a estagiária, e descendo a cachoeira numa aliança pragmática que lhe trará o delta necessário à vitória nas eleições.
of March, no qual, o personagem acaba papando a estagiária, e descendo a cachoeira numa aliança pragmática que lhe trará o delta necessário à vitória nas eleições.
Mas a TV poderia patrocinar uma discussão menos desinteressante sobre esses temas de cultura. É o mínimo que se poderia esperar do canal que nunca dorme, como o Fantasma, de Lee Falk, que ajudou os avós da emissora a se tornar a Vênus Platinada (O Globo e RGE), como O Espírito que Anda, às vezes Mr. Walker, amigo dos pigmeus Bandar, do lobo Diabo e do cavalo Herói.
O Globonews Em Pauta é uma boa idéia, mas, como tudo, na TV, fica sempre devendo ao espectador (influência pavloviana do Boni), porque é impossível combinar uma entrevista leve com o noticiário pesado que se comunica com o JN (no mesmo horário), mais os pitacos dos correspondentes. Na entrevista de ontem (18), o moço da cueca, que já gravou álbum só de moda de viola, teve o bom senso de destacar: “Música (leia-se Arte), independentemente de gênero, merece ser ouvida, desde que bem feita”. Estão aí o Nelson Mota, o Fernando Faro, o Zuza Homem de Mello, que não nos desmentem. Eles e os pesquisadores das dinastias Boscoli & Mariano, além do Tim Maia, vendido até julho deste ano.
No outro dia, um sábado, quando eu chegava ao Ceasa, o Milton Parron (rádio USP) colocou no ar uma reprodução feita por um fã durante um show de Nelson Gonçalves, em Natal-RN (não me lembro em que ano) no qual os músicos tinham dado um bolo. Ele cantou, sem usar sequer uma caixa de fósforos para marcar o ritmo: A volta do boêmio (Adelino Moreira), De quem eu gosto (Maximiano de Souza) e Naquela mesa, do Sérginho Bittencourt, que me deu saudade do filho que se foi para o Rio de Janeiro. Não arredei pé enquanto a música não acabou.
Não existe pecado. Tenho um CD dos tempos de Rhodia, gravado sob a marca de um defensivo chamado agrotóxico, que ainda me emociona: Pena Branca e Xavantinho, Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico, Tião Carreiro e Pardinho. Tem deliciosas interpretações de O Rei do Gado e de O Rei do Café. Isso não quer dizer que eu seja obrigado a curtir Vitor e Léo e Paula Fernandes. São artistas, que o deus Pan os proteja sempre, assim como a Ivete Sangalo e a Claudia Leite, a Gretchen e a Chico Buarque. Mas eu quero poder ouvir o Tannhäuser und der Sängerkrieg aus Wartburgs sem ser chamado de elitista. Afinal, até o céu perdoou o menestrel em questão.
Só acho que, enquanto Millor e Chico Anísio não viram uma dupla de comediantes que viveu há alguns anos, fazendo shows na boate Sucata e trocando de namorada enquanto moravam no mesmo apartamento do Leme, a gente, da indústria cultural, podia dar uma carona de elevador, de vez em quando, ao pessoal do Edifício Master, tentando, digamos assim, aumentar a diversidade do país. À geral seria franqueada a faculdade (entre tantas, que ainda funcionam por aí) de pinçar, aqui e ali, uma cor, uma frase ou uma bolsa, como as de Marie Rucki, para enriquecer as nossas tramas e texturas, a cada dia mais cinzentas.
No próximo episódio, como digerir uma empadinha que pode ter sido um deputado.
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