Possivelmente, os solertes assessores de Carlinhos Cachoeira lhe tenham sugerido, neste momento, comunicar-se com a sociedade – à qual ele, ultimamente, tem se furtado – por meio de sua face mais sensível, a noiva Alessandra Mendonça, que enfeita a edição de hoje (27/4/2012) da Folha de S.Paulo (foto). Por meio dela, ele manda dizer ter operado legalmente seus caça-níqueis durante dez anos, sendo visto “lá fora” como um empresário da indústria de entertainment, e não como bicheiro, além de “estar batalhando” para legalizar a sua atividade no país, “em tempo de as pessoas que virão para a Copa e para as Olimpíadas terem algo para fazer no Brasil”.
Ninguém, claro, nem a repórter da Folha (Cátia Seabra), que fez a entrevista com a face suave de Cachoeira, teria coragem (não é bem o termo) de confrontá-lo via essa porta-voz, questionando seus métodos, contatos, esquemas, falcatruas, desvios e fraudes, entre outras acusações que lhe pesam. O núcleo da entrevista, voltado ao ciclone inquisitorial que, como outras vezes, assola a capital da república, na maioria delas, sem outras consequências, além do alarido da imprensa, foi o potencial destrutivo do depoimento que o empresário, com base em seus arquivos dos porões da República, deve fornecer à CPI, dentro de alguns dias ou semanas.
Afora as consequências que a construtora Delta vem enfrentando, assumidas pelo Palácio do Planalto no início do escândalo (a família Cavendish não pode mais desfilar de Ferrari na Barra da Tijuca), e da lama respingada em políticos, tanto da situação, como o governador do DF, Agnelo Queiroz, como da oposição, como o senador goiano Marcone Perillo (Demóstenes Torres voltou a circular com desenvoltura pelo Congresso, nesta semana), dificilmente todo esse vendaval vai provocar grandes abalos na estrutura do poder, ou ameaçar a governabilidade, embora tenha se tornado mais um incômodo para a presidente Dilma que, para alívio de seus eleitores, tem pouca afinidade com o trato da coisa política, esse animal pegajoso, que se mexe lentamente, tem longos tentáculos e fortes anéis para asfixiar as mais nobres pretensões.
Às vésperas da Rio+20 e nas barbas do relatório da respeitada associação científica Royal Society, informando que o consumo excessivo em países ricos e o rápido crescimento populacional nos países mais pobres precisam ser controlados para que a humanidade possa viver de forma sustentável, fomos todos derrotados na votação do Código Floresta desta quarta-feira (25/4), todos, inclusive, e talvez principalmente, os ruralistas. A presidente Dilma anunciou ontem (26/4) sua intenção de vetar a anistia aos desmatadores das áreas de preservação permanente, reservas legais e matas ciliares. Se a ex-ministra Marina Silva conseguir falar com ela, talvez o projeto seja integralmente vetado.
O relatório da Royal Society será um dos referenciais para as discussões da Rio+20, cúpula que acontecerá na capital fluminense em junho próximo."Este é um período de extrema importância para a população e para o planeta, com mudanças profundas na saúde humana e na natureza", disse John Sulston, presidente do grupo responsável pelo trabalho. "Para onde vamos depende da vontade humana - não é algo predestinado, fora do controle da humanidade”, assinalou. “Nosso destino está em nossas mãos".
John Sulston ganhou renome internacional ao liderar a equipe britânica que participou do Human Genome Project, projeto responsável pelo mapeamento do genoma humano.
Em 2002, ele foi ganhador, junto com outro cientista, de um prêmio Nobel de Medicina, e hoje é diretor do Institute for Science Ethics and Innovation, na Manchester University, em Manchester, na Inglaterra.
O conselho da ex-ministra Marina Silva (20% dos votos do primeiro turno das eleições de 2010, traduzidos em quase 20 milhões de brasileiros) em seu artigo de hoje (FSP, 27/4) começa afirmando que algo está muito errado quando a maioria dos parlamentares, na contramão da vontade da maioria da sociedade, prefere um modelo de desenvolvimento que, em razão do lucro rápido, compromete o futuro do próprio país.
Marina afirma que o texto do projeto tido como consenso já ignorava o parecer dos cientistas sobre o tema e que, em nome desse consenso, as lideranças dos diferentes partidos classificaram como “radicais” as críticas que defendiam salvaguardas capazes de garantir a qualidade de vida das gerações presentes e futuras.
Termina propondo que o Brasil seja, para o século 21, o que os Estados Unidos foram para o mundo no século 20. “São necessárias visão antecipatória e determinação de perseguir nosso destino de grande potência socioambiental”, ela diz, lembrando não ser fácil fazer a melhor escolha e que é na pressão dos grandes dilemas que se forja a têmpera dos que fazem a história avançar. Esquece-se, porém, a cara Marina Silva, em que país estamos e até que ponto avançamos, na história: não é por acaso que os nossos principais acidentes geográficos, hoje, são uma delta e um cachoeira.
Foto: Lula Marques (Folha press)
sexta-feira, 27 de abril de 2012
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